As entrelinhas da História

Os países mais pobres da velha Europa ficaram com a crise da União Européia. Afinal, sempre foi assim, mesmo antes de ter sido inventada a CEE – Comunidade dos Estados Europeus – que deu uma caiação na visível diferença econômica e social das regiões européias para criar a imagem de “unidade” que não passa de uma capa de luxo (ou plástico).

Quem não se lembra dos alertas levantados pelos Partidos Comunistas da Europa que viam nesse “faz de conta que todos são iguais” uma falsa imagem que um dia seria paga pelos mais pobres? Mas, os eternos defensores do “capitalismo democrático” insistiram no uso do uniforme de classe média rica para todos, da Grécia à Alemanha, para poderem instituir uma moeda única que concorresse com o dólar. A Inglaterra reagiu, pois a libra sempre foi mais forte que o dólar, alegando falsamente razões culturais e nacionalistas. Em geral os ricos não falam em dinheiro – considerado “tema grosseiro de pobre” -, ficam sempre na superfície das imagens enrolando teorias.

Por causa da imagem da laranja adotada pela CEE – a grande laranja de Israel – Portugal desprezou, e enterrou (!) 80 toneladas da deliciosa laranjinha do Algarve e Alentejo considerada “fora dos parâmetros da CEE”. Também eliminou plantações de uvas de pequenos produtores de vinhos tradicionais que não podiam concorrer com as grandes marcas que se impuseram no mercado. Toda a maravilha criada por artesãos portugueses – queijos, vinhos, doces caseiros, etc. – foram eliminados para não manchar a imagem de grandeza e modernidade industrial exigida pela CEE. Até a sardinha assada na brasa feita nas calçadas de Peniche, tiveram de ir para dentro de cozinhas longe dos olhares públicos. E tudo ficou mais caro em euros.

Os comunistas em toda a Europa protestavam, por conhecerem a história dos países de baixo para cima, a partir dos pequenos produtores e das populações pobres que criaram aquelas nações deduzindo que seriam eles a pagar quando a crise chegasse. Foram criticados pelos setores mais ricos e modernos que prometiam dividir as suas riquezas entre todos para elevar a “comunidade”. Convenceram a classe média ascendente, que só olha para cima e macaqueia os ricos pensando que assim poderá chegar à elite, e criaram uma moeda única – o euro – mandando às favas a “comunidade” (que lembra cultura e vida de pobre), passando a só falar em “união” (que dá impressão de “adesão entre iguais”).

Nesta ficção, as nações mais pobres enfeitaram-se como cinderelas, acreditando que eram iguais à Alemanha e à França, os países de economia forte há séculos. Nem tudo foi mau nesse esforço pela aparência, pois os ricos tiveram de investir em infra-estrutura (estradas viáveis, transportes rápidos), tecnologia computadorizada, eficiência na burocracia do Estado, e outros detalhes sem os quais nada funciona nas instituições oficiais prejudicando o chamado Mercado Livre onde circula a moeda. Tais reformas, dialeticamente, provocaram desenvolvimentos sociais no âmbito da saúde, do ensino, da formação profissional, pois os pobres precisam sobreviver e dispor de algum recurso para manter o mercado em funcionamento.

Essa história é bem conhecida no mundo inteiro onde o capitalismo impera, mas sempre vai sendo disfarçada com os atos de generosidade da elite que não deixa de ser minoria em todo o planeta e preza o lucro pessoal acima de qualquer princípio social.

Para resumir, as elites esbanjaram o muito que tinham, roubaram os Estados, corromperam os “espertos ascendentes”, e declararam a “crise do sistema”. Claro, quem podia pagar eram os Estados à custa do sacrifício dos trabalhadores lá de baixo. Os bancos e as multinacionais foram socorridos, continuaram com os seus lucros astronômicos, o desemprego aumentou e a vida ficou mais cara.

A dialética não perdoa, sempre existem algumas novidades boas que nascem nas entrelinhas das más. Agora até a direita usa o raciocínio que há duzentos anos a esquerda desenvolve. A grande diferença é que para a esquerda o objetivo é a melhoria das condições de vida e trabalho para todos, e o da direita é o lucro para a elite que escraviza gentilmente os que trabalham para o mercado livre.

Assisti ao debate organizado pela TV Globo entre Hillary Clinton e estudantes e professores da Universidade Zumbi dos Palmares. Perguntas inteligentes com respostas engatilhadas no mesmo nível. Fiquei surpreendida ao ouvir a ex-senadora e ex-primeira dama dos Estados Unidos criticando a “elite” que “visa lucros” e dificulta a democratização da saúde no seu país. Quem te vê e quem te viu! Mas, claro, a linguagem governamental mudou com Obama, e a advogada Hillary é hoje Secretária daquele Estado que se quer “democrático” em todos os sentidos, não só racial. Joga a culpa para a pressão de empresários egoístas que, ao que parece, continuam comandando a política do Governo eleito.

Não se pode esquecer que com os êxitos da União Européia o euro passou a valer muito mais que o dólar. As grandes vedetes internacionais só aceitam cachês em euro! Então é preciso a nação do dólar parecer mais modesta, ainda mais com a sua dívida externa de algumas dezenas de trilhões de dólares – dívida essa em grande parte nas mãos dos chineses e dos japoneses. Muita coisa ainda vai mudar.

Enfim, a História é um bocado complicada porque envolve de tudo um pouco. Não é preciso ser gênio para entendê-la, basta ter paciência para montar todas as peças do puzzle, as econômicas, as sociais, as políticas. E, um detalhe, aprender a ver nas entrelinhas o que a mídia informa.

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