As contradições do governo sobre o corona vírus

Desde o início do mandato de Bolsonaro, o Palácio do Planalto tem fabricado suas próprias crises, lidando com questões internas com uma habilidade excepcional. Tornando questões de articulação política em verdadeiros pandemônios. Dentro e fora da base aliada, um preço alto a se pagar quando a agenda econômica caminha no ritmo ditado pelo Legislativo.

Na prática, já temos elementos suficientes para avaliar qual o mecanismo de funcionamento do governo para driblar (ou incendiar) obstáculos ao longo do percurso. E a nova crise do corona vírus (Covid-19) chega para explicitar as contradições absurdas dentro da própria gestão.

O governo quer enxugar a máquina pública, quer reduzir gastos em todas as pastas. Há um direcionamento ultraliberal de repensar o papel do Estado. E então o corona vírus se espalha geometricamente e quem se encontra na linha de frente? De onde partem as medidas para se evitar uma catástrofe? Do mesmo Estado? Não parece haver, no meu entendimento, outra saída que ignore o fortalecimento das instituições públicas, quais sejam: a universidade pública e a busca por mapeamento do código genético, a rede de saúde pública dos estados brasileiros, que já começam a pensar estratégias em conjunto.

Mas não somente isso, com a demanda de voos domésticos caindo 30% por conta do novo vírus, o governo deve anunciar na próxima segunda dia 16 de março medidas para conter o impacto negativo no caixa das empresas aéreas. Os voos internacionais diminuíram 50% e o dólar em alta prejudica o funcionamento e quem socorre a iniciativa privada nessas horas? O velho amigo de sempre. 

Sem falar no SUS, que tem sofrido duros reveses ao longo dos últimos meses, tanto por parte da burocracia ministerial como por parte de um eleitorado conservador que não enxerga qual a dimensão do sistema de proteção, principalmente aos mais vulneráveis. O corona vírus se espalhou inicialmente através de pessoas que vieram (de avião) de países com pessoas infectadas. Garantir que os mais pobres tenham acesso ao tratamento gratuito é um avanço brasileiro. Se pararmos para pensar que em país sem sistemas públicos e universais, como os Estados Unidos por exemplo, o simples teste de verificação para comprovação ou não do vírus no indivíduo é cobrado. 

Do lado daqui o presidente da câmara Rodrigo Maia precisa confrontar o ministro da economia por uma resposta rápida do governo. A resposta é simplória: precisamos de reformas. Segundo Guedes, as reformas aniquilarão o corona vírus do país.

É neste ponto específico que queria a atenção do leitor. Em que planeta de galáxia conhecida seria possível conciliar investir no SUS se o desejo é diminui-lo de tamanho? Como garantir a retaguarda e a prevenção, leitos necessários para segurar uma pandemia como essa se as declarações iniciais do presidente classificaram a ameaça como “fantasiosa”? 

O ministério da Saúde fala uma língua diferente do restante do governo? São ponderações como estas que evidenciam a falta de consonância na administração federal e que produzem incertezas na população brasileira. A trajetória da negação completa da doença no país para uma aparição do presidente de máscara em menos de dois dias, para uma suspeita de que ele próprio tenha o vírus (uma vez que pessoas da sua comitiva internacional já testaram positivo) cercam o país de uma pandemia tão grave quanto: a força bruta de desmonte da burocracia nacional.

Ainda que pesem todos os estigmas que a palavra “burocracia” tenha no vocabulário cotidiano, apenas ela vai produzir fôlego para enfrentar este ou qualquer outro desafio de grandes proporções. Resolve-se as coisas com mais racionalidade burocrática. Nesse momento eu acendo uma vela para o pragmatismo weberiano, que ele não nos deixe desamparado nessa tormenta anticientífica, repleta de indivíduos tossindo e viralizando conspirações a todo vapor.

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