A rachadinha no lupanar

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Montagem a partir de croqui de Oscar Niemeyer

Puteiro. Eu quis dizer puteiro mesmo. Contudo, o meu ponderoso editor, também circunspecto, taciturno e pudico, quem apenas raramente tem o bom humor de Georges Marchais, me determinou:

“Poeta, ‘pas de vulgarité, s’il vous plait’. Longe de mim praticar a censura. No texto, você poderá colocar o que desejar, porém a sobriedade há que prevalecer e ser mantida, ao menos no título. ‘L’homme de bon sens fait la sobriété’. Caso contrário, poder-se-ia pensar que nossa publicação se converteu num lupanar literário, em mãos de um ‘poète de trottoir’”.

Poète de trottoir?!!! Explico às minhas leitoras que o meu editor morou muitos anos em França, durante as agruras do exílio causado pela nefasta ditadura militar imposta à Nação, em 1964. Como teria dito Gil Vicente, quem não obedece a dica, leva pica. Assim, aceitei a sutil sugestão e mudei o termo para ‘lupanar’, que tem o elegante étimo latino para dizer a mesma coisa, mas os poderes da República são puteiros, mesmo. E desgraçadamente infectos. Todos os 3, sem exceção. O povo resta explorado e vítima indefesa da guerra de classes contra ele deflagrada.

De fato, o desgoverno do Capetão dos Infernos instituiu o programa Rachadinha Para Todos (os meus) e gastou R$ 3 bilhões (ou cerca de US$ 600 milhões) em pagamentos destinados aos parlamentares, à guisa de emendas, para seus currais eleitorais, onde estarão mais à vontade para chafurdar na corrupção, recebendo comissões. Em contrapartida, exigiu os votos nos seus candidatos à presidência da Câmara e do Senado. Seus candidatos ganharam por 302 votos a 145 na Câmara e por 57 a 21, no Senado, num grave e desalentador avanço das forças fascistas, já fortalecidas pelas eleições municipais de 2020.

Em 1925, na Itália, Benito Mussolini obteve uma votação favorável para a reforma eleitoral, que consolidou o final da democracia na Itália, por 307 votos a favor e apenas 33 contrários. Suas milícias já haviam assassinado o deputado socialista, Giuseppe Matteotti, em 1924, de maneira semelhante ao feminicídio de Marielle Franco, em 2018. Seguiu-se a naquele país a demolição das estruturas de Estado, substituídas pelas fascistas. Num só dia, em meados de janeiro daquele ano, a Câmara aprovou 2.376 decretos leis de iniciativa do Duce. O país não reagiu e seguiu-se a sua derrocada, ruína e a desgraçada miséria do povo.

Voltemos ao Brasil. Podem faltar recursos para a compra de vacinas contra o COVID-19, para a ajuda financeira aos necessitados durante a crise pandêmica, para a compra de oxigênio e outros insumos destinados aos hospitais, para a pesquisa científica, para o saneamento, para a habitação popular, para a educação pública, para o empoderamento da maioria e para tantos fins vitais, mas não faltam para a sórdida corrupção, para os vorazes banqueiros, para os pútridos rentistas, para os diabólicos bispos evangélicos e para a compra de leite condensado e de chicletes para a Turma do Inferno. Consultado, o blasé Posto Ipiranga agiu como se o programa Rachadinha Para Todos (os meus), pela “benigna e robusta horizontalidade difusa”, fosse impulsionar a economia, pois restariam inequívocos os efeitos benéficos da corrupção. “Recursos não faltam para a coisa nossa”.

Por sua vez, o Judiciário encontra-se comprometido com a política e age movido por interesses espúrios e corporativos. O sábio Voltaire chamou de ‘fúria sinistra o somatório das formalidades da lei aos horrores da política”. Da mesma maneira, observou, em 2016, a gloriosa União Brasileira de Escritores (UBE) “o Judiciário fora da lei torna-se um poder marginal e nefasto a promover a injustiça”. Recentemente, foram divulgados dados inequívocos e alarmantes, que demostram um conluio fraudulento entre agentes do Judiciário, potência estrangeira, os EUA, entidades políticas e organizações empresariais para retirar Lula da corrida presidencial de 2018.

Isso já era sabido desde 2015 e foi reiteradamente denunciado pela UBE naquele ano, em 2016, 2017, 2018 e em 2019. Tal foi feito em sua mídia social, palestras, conferências, notas e editoriais do jornal O Escritor, como também numa denúncia contra Jair Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional, em 2016, por apologia à tortura. Em dezembro daquele ano, a UBE afirmou que “a Nação assistiu estupefata a um golpe de Estado parlamentar e judiciário, através do qual foi apeada do poder a presidente da República democraticamente eleita e, de outro, entronizado o crime organizado no Executivo”.

Em março de 2017, a UBE lembrou que “…a legitimação da burla à lei e o exercício arbitrário das próprias razões são verdadeiras antinomias de Justiça”. Em maio do mesmo ano, a UBE, que atua consistentemente como uma das mais lúcidas expressões da consciência democrática do Brasil há mais de 70 anos, denunciou “a condenação do ex-presidente Lula da Silva por um tribunal de exceção alheio às provas dos autos”.  Em 3 setembro de 2019, a UBE denunciou “a deposição da presidente eleita por um golpe judiciário e parlamentar; a condenação do ex-presidente Lula por uma fraude judiciária; a corrupção do processo eleitoral e a instauração de uma administração fascista detrimental aos interesses nacionais”. No entanto, permanece inerte o Judiciário. Inexplicavelmente?

Todos estes acontecimentos infelizes demonstram, à saciedade, a falência do Estado brasileiro e o débâcle de seu regime político, que sustém um regime das classes rentistas e corporativistas, por agentes das mesmas classes e em seu exclusivo benefício. Nosso povo tornou-se, mais do que um joguete em mãos de inescrupulosos exploradores, vítima de ações mais cruéis do que promoveria um exército de ocupação. Como lembrou o grande Moniz Bandeira, de cada vez mais saudosa memória, “o fascismo é o regime da guerra civil declarada que se institucionaliza”.

No momento em que se fortalecem as forças fascistas no Brasil, a resistência ao seu avanço se torna mais fundamental para o nosso futuro. Essa deve tomar lugar em todos os recantos do País, mesmo dentro das instituições que foram conspurcadas pelo ódio e pelo crime. Ela deve ainda se manifestar nas escolas, nas fábricas, nos hospitais, nos grêmios, sindicatos e associações, na imprensa, nas ruas, praças e avenidas de nossas cidades, nas janelas de nossas casas e em todos os lugares onde puder se manifestar a cidadania. O objetivo deve ser o desmonte do Estado vil e sua substituição por uma democracia participativa, como aquela da República Popular da China e da República de Cuba, onde prevaleçam os interesses do povo e da nação brasileira.

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