A “questão ucraniana” é um surto imperialista de Putin?

Esse conflito vem se arrastando desde 2003 e prova que a falência de uma estrutura estatal, como é o caso da Ucrânia, hoje dominada por bandos mafiosos

Foto: Sergei Guneev/Sputnik

Do belicismo estadunidense pouco se duvida e suas ações, depois da II Guerra Mundial, corroboram com a tese de que os EUA são o país mais intervencionista do mundo e sua visão de democracia depende dos seus interesses geopolíticos. A Guerra Fria tinha na URSS a contrapartida desse imperialismo e isso funcionava como uma espécie de “ponto de equilíbrio” e o fim dessa grande federação, extinta no final de 1991, trouxe à tona os desejos do establishment de Washington em se tornar um “líder mundial da democracia”. E a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), criada para ser um escudo contra a URSS, agora funciona como a ponta-de-lança dos EUA para intervir e controlar Estados.

E agora temos a “questão da Ucrânia”, cuja complexidade parece fugir da compreensão de boa parte dos analistas políticos que vão às redes de televisão da chamada “grande imprensa”, para repetir bordões contra a Rússia e especialmente Vladimir Putin, o “vilão” do momento.

Mas, se poucos falam sobre a Ucrânia, hoje um entreposto fascista, cujo presidente, Volodymyr Zelenskyy, de pouca densidade política, aceitou o protetorado dos EUA de bom grado, e muito menos dos dois Estados que agora se tornaram centrais: a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk. Olhando as opiniões desses analistas, essas duas repúblicas nada mais são do que uma extensão das vontades do governo russo, revelando desconhecimento do complexo processo de reorganização do antigo espaço soviético.

Foto: Sringer/Sputnik

Essas duas repúblicas não surgiram por acaso, e os que tentam mostrá-las como resultado de um movimento antidemocrático que não reconheceu o golpe de 22 de fevereiro de 2014, iniciando em novembro do ano anterior, quando o presidente Viktor Yanukovych, foi deposto pelo parlamento, depois de sangrentos combates no centro de Kiev. Yanukovych foi expurgado pelo fato de ter congelado a adesão da Ucrânia à União Europeia, estragando os planos dos mafiosos oligarcas ucranianos. O que ficou conhecido como “Euromaidan”, provocou a ruptura de um tênue tecido que sustentava as relações entre a parte leste da Ucrânia, onde se localiza o que restou da estrutura industrial soviética, e a parte ocidental.

Essa situação já pode ser vista quando do fim da URSS, as regiões de Donetsk e Luhansk, que tinham apoiado a saída da Ucrânia da URSS, defendiam a federalização do país, o que não ocorreu e já em 1993 a região estava numa devastadora crise econômica, com o sucateamento das empresas lá existentes, o que provocou, por exemplo, um poderosa greve de mineiros, que não evitou a decadência econômica dessas regiões.

Com eclosão de distúrbios que levaram ao que se tornou a “Revolução Laranja”, em novembro de 1994, aplaudida pela União Europeia, e que consolidou a presença de grupos mafiosos dentro da estrutura estatal, houve uma breve tentativa de autonomia das regiões, e se chegou a criar a República Autônoma da Ucrânia do Sudeste (26/11) e essa república seria formada por nove regiões do Sudeste da Ucrânia. Participaram delegados de Dobas, da Criméia e Sebastopol e chegaram a pedir que Viktor Yanukovich fosse feito presidente ou primeiro-ministro da Ucrânia, para que este federalizasse o país.

Essa tentativa fracassou e custou à região a “má fama” de serem “separatistas” e durante toda a década de 2000 e “guetizou-se” a região, aumentando a forma como essas populações viam o governo central e ascensão de movimentos ultranacionalistas e fascistas, que a partir de 2010 passaram a considerar a Ucrânia como uma espécie de “lar” para esse tipo de organização.

Foto: Aleksandr Maksimenko/Sputnik

O “Euromaidan”, finalizado em fevereiro de 2014, com a fuga de Yanukovich, desencadeou uma violenta reação nas comunidades russas de Donbas e Luhansk, mas também nas outras regiões próximas, especialmente na Criméia. Em 5 de março de 2014, 12 dias depois que os manifestantes em Kiev tomaram o gabinete do presidente deposto, uma multidão de pessoas em frente ao prédio da Administração Estatal de Luhansk, proclamou Aleksandr Kharitonov como “Governador do Povo” na região de Luhansk e em 9 de março de 2014, populares invadiram o prédio do governo em Luhansk e forçaram o recém-nomeado governador de Luhansk, Mykhailo Bolotskykh, a assinar uma carta de renúncia.

Algo parecido aconteceu em Donetsk e a repressão desencadeada pelo governo central, logo transformou-se em guerra civil aberta, já em abril de 2014, quando se deu a proclamação unilateral da República Popular de Donetsk e de Luhansk, que recebeu a simpatia imediata da Rússia, já envolvida com manifestações antigoverno ucraniano desde janeiro, especialmente em Sebastopol e em toda a região da Criméia, que culminaram com a entrada das tropas russas nessa região já em fevereiro.

Esse conflito vem se arrastando desde 2003 e prova que a falência de uma estrutura estatal, como é o caso da Ucrânia, hoje dominada por bandos mafiosos que se locupletam do poder e que tentam reescrever a história do país, a partir do ponto de vista fascista, com o endeusamento, por exemplo, da sinistra figura de Stepan Bandera, hoje enaltecido como “nacionalista”. Além disso essa estrutura mafiosa foi acolhida pelos EUA que, na prática, como fez com a Geórgia, estabeleceu um protetorado político, auxiliado pela União Europeia e tendo como suporte militar a Otan, que hoje tem um certo “as estatal” e isso, de fato, dividiu o país em duas regiões, onde, no oeste os clãs ligados ao Ocidente tem atuado para “europeizar” a Ucrânia e no Leste, de maioria russa, tenta-se sobreviver a um processo de sucateamento programado das instituições econômicas e sociais, que tiveram efeitos devastadores entre os trabalhadores locais.

De lá para cá mais de 10 mil pessoas morreram nos combates e a Rússia conseguiu manter as duas repúblicas utilizando a força da persuasão, mas parece que esse tempo acabou, e o que acontecerá nos próximos dias e semanas definirá a forma como a Europa se recomporá desse episódio.

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