Abolição: a farsa centenária (1)

Os termos “serviço de preto”, “a coisa tá preta”, “preto de alma branca”, “é negra mas é bonita”, lembram “e honesto, pena que é comunista”

Missa campal, no Rio, em ação de graças pela Abolição da escravatura, 17/05/1888. Foto: Antonio Luiz Ferreira

Com este artigo iniciamos uma série de textos em que pretendemos homenagear o dia 20 de novembro, a data máxima da negritude: a morte de Zumbi, o Herói de Palmares. Esse texto iniciou um debate em torno das comemorações dos 100 anos da “Abolição” – entre aspas, sim! – que começou em 13 de maio e terminou, com fecho de ouro, no dia 20 de novembro, a verdadeira data que lembra a epopeia do Quilombo de Palmares, com a morte gloriosa do grande vulto negro da nossa história: Zumbi. O colunista social Cláudio Manoel da Costa, do Jornal O Estado do Paraná de 17.04.1988, nos fez antecipar e esquentar o debate.

Negrices: assim Cláudio intitulou uma chamada preconceituosa e racista, e não me admira nada que ele o seja, não só porque é fruto de uma sociedade escravagista extremada – a sociedade curitibana, mas porque, como integrante das camadas exploradoras da sociedade, pratica o elitismo que fatalmente exclui o negro, juntamente com os demais trabalhadores, desde a época da escravidão.

Dizer que “só porque estamos em 1988, muda-se uma lenda (sic)”, ao se referir à cartilha racista da Secretaria de Cultura de Minas Gerais, já é uma afirmação tendenciosa de conotação racista. A lenda, na forma como está concebida e contada, é racista, sim! Racista porque tenta passar a ideia à sociedade e, principalmente, à juventude de que ser negro é coisa do diabo, portanto ruim. São esses estereótipos, impressos na memória das pessoas, desde o berço, que levam toda a sociedade à prática hedionda do racismo ou do preconceito racial contra os índios, os negros e os judeus. Foi a oportunidade do momento (1988: 100 Anos de “Abolição”) que nos permitiu alçar voos reflexivos mais ousados, bem como a forte mobilização dos movimentos negros, estimulando as denúncias, as revoltas, o debate e a destruição de lendas mentirosas, mitos estereotipados, frases e comportamentos racistas. Temos ouvido comentários jocosos de pessoas ditas esclarecidas, inclusive de professores de estabelecimentos públicos, do tipo “agora temos que ter cuidado em falar nos pretos porque estamos no ano da comemoração dos 100 anos de abolição”. Essa atitude já demonstra o grau de preconceito que domina um setor que deveria “fazer a cabeça” da juventude: os professores. Se é pela educação que se preconiza mudar todo um comportamento da sociedade, imaginem que mudanças teremos em relação ao negro quando professores pensam assim! Justamente é pela educação que nós queremos quebrar os grilhões do preconceito racial. Mas infelizmente temos um grande número de mestres que, se não são racistas, pelo menos são preconceituosos em relação à convivência com os negros. É duro, mas é a realidade.

Os termos “serviço de preto”, “a coisa tá preta”, “preto de alma branca”, “é negra mas é bonita” – que me fazem lembrar a expressão “é um cidadão muito bom e honesto, pena que é comunista” – são “expressões comuns na linguagem do cotidiano”, como afirmou Cláudio em sua coluna, mas que inferem uma clara e maldosa conotação racista e preconceituosa em relação à comunidade negra, da mesma forma que politicamente se faz aos comunistas. Não chegaremos às raias do absurdo de dizer que é crime inafiançável dizer que “a coisa está preta”, ou trajar roupa preta por causa do luto, mas daí a concordarmos com expressões tais como “a cor preta nunca foi de bom augúrio” é outra conversa. Por outro lado, tarja preta, luto, etc., não são hábitos consagrados e utilizados em todo o mundo. Por exemplo, a comunidade nipônica e outros povos fazem festa nas ocasiões de morte dos seus membros. Os costumes do luto preto (por que não luto branco, verde, azul, etc.?), estão arraigados na dita civilização ocidental cristã, a mesma civilização que traficou, escravizou e matou os índios e os negros.

Somente os aculturados e os autoritários é que pensam (e querem impor) que seus hábitos e costumes devam ser os hábitos e costumes de todos os povos. Gostaria de alertar aos racistas e preconceituosos que não confundam negrice com burrice e que procurem se aprofundar na importância das comunidades indígenas, judias, negras e outras no desenvolvimento da nossa nacionalidade.

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