A nova versão sombria do “Febeapa” brasileiro: salvem a civilização!

Se hoje tivéssemos um Stanislaw Ponte Preta, certamente o material a disposição dele dariamais do que os três volumes que ele publicou

Ilustração: Duke

Em 1966 foi publicado o primeiro volume do livro escrito pelo carioca Sérgio Porto, “Febeapa – O Festival de Besteira que Assola o País”, que reuniu 51 de suas crônicas publicadas entre 1965 e 1966, numa coluna intitulada “Fofocalizando”. Nelas ele criticava, de modo irônico, as ações de militares, políticos e socialites do país. O livro foi publicado sob o pseudônimo que se tornou nacionalmente conhecido, Stanislaw Ponte Preta, e foram três volumes (1966, 1967 e 1968). Porto faleceu em 1968, vítima de infarto, e o seu legado fez com que um grupo de jornalistas criassem, em 1969, o semanário “O Pasquim”.

Se hoje, passados mais de 46 anos desde a publicação desse primeiro volume, tivéssemos um Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, certamente o material a disposição dele daria mais do que os três volumes que ele publicou, dado que um dos fenômenos criados pela onda mundial de reacionarismo, cuja data de “nascimento” é discutível, mas eu colocaria por volta de 2010-11, quando os partidos reacionários europeus começaram a atropelar os tradicionais sociais-democratas, liberais e conservadores, colocando os sistemas políticos do “velho mundo”, de cabeça para o ar.

Ucranianos usando no braço a suástica do “Batalhão de Azov”, organização paramilitar neonazista ligada ao Ministério do Interior ucraniano desde 2014 I Foto: Reprodução

Sem querer me deter na data que considero a “pré-história” do novo reacionarismo braZileiro, junho de 2013, o que aconteceu nesse país, já na campanha de 2018, daria ao Stanislaw Ponte Preta, um volumoso conjunto de ações e atos que dariam a dimensão das consequências  do novo reacionarismo nesse país e a eleição de Bolsonaro, acompanhado dos deputados federais, eleitos nas diversas legendas, mas muito especialmente no obscuro Partido Social Liberal (PSL), que saiu do ostracismo para se tornar um dos dois maiores partidos desse país, ao lado do Partido dos Trabalhadores (PT), e que tornaram a Câmara de Deputados um misto de balcão de negócios com um picadeiro a disposição de uma cambada de gente desqualificada, desonesta e mentirosa,  cujos discursos, grotesco, encheriam um volume do “Febeapa”.

Bolsonaro, o presidente que pouco trabalha e que se ocupa em distribuir sua ignorância país afora, além de cometer um coquetel de crimes que se tivéssemos um Judiciário atento, já teria enquadrado esse elemento, arrastou para dentro do aparelho de Estado brasileiro, pessoas que jamais teriam acesso aos órgãos governamentais, se não estivéssemos numa “distopia bolsonariana” e que inauguraram um período em que suas ações abalaram os princípios republicanos.

Mas na sociedade, o nazi-bolsonarismo permitiu que saíssem das sombras figuras sórdidas, grotescas, pusilânimes e de toda ordem de pessoas, caricaturas vivas de uma sociedade degenerada e fragilizada por um sistema de poder em que as elites, e sua nova versão rastaquera, enaltecem a ignorância e glorificam a burrice como se fora um “ato de libertação” da sua “consciência livre”, uma invenção rocambolesca dessa gentalha, que se apossou não apenas da bandeira nacional, mas do próprio vernáculo, tornando a palavra “liberdade” prisioneira das suas sandices.

Obviamente o “febeapa” espalhado na sociedade parece, mas apenas parece, atingir segmentos sociais localizados entre as camadas médias e em determinados espaço geográficos, muito em função do esqueleto social, forjado ao longo dos séculos e da forma desigual na qual a nação brasileira foi construída. As cenas lamentáveis, que envergonhariam qualquer ser humano com um mínimo de vergonha na cara, mostram o quanto estamos expostos às agruras de um sistema tão desigual como é o caso do BraZil.

Esses seres desprezíveis e rasteiros, que estão à nossa volta, convivendo conosco, vivenciando nosso dia a dia, empoderados pelo nazi-bolsonarismo, vieram para ficar e, mesmo com a possível derrota eleitoral de Bolsonaro, é provável que sua forma de fazer política esteja enraizada em boa parte da sociedade, mesmo que essas raízes possam não ser tão profundas. O negacionismo, a ignorância, o reacionarismo doentio, a violência (verbal e física) e a antipatia aos princípios civilizatórios parecem ser um bálsamo para essas pessoas que nunca se reconheceram como sociedade e sim como indivíduos.

O nosso “Febeapa” não é, infelizmente, um conjunto de atos engraçados praticados por tresloucados, mas sim a exposição de uma sociedade adoecida e que terá, não num curto prazo, de recolocar essas figuras soturnas nas suas celas civilizatórias, para que voltem a respeitar as normas sociais, mesmo as mais simples e mesmo contra suas vontades.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor