Annapolis: Fracasso anunciado

Na semana passada, comentamos sobre as eleições para presidente do Líbano. Como já ocorreu várias vezes, escrevemos antes do fato ter ocorrido. Naquele caso, o Líbano poderia ter dois presidentes ou ficar sem nenhum, como anunciamos há dois meses. Ficou s

Porquê do fracasso?


 


Teve início nesta terça-feira, dia 27 de novembro de 2007, uma reunião convocada de forma unilateral, sem a participação da ONU, pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, para tratar da “paz entre os palestinos e os israelenses”. A grande imprensa tem divulgado que é “desejo do presidente americano antes de acabar seu mandato em janeiro de 2009 criar um estado palestino”.


 


 


Ao todo, 49 países foram convidados a participar e lá se fizeram presentes. O Brasil foi o único da América Latina, que se fará representar, no caso, pelo chanceler Celso Amorim, designado pelo presidente Lula. Para o Brasil esse convite foi importante, pois nos coloca como um dos atores e protagonistas no cenário internacional. A coordenação em maio de 2005 em Brasília da cúpula países árabes e América do Sul pelo nosso país foi muito importante e fortaleceu o Brasil e suas relações com os países árabes. Os próprios palestinos pediram que o Brasil fosse convidado e nisso, pelo menos, foram vitoriosos. O convite do país foi em função do grupo criado pela inspiração do nosso país, chamado IBAS, que reúne, desde 2003, a Índia, o Brasil e a África do Sul.


 


 


Os principais atores nesse cenário de reunião unilateral, são, além do próprio presidente americano, o primeiro Ministro de Israel, Ehud Olmert e o presidente palestino, Mahmoud Abbas. Ambos, diga-se de passagem, completamente enfraquecidos. O de Israel, pela derrota sofrida desde a guerra contra o Líbano em julho e agosto de 2006. E Abbas, fraco pela profunda e incompreensível divisão entre os palestinos, através de seus grupos Hamas, que controla a Faixa de Gaza e o Fatah, que controla a maior parte da Cisjordânia.


 


 


Interessante registrar a presença da Arábia Saudita, que mandou Saud Al Faiçal, que é o chancelar desse país e é da família real. A Arábia Saudita é um dos principais, se não o principal, aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio, base inclusive de parte de suas tropas para as agressões ao Iraque em 1991. A Síria, de última hora, decidiu enviar o chanceler adjunto, Fayssal Mekdad, com a garantia de que a questão da desocupação das Colinas de Golã seriam debatidas e estavam na agenda.


 


 


Existem dois cenários possíveis com relação aos resultados finais do encontro. Um deles, trabalham com a hipótese de um rotundo fracasso diplomático e político, a tal ponto que nem sequer um documento conjunto seria emitido. Os EUA farão tudo para que essa hipótese não se concretize. O outro cenário é mesmo um comunicado conjunto, uma declaração unificada, que contemplasse alguns pontos e propostas, ainda que vagas e de feições moderadas em seu conteúdo.


 


 


Coloquem as barbas de molho os que acham que de tal reunião poderá sair alguma coisa mais substancial, como um calendário e compromissos fortes por parte de Israel, no sentido de ceder terras em troca da paz com os palestinos.


 


 


O grande debate é exatamente a criação do Estado da Palestina, com fronteiras claras de delimitadas, com autonomia e garantia de soberania em suas fronteiras. E tais fronteiras devem ser as de pelo menos anterior à Guerra dos Seis Dias em junho de 1967, há 40 anos. Mas, Israel mantém-se intransponível em retirar suas tropas e desmontar suas colônias e assentamentos judaicos na Cisjordânia. Mesmo que o gabinete de Olmert quisesse isso não se efetivaria, pelo fato que a sociedade israelense ficaria completamente dividida.


 


 


Na verdade, tanto o imperialismo norte-americano como o próprio governo de Israel tudo fizeram para deslegitimar a antiga liderança de Yasser Arafat, e seu grupo Fatah, que acabaram estimulando indiretamente a existência e o fortalecimento do grupo mais radicalizado, o Hamas, islâmico, que não reconhece Israel. E o pior de tudo: não negociam com esse agrupamento, que venceu as eleições de janeiro do ano passado e formou um governo com o qual a comunidade internacional não dialogava. Não só não dialogava, como não reconhecia e até boicotava, cortando a ajuda humanitária internacional. Um absurdo, até porque mostra que essas lideranças ocidentais, americanas, inglesas e européias em geral, têm uma concepção completamente distorcida de democracia, pois só negociam quando saem vencedores as pessoas com as quais tem afinidades.


 


 


Para os palestinos existem três linhas vermelhas que não podem ser cruzadas em hipótese alguma sob pena de seus líderes serem vistos como traidores de seu povo: o retorno dos refugiados (Resolução 194 da ONU), a criação do Estado Palestino soberano e independente com as fronteiras de 1967 e existência de Jerusalém como Capital desse novo estado. Foi até por isso que a cúpula de Camp David em 2002 nos Estados Unidos, com a presença de Arafat, acabou em fracasso pelo fato que se exigia que os palestinos cruzassem essas três linhas demarcatórias no campo político.


 


 


Perspectivas da reunião


 


 


Aqui os desafios são o de escrever sem conhecer o término da reunião. Mas, algumas coisas estão claras para mim. A conferência tem pouca legitimidade, pois não ocorre sob os auspícios da ONU, que deveria ser hoje o grande ator, o mediador, o organizador de um evento dessa natureza. Desde que os Estados Unidos invadiram o Iraque em 19 de março de 2003 sem a autorização da ONU, estes disseram ao mundo que desprezam a instituição e a enfraqueceram de forma proposital.


 


 


Um segundo aspecto é a questão do Irã. Este país, ainda que não seja árabe, tem importância estratégica na região, seja pelo seu tamanho, seja pela sua localização no Golfo Pérsico-arábico, seja pela sua população majoritariamente xiita, seja pelas suas ligações com grupos de libertação política que estão em luta na região, como o Hezbolláh no Líbano e o Hamas na Palestina. O Irã não foi convidado. Um erro estratégico.


 


Bush corre contra o relógio. Passou quase sete anos de seus dois governos e só “cuidou” do Iraque, Afeganistão, Paquistão etc. Nada da Palestina. Talvez agora seja tarde de mais e terá pela frente, em qualquer acordo que queria fazer, dois líderes muito enfraquecidos em volta de uma mesa de negociações. Não vejo nenhuma possibilidade de acordos de paz sair dessa reunião.


 


Por detrás de um evento como esse sempre tem segundas intenções. Se muitos não acreditam na paz, porque estão participando desse jogo? Exemplo típico dessa posição é do vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, que não crê em paz alguma e é francamente pró-Israel. Mas, ele decidiu estar presente na reunião. Fala-se nos bastidores que a partir dessa reunião, poder-se-ia formar uma espécie de frente árabe moderada, com Abbas, Arábia Saudita (eles são sunitas dentro do Islã) e outros países. Tudo isso para se voltar contra a Síria e o Irã. Se essa for a estratégia, será derrotada, pois esses dois países mencionados, são os que mais apóiam a causa palestina e com eles se deve conversar e negociar.


 


O mais irônico nisso tudo é que essa reunião ocorre às vésperas de ser completado os 60 anos da partilha da Palestina, votada pela ONU em 29 de novembro de 1947, quando a sessão era presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha (que é muito cultuado e saudado por toda a comunidade judaica). Tristeza para uns (palestinos), essa data é festejada em toda a comunidade judaica em todo o muno. Fala-se agora na exigência por parte dos palestinos de que o estado de Israel tenha reconhecido o seu caráter exclusivamente judaico.


 


Fala-se em pequenas concessões aos palestinos. Libertar 400 prisioneiros de guerra (eles tem 12 mil presos). Fala-se em desmontar alguns assentamentos (eles são 230 com 250 mil judeus). Não mencionam nem sequer dividir Jerusalém em duas partes, com cada um dos dois estados como tendo sua capital numa das partes dessa cidade que é sagrada para bilhões de pessoas. Não aceitarão o direito ao retorno, ainda que aos judeus de todo o mundo essa Lei esta assegurada desde 14 de maio de 1948. qualquer judeu, nascido de mãe judia, em qualquer parte do planeta, que queira mudar, imigrar para Israel, ao desembarcar em solo israelense (tomado dos palestinos, claro), terá assegurado imediatamente a sua cidadania israelense e poderá votar e ser votado, terá sua identidade judaica com todos os direitos e poderá ter a sua casa financiado pelo Estado de Israel. Enquanto isso, 1,3 milhão de palestinos que vivem em Israel, são cidadãos de segunda classe, sem direitos e com muitos deveres.


 


Concluo esta coluna semanal, com a publicação de uma bela poesia palestina de um dos mais combativos poetas da resistência palestina, que é Samih El Cassim. Seguimos firmes e completamente solidários com esse sofrido povo palestino, que serão vitoriosos morais da reunião de Annapolis e vencerão historicamente.


 


Gritarei


 


Enquanto me restem algumas polegadas de terra
enquanto me reste uma oliveira
uma laranjeira
um poço… um bosquezinho de cactus
enquanto me restem lembranças
uma pequena biblioteca
a foto de um antepassado… um muro
enquanto restem em meu país palavras árabes
e cantos populares,
enquanto restem manuscritos de poemas
e os contos de Antar Al´Absi
as guerras do apelo nas comarcas de Roma e da Pérsia
enquanto me restem olhos
livros
mãos
enquanto me reste… alento
gritarei de frente ao inimigo
gritarei, declaração de guerra
em nome de homens livres
operários, estudantes, poetas
gritarei… e que os parasitas
e os inimigos do sol
se fartarem do pão da vergonha
enquanto me reste alento
e alento me restará
minha palavra será o pão e a alma
entre as mãos dos guerrilheiros


Samih Al Qassim – poeta palestino

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