A tentativa de desestabilizar o Irã

No último dia 12 de junho, sexta-feira ocorreu eleições na República Islâmica do Irã. Vários candidatos disputaram com o favoritismo do atual presidente Mahmoud Ahmadinejad. Uma onda forte de protestos tomou conta do país, denúncias de fraudes foram veicu

A estrutura de poder do Irã


 


 


O Irã é uma República Islâmica. Um regime teocrático como se tem dito no Ocidente. Critica-se a forma como se estrutura a sua democracia, com eleições periódicas e rotineiras, mas cujo mandatário maior, o presidente, tem poucos poderes de fato e de direito. Há dois órgãos de efetivo poder no Irã. Um nomeado e outro eletivo. O nomeado é chamado de Conselho dos Guardiães, composto por apenas 12 pessoas, que determina quem pode ou não ser candidato. O outro, de maior poder ainda, mas eleito diretamente pelo povo, tem 86 membros e é chamado de Conselho de Especialistas. É majoritariamente integrado por clérigos, mulás e aiatolás, os que mandam de fato no país.


 


 



Desde a revolução islâmica de 1979, que chegou a ser mesmo revolucionária, com a esquerda tendo um grande papel no seu início, o Irã cumpre uma agenda eleitoral com razoável estabilidade. As eleições para o parlamento e o presidente não coincidem. Nesta última, votou-se apenas para presidente, daí a rapidez da proclamação de seus resultados.


 


Por fim, existe um conselho Consultivo, composto por 290 pessoas, que tem as funções de apresentar e aprovar as leis do país, uma espécie de parlamento. Quem elege o líder supremo é o Conselho de Especialistas. Desde que o aiatolá Rurolláh Khomeini faleceu em 1989, vem exercendo a função de líder máximo e espiritual Ali Khamenei, escolhido como seu sucessor.


 



O presidente tem poucos poderes. Não manda nas forças armadas. Apenas indica os 22 ministros para a administração cotidiana, ainda assim, sujeitos à ratificação pelo Conselho Consultivo. Não tem influência alguma no poder judiciário e nem controla a mídia estatal. O líder supremo tem a seu serviço um Conselho de Discernimento, integrado por 29 pessoas que o auxilia na tomada de decisões.


 



Fraude ou tentativa de desestabilização


 


Nos últimos anos, em especial depois do fim da URSS, em 1991, a CIA, a Central de Inteligência estadunidense, produziu, incentivou e financiou diversas “revoluções coloridas”. Vários cores, em especial as dégradés do vermelho, foram amplamente divulgadas pela imprensa. Foi assim na Ucrânia, Geórgia, Quirquistão, Líbano, Bielorússia e mesmo na Venezuela (golpe das petroleiras). Revolução de “Veludo”, Revolução Laranja, dos Cedros e agora Verde no Irã.


 


 


O roteiro adotado é mais ou menos o mesmo. Dois anos antes de ocorrerem eleições, ONGs ditas humanitárias, constantes da folha de pagamento do Pentágono, da própria CIA ou que recebem recursos indiretamente, via empresários e doadores ditos “humanistas”, põem-se em campo a fazer o seu trabalho de recrutamento e aliciamento. No caso do Irã, as mais destacadas são a Freedom House, CANVAS, ICNC, Instituto “Albert Einstein” (que injustiça usar esse nome!) e órgãos de inteligência do próprio Pentágono.


 


 


Desta vez uma grande novidade foi colocado em curso: os recursos de alta tecnologia. Entraram em cena as mensagens instantâneas pelos celulares (chamadas SMS), o Twitter, as imagens amadoras postadas no You Tube (muitas falsas, manipuladas, forjadas, ensaiadas).


 


 


O candidato dito oposicionista, Mir Hossein Moussavi, estava fora de cena desde que havia deixado de ser primeiro Ministro, em 1989, quando o Irã ainda era parlamentarista. Ficou vinte anos fora do cenário. Reapareceu agora se sabe lá por que motivo ou inspirado por quais ideais. Sabe-se apenas que ele foi apoiado pelo ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, de linha também mais moderada e por outro ex-presidente, Mohammad Khatami. Estes travam uma luta intestina no Conselho de Especialistas, que estaria dividido ao meio. Lembremo-nos que tal órgão, tem poder de destituir Khamenei, que apoiou decisivamente Ahmadinejad.


 


 


 


Um ex-comandante militar do Paquistão, Mirza Aslan, confirmou a injeção de 400 milhões de dólares para desestabilizar o poder religioso no Irã. Documentos amplamente divulgados, declarações de altos funcionários do Departamento de Defesa e de Estado dos EUA, confirmam diversos convênios, injeções de milhões de dólares, para as chamadas ONGs “humanitárias” (sic).


 


 


 



O recebimento de mensagens instantâneas por celulares pode ser feito facilmente – desde que se tenha tecnologia para isso – por grandes centrais que tenham acesso à base de dados de todos os números dos aparelhos celulares usados no país. Os celulares são aparelhos de rádio e são monitorados facilmente por satélites espiões. Não foi à toa que Israel durante os 22 dias que bombardeou a Faixa de Gaza entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009, não destruiu sequer uma torre de retransmissão de celulares!


 


 



Duas horas depois do fechamento das urnas em todo o país – cujas eleições tiveram um recorde de comparecimento de 85% da população votante quando o voto é facultativo – milhões de celulares receberam uma mensagem que dizia mais ou menos assim: “Moussavi venceu as eleições. Uma fraude eleitoral esta em curso no país”. Quatro horas depois do mesmo fechamento das urnas, quando o Conselho Nacional anunciou a primeira parcial indicando ampla margem de vitória de Ahmadinejad, as pessoas se revoltaram. Pelo menos as que eram eleitoras da oposição. Até a versão ser desmentida pelos órgãos de comunicação do governo, a confusão estava instaurada. Alguns chamaram esse processo, desde antes das eleições de “Operação Ajax”. Outros chamaram de “Operação Cavalo de Troia”.


 


 



Moussavi sabia que perderia as eleições. Três dias antes, em uma das entrevistas que concedeu, sinalizou nessa linha de admitir antecipadamente a derrota. A única pesquisa amplamente confiável, realizada e financiada por instituições americanas, como o Rockfeller Brother Fund e o Center of Opinion Public, davam vitória de Ahmadinejad por mais de 66%, contra menos de 30% de Moussavi. Tive acesso ao relatório final dessa pesquisa, com 77 páginas, em inglês, disponível na página do Jornal The Washington Post. Conheço métodos de pesquisa, estatística e vi a seriedade das perguntas, do questionário, da base amostral. Ahmadinejad ganhava em todos os segmentos sociais. Em especial na faixa de jovens de 18 a 24 anos, onde tinha amplo apoio. Apenas na chamada “classe média”, pequena fatia do eleitorado, ele vencia Moussavi por margem pouco acima dos 50%.


 



Interessante nisso tudo, a contra-informação em curso com mensagens sendo geradas de Londres e dos Estados Unidos, é que os países ocidentais como Alemanha, França e Inglaterra – esta a mais feroz opositora do Irã – falam em “democracia”, sendo elas, com os EUA à frente, as patrocinadoras do golpe de estado que derrubou o governo democrático de Mohammed Mossadegh em 1953, que acabava de nacionalizar o petróleo iraniano, antes explorado por petroleiras inglesas. Instalaram a partir daí e por 26 anos, um regime antidemocrático e corrupto, sanguinário, do xá Reza Pahlevi. Nesse sentido foi positivo no discurso de Obama feito no Cairo, a admissão pelos EUA desse golpe de estado com apoio da CIA (que chegou contratar à época oito mil figurantes para portarem cartazes nas ruas de Teerã, pedindo a derrubada de Mossadegh; muito interessante até o slogan atual onde se diz “Onde esta meu voto?”, como se tudo já estivesse armando desde a noite da sexta, dia 12).


 


 


Interessante ainda que jornalistas respeitados, escritores ocidentais falem abertamente em “fraude” sem que nenhuma prova tenha sido apresentada. Quando muito irregularidades em algumas cidades, mas nada expressivo. Me espata que profissionais do calibre de um Giles Lapouge, francês, do Estadão, Milton Friedmann, do NYT e o escritor Timothy Ash, inglês, usem abertamente o termo “eleições fraudadas”, sem apresentarem prova alguma. Faz parte do plano e da operação “Ajax”.


 


Adoto de Criag, um republicano lúcido, a frase feliz de que Moussavi esta mais para fantoche dos Estados Unidos do que vítima de fraude eleitoral.


 


 


O que esta em jogo?


 



Não se pode fazer nenhuma previsão sobre o que vai acontecer com o Irã neste momento. Sabe-se de uma luta intestina no momento, dentro da hierarquia do clero xiita que comanda o país. A imprensa ocidental chama os mais pró-ocidentais de “moderados” e o atual presidente de “ultraconservador”. Interessante essa classificação que interessa apenas aos donos dos grandes jornais e cadeias de TV. Como pode ser “ultraconservador” um presidente que bate-se firmemente contra o imperialismo norte-americano, criticando seu poder, fala contra o modelo capitalista financeiro e defende a soberania das nações na busca de seu próprio caminho? Segundo meus modestos conceitos de ciência política essas posições seriam de pessoas consideradas progressistas e não conservadoras.


 


Na verdade, esta em curso no Irã uma luta de classes renhida. Claro que os aspectos ideológicos ainda não estão claros. De um lado, o proletariado urbano e as grandes massas camponesas mais pobres da população, que apoia Ahmadinejad. De outro lado, ainda minoria na sociedade e sem forças para tomar o poder, uma burguesia urbana enriquecida com os recursos do petróleo e muito corrupta (Ahmadinejad denunciava a corrupção em parte dos mulás e aiatolás e isso os irritou profundamente). Essa parte da população vê com simpatia uma maior aproximação com os Estados Unidos. É mais ocidentalizada e gostaria de ver mudanças profundas na estrutura do regime iraniano.


 


Esta em jogo a continuidade do programa nuclear iraniano. Para os setores mais avançados, isso é sinônimo de progresso e soberania do país, até pela futura capacidade de poder soberanamente decidir ter ou não artefatos nucleares, tal qual Israel tem também. Mas, para outros setores, isso é sinônimo de enriquecimento pessoal. Tal programa foi, no curso da campanha, uma espécie de unanimidade.


 


A posição do presidente Obama tem sido prudente no sentido de não interferir diretamente, como o governo americano já fez anteriormente. Suas últimas declarações, no entanto, já entram no mérito de colocar em dúvida a legitimidade das eleições e condenar as atitudes do governo na repressão aos protestos insuflados pelas suas próprias agências de inteligência. Hoje, vários jornalistas e agentes ocidentais encontram-se presos no Irã e já admitiram ligações com órgãos e potências estrangeiras.


 



Como dissemos, os resultados são imprevisíveis. Tudo pode acontecer. O poder pode ser consolidado, reafirmando-se a vitória de Ahmadinejad e de seu grupo político, como podemos vir a presenciar ainda mais o crescimento das manifestações da oposição, que possam desembocar em mudanças profundas na estrutura de poder. Esperemos, de qualquer forma, que o Irã siga sendo um país soberano, dono de seus destinos e que continue reforçando o campo anti-imperialista e que siga com críticas profundas ao modelo de capitalismo financeiro no mundo atual.


 


(1) Para que eu pudesse escrever esta coluna, diversas matérias foram consultadas, sejam eles artigos republicados pelo nosso portal Vermelho como os de Paul Craig Roberts (18/6 e 21/6), Thierry Meyssan (22/6), Timothy Garton Ash (Estadão 21/6) e um no The Washington Post (http://www.washingtonpost.com/ site requer senha para ter acesso) de Ken Ballen e por fim, um outro de Eva Golinger recebido por e-mail, bem como outro de Osvaldo Coggiola.

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