A poesia de Celso Marconi no lançamento do livro Triângulo Matador 

No próximo dia 23 de agosto, Celso Marconi lançará o livro Triângulo Matador, que reúne seus poemas e obras eletrônicas de Rachel Rangel e Daniel Santiago.

No próximo dia 23 de agosto, Celso Marconi, o crítico de cinema de mais longa vida no mundo, lançará o livro Triângulo Matador, que reúne seus poemas e obras eletrônicas de Rachel Rangel e Daniel Santiago. Teremos um livro de 3 autores criativos, cada um à sua maneira. Lançamento no Museu do Estado de Pernambuco, a partir das 19 horas. Preço: 50 reais. 

A seguir, 2 poemas do livro e trecho da apresentação de Antonio Motta, antropólogo e professor titular da UFPE. 

COMO SERÁ O MUNDO AMANHà

Celso Marconi

Infelizmente eu não sei
Mas gostaria que fosse amanhã 
Um novo mundo
Não houvesse diferença 
Entre homem e mulher 
Só as diferenças essenciais 
Gostaria que o conhecimento 
Das realidades 
Fossem transmitidas por telepatia
E ninguém se cansasse lendo livros 
Que na verdade já não serão em papel 
Serão fluidos e bastará um cheiro 
Para conhecer o seu conteúdo 
Assim nunca serão roubados 
E mesmo porque no futuro não haverá ladrões 
E isso também porque não haverá propriedade 
E o trabalho estará tão automatizado 
Que cada um não será obrigado a trabalhar
Assim o trabalho será uma dádiva 
E haverá tanta alegria no nosso mundo 
E ninguém vai querer sair daqui
Para ficar junto de quem ama 
Pois também o amor será perfeito 
E não nunca causará ciúme
A mulher amará todos os homens 
E estes também amarão as mulheres 
Só haverá uma religião
E todos saberão que deus é um fluido 
Talvez totalmente desnecessário

NA LUZ DO BAR DA GLÓRIA

Celso Marconi 

Você pode ser a favor e contra
E também se misturar 
E ainda envelhecer 
Como é bom para o velho ser velho 
E ainda esquecer e não esquecer 
Dormir muitas horas seguidas e 
Ainda voltar daqui a pouco a dormir 
O velho tem direitos e não é Um bobo moço que vai impedi-los 
E mesmo assim um moço que já não é tão moço mas se pensa 
Alexei Bueno me disse numa mesa de casa de pasto na Glória que era de direita 
E simplesmente ri para ele e lhe disse que ele não era 
Pois um direitista não tem certas situações populares mas mesmo assim pode ter 
Na mesa de bar da rua da Glória todos podem se confundir 
E o que tudo salva é a presença discreta e útil do meu querido amigo Fred 
Saudades das jornadas de cinema que aconteciam na Bahia com Guido Araújo 
Pois o cinema hoje nunca é tão belo quanto “il leopardo” do mestre Visconti 
Mesmo quando tiver 107 anos podemos continuar a defender um mundo melhor 
Sem timidez e sem nem ao menos pedir licença aos jovens moços que se enganam 
E pensam que nos enganam também

Trecho da apresentação de Antonio Motta para o livro

Os poemas de Celso Marconi, aqui reunidos, foram escritos ao longo dos últimos quinze anos. São poemas em que o autor dialoga com o eu profundo, com o tempo, com memórias, com a voz do ser, vozes que se fazem ouvir e calar no fundo da noite, no recolhimento de si mesmo, na mais absoluta solitude, na busca incessante de uma escuta, divina ou profana, pouco importa. Era preciso apaziguar os demônios, deixá-los trancados na câmara escura da alma ou, talvez, aprisionados no Triângulo Matador, que ameniza a dor, mas não chega a matá-la por inteiro, pois sem dor é quase impossível se pensar em Poiesis. 

A generosidade de Celso é traço de sua existência: um intelectual multifacetado, experimental, engajado e comprometido com o que até hoje tem produzido. Suas múltiplas vocações o levaram a traçar um percurso intelectual heterogêneo, que se exprime através de gêneros fronteiriços que vão desde o cinema e da crítica cinematográfica, das artes, da literatura, dos estudos culturais, até incursões pela poesia e ensaísmo, passando também por outras expressões literárias menos evidenciadas. Embora cada uma delas preserve as suas individualidades, não deixam, contudo, de se complementar e se articular harmonicamente no conjunto geral sobre o qual, em última instância, repousa o substrato de sua caleidoscópica obra. 

O artista visual Daniel Santiago e a psicanalista Rachel Rangel são fundamentais no ponto de fusão da arte com a poética. A matéria com a qual trabalha Rachel é o sonho e a produção de imagens do inconsciente: o intangível e suas formas materiais de sentido. Rachel tem incursionado no campo das artes visuais, especialmente através da manipulação digital de imagens, onde a influência surrealista se mescla ao expressionismo do traço. Suas intervenções exploram signos, formas e representações como impulso criador inspirado nas trocas poéticas que motivaram os encontros no Triângulo Matador. 

Daniel é um artista consagrado. Desde os anos de 1960 tornou-se referência obrigatória no campo das Artes Visuais e da Performance. Sua obra é provocativa e original, utiliza-se de técnicas, materiais, suportes e campos experimentais diversos: desenho, pintura, escultura, fotografia, intervenção digital, multimeios, atos performáticos (happening e flash mob), entre outros recursos no processo de criação. O ensaio fotográfico de Daniel, Organelas, reproduzido parcialmente neste livro – com técnica e efeito light painting -, busca captar o movimento das formas, apreendidas no instante do acontecimento no mundo sensível das coisas, na sinergia e fugacidade da luz, nesse lugar aparentemente vazio em que toda a realidade se dissolve, ou como diria Merleau-Ponty: “o verdadeiro não é nem a coisa que vejo, nem o outro homem que também vejo com meus olhos, nem enfim essa unidade global do mundo sensível e, em última instância, do mundo inteligível que há pouco tentávamos descrever (…)”

Os três autores, cada um a seu modo, criam correlações experimentais que complementam o propósito inicialmente pensado para o Triângulo Matador. Trata-se de um livro experimental, work in progress, que o leitor poderá reinventar à revelia de sua própria imaginação, prestando-se a diferentes interpretações possíveis, aberto a infinitas possibilidades. 

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