“A Visitante Francesa”: Rascunhos

A escrita do roteiro de cinema e os esboços de três histórias mostram as oscilações da cineasta aprendiz neste filme do sul-coreano Hong Sang-soo

“A Visitante Francesa” é um filme agradável. O cineasta sul-coreano Hong Sang-soo (“Hahaha”, 2010) trabalha em pequena escala. Mostra os esboços, os chamados tratamentos, do roteiro cinematográfico, com suas superficialidades na construção dos personagens, das histórias, da localização dos cenários e dos objetos de cena. Nada ali é definitivo; alguns personagens entram e saem da narrativa, os objetos de cena vazam para outras situações, sequências se repetem. O próprio elemento de ligação entre eles, a estudante de cinema Woo-Joo (Jung Yoo-mi), que tenta escrever o roteiro, se transforma em personagem, como se o real e o imaginário se fundissem.

É tão repetitivo quanto à escritura inicial do roteiro cinematográfico. Há drama, comédia, esteticismo, minimalismo, budismo. O roteiro de Hong Sang-soo passa influências da Nouvelle Vague e do cinema japonês, com câmera oscilante, planos sequência, cortes rápidos, elipses, ligação entre as histórias feita pelas seguidas saídas de Woo-Joo com a visitante francesa Anne (Isabelle Huppert). O mesmo corre com objetos de cena, a garrafa de Soju, a forte bebida alcoólica sul-coreana, a sombrinha, a barraca de praia, o celular, a sandália. Eles dizem muito sobre os personagens e a própria Woo-Joo.

Refletem seu universo, o clima no balneário do interior sul-coreano em dia nublado e o movimento no Hotel West Blu, onde ela trabalha. É o mundo da arte, dos cineastas, da visitante francesa Anne, das relações amorosas, familiares, típicas da classe média. Há o senso de posse, o ciúme, a tentativa de recuperar-se da traição conjugal. Temas comuns a qualquer época e classe. Mas Woo-Joo põe em seus esboços inquietações na figura do Salva-Vidas (Yoo Jun-Song), com seu bom-humor, e do Monge com sua aparente serenidade.

Monge e Anne se redescobrem

O Salva-Vidas é o elemento de ligação entre personagens e histórias. É tido como incômodo por Jong-Soo, “típico homem coreano”, por estar sempre se insinuando entre as mulheres. Mas ele é simpático, capaz de delicadezas, desapego às coisas, cativante ao entoar uma canção para Anne. Inquietação maior causa o Monge em sua conversa com Anne. Ela, abandonada pelo marido, o desafia a dizer a verdade. O que daí sai é um embate entre dois seres que se contradizem. E acabam virando-se pelo avesso. Anne faz descobertas de si mesma e nem por isto se recupera do choque da traição, da perda, do abandono.

Por se tratar de “obra em construção”, o filme estruturado na forma de três histórias, sempre tendo Anne em diferentes situações, acaba sendo uma tentativa de Woo-Joo encontrar o centro da história que pretende contar. Os personagens, os objetos de cena, os cenários que entram em todas elas terminam por atestar suas opções. No final pode ser que descarte as duas primeiras e use parte de suas situações e personagens na terceira. Esta é melhor construída, onde personagens, situações, objetos de cena e cenários se encaixam. Mas também pode ser que ela prefira burilar as outras duas e estruture o filme com as três histórias.

O espectador pode, a seu modo, reelaborá-las cortando o que não faça sentido. Hong Sang-soo, desta forma, mostra os limites da linguagem cinematográfica atual, pois se tornou difícil escapar às cópias, às repetições, às influências. Os cineastas saídos das universidades já se postam detrás das câmeras cheios de concepções e optam por uma ou outra estética, na maioria das vezes sem conteúdo algum. É raro uma novidade. Inexiste o realismo e a crueldade de “Assim Estava Escrito” (1952), onde o diretor ítalo-estadunidense Vincent Minelli retira o esteticismo e o exercício fútil, mostrando o produtor carrasco exaurindo a criatividade do roteirista. São outros tempos.

Novas mídias criam um novo cinema

Hong,Sang-soo, com seu exercício estético, confirma o quanto vazio tornou-se o cinema atual. Não apenas pelo predomínio do cinema hollywoodiano, mas por estar o cinema e as demais artes num instante de transição devido às novas mídias (internet, celular, câmeras digitais, máquinas fotográficas/câmeras digitais). O cinema atual pode ser alternativo, com produção e exibição fora do circuito tradicional e ganhar feiras livres (sua origem), escolas, sindicatos, comunidades e mesmo as salas tradicionais se furar o bloqueio do monopólio de distribuição e exibição de Hollywood.

Assim, cada um pode fazer seu filme e levá-lo a público específico. Uma nova estética e novo conteúdo pode sair daí. As superproduções, os repetitivos policiais, as comédias apelativas, as fantasias recicladas e os falsos filmes de arte, esgotaram seu arsenal estético e conteúdistico. Embora Hollywood continue vendendo milhões de ingressos, pipoca e Coca-Cola e obtendo grandes rendas, as séries de TV confirmam a crise deste tipo de filme. O bom cinema, uma raridade, continua a travar hercúlea luta pela sobrevivência. Hong Sang-soo, com seu pequeno filme faz parte dele. Seus esboços dizem mais que muitos filmes completos e bem produzidos.

(“A Visitante Francesa”). (“Da reun na Ra-e-suh”).
Drama. Coréia do Sul. 2012.
89 minutos.
Fotografia: Park Hongyeol/ Jee Yuneje-ong.
Música: Jeong Yangjin.
Roteiro/direção: Hong Sang-soo.
Elenco: Isabelle Huppert, Yoo Jun-sang, Jung Yoo-mi.

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