As primárias do Kadima e a vitória de Tzipi Livni

No momento em que nossos leitores estiverem lendo esta coluna semanal, o maior Partido de Israel, o Kadima (Avançar em hebraico), já deve ter um novo líder. Na verdade, uma nova líder. Trata-se de Tzipi Livni, atual Chanceler (ministra das Relações Exteri

As origens do Kadima


 


 


Israel, tal qual os Estados Unidos, sempre foi um país com uma espécie de bi-partidarismo. Os dois maiores partidos se revezam no poder desde a criação do Estado, com a sua proclamação por Ben Gurion em 14 de maio de 1948, data essa que os palestinos chamam de El Nabka (A Desgraça). Nessa data efetivou-se a decisão da ONU de 29 de novembro do ano anterior, de dividir a Palestina em dois Estados, um que se chamaria Israel e outro a Palestina propriamente dita.


 


 


Esses dois partidos que sempre dividiram a opinião dos eleitores e governaram alternadamente o país, são o Partido Trabalhista de Israel, PTI, de feições sociais democratas, dito de centro-esquerda. E o outro, de feições de direita, que é o Likud. Esse quadro partidário se alterou quando Ariel Sharon, ex-primeiro Ministro de Israel, percebendo os impasses nas negociações de paz, e a radicalidade de seu próprio Partido, que caminhava para a extrema direita e entendendo que deveria conceder terras para os palestinos – no mínimo a devolução integral da Faixa de Gaza, decidiu impor o maior racha político que o Likud já viveu em sua história.


 


 


Criou um novo Partido. Uma coisa parecida com que os tucanos fizeram em 1988 há 20 anos, rachando o PMDB e criando o PSDB, à época de seu surgimento, como partido de feições social democrata (mas que hoje cumpre papel de direita no país). O Kadima foi fundado por Ariel Sharon, mas conseguiu adesões de peso, como a atual ministra das Relações Exteriores de Israel, a advogada Tzipi Livni, de 50 anos, a ministra mais popular do país e o atual ministro dos Transportes, o general e ex-ministro da Defesa, Shaul Mofaz, entre tantos outros.


 


 


O programa do Kadima, teoricamente, o coloca como um Partido de centro. Dizem estudiosos da vida política de Israel, que ser de esquerda ou de direita nesse país esta relacionado com a quantidade de terras que o partido estiver disposto a conceder aos palestinos. Assim, seria mais à esquerda os que defendessem maiores concessões territoriais e seria de direita os que não estariam dispostos a conceder nenhuma terra ou poucas terras.


 


 


A disputa interna no Kadima hoje é decorrente da decisão do atual primeiro Ministro Ehud Olmert, de não disputar mais a sua liderança. Ao tomar essa decisão, Olmert, acusado por diversas denúncias de corrupção, inclusive formulada por Livni, ele faz uma jogada política que pode evitar a antecipação das eleições parlamentares, que poderiam dar o poder ao direitista Likud, cuja liderança hoje esta nas mãos do ex-primeiro Ministro Benjamin Netanyahu.


 


 


As regras das eleições primárias são simples. Tem direito a votar todos os filiados do Kadima com seus direitos em dia. Calcula-se hoje que seriam em torno de 74 mil filiados (há órgãos da imprensa que chegam a mencionar até 104 mil filiados, mas isso é um grande exagero). É preciso que um dos candidatos concorrentes obtenha pelo menos 40% dos votos válidos. Caso isso não ocorra, um segundo turno, com maioria simples, ocorreria na semana que vem, dia 24 de setembro, quarta-feira.


 


 


Quatro pré-candidatos disputam essas eleições diretas de filiados, ainda que só dois tenham alguma chance. Os candidatos sem chance alguma são eles: Meir Shetreet, que é atual ministro do Interior e Avi Dichter, ministro da Segurança Interna.


 


 


As pesquisas de boca de urna davam ampla vantagem para Livni. Coisa assim de pelo menos 45% das intenções de votos. O outro candidato, forte concorrente, mas que deve perder as eleições, Shaul Mofaz, aparece com 25% ou pouco mais do que isso. Ele contesta essas pesquisas, dizendo que seus números são maiores do que os apresentados pela grande imprensa.


 


 


Há uma diferença de fuso horário entre Tel Aviv e Brasília de seis horas. As eleições primárias estão previstas para acabar às 16h horário de Brasília. No momento em que escrevemos esse texto, as eleições já foram concluídas (agora são 22h30 em Jerusalém e 17h30 em Brasília). Assim, como já ocorreu algumas vezes, escrevemos no “escuro”, sem saber os resultados oficiais que estão sendo apurados. Mas, não temos dúvida: Livni deve vencer.


 


 


Os próximos passos relacionam-se com a formação do novo governo. Juridicamente, o presidente de Israel, que não tem poder quase nenhum, recebe a renúncia de Olmert, que ficará à frente do governo até o resultado da nova liderança do Kadima. Feito isso, Shimon Peres, presidente de Israel e membro do Partido Trabalhista de Israel, faz a indicação, em até 42 dias, de Tzipi Livni. Ela passa a tentar imediatamente a formar um novo governo. No limite, caso não haja acordo, novas eleições seriam convocadas imediatamente, para serem realizadas em janeiro de 2009. Isso favorece a direita israelense, que tem mais intenções de voto.


 


 


Livni, a paz e o novo governo


 


 


O atual governo de coalizão tem maioria no parlamento. É formado por quatro partidos: o Kadima, de centro; o PTI, de centro esquerda, social democrata; o Partido dos Aposentados e o Shas. Esse Partido é ortodoxo, de extrema direita e sua sigla quer dizer, na tradução do hebraico, Vigilantes Sefaraditas do Torá. Como sabemos, os judeus que imigraram para Israel se dividem entre sefaraditas, são originários do próprio Oriente Médio e os ashkenazis, que são egressos da Europa. Os primeiros parecem apoiar mais Mofaz, nascido no Irã. Os outros, com maior renda e maior grau de instrução, devem apoiar Livni.


 


 


Arrisco dizer que Livni deve conseguir formar uma coalizão de centro, tal qual a que governa Israel hoje. Ela tem como reserva, inclusive, o partido mais à esquerda chamado Meretz. No limite, até o Likud de Netanyahu pode ser chamado a formar o novo governo. Para Livni, a contradição entre “esquerda e direita está superada” (sic), afirmação essa com a qual estou em profundo desacordo. Isso está cada vez mais presente em todos os países. No entanto, aqui mesmo no Brasil vemos o governo do presidente Lula ser apoiado por 16 partidos, na sua maioria centristas e mesmo de direita.


 


 


Livni reúne condições de formar o novo governo. Se tornar-se Primeira Ministra ela será a segunda mulher a governar Israel, depois de Golda Meir (Primeira Ministra entre 1969 e 1974, do PTI – Mapai). Ainda que ideologicamente ela possa ser hoje considerada centrista na política israelense, seu berço, e o de seus pais, é profundamente de direita. Livni é filha de um militante do grupo terrorista chamado Irgun, que por sua vez é um racha do direitista Haganah, uma espécie de exército de “libertação” de Israel, que perpetrou diversos massacres e atentados contra aldeias palestinas. Claro, sabemos que o fato de ser filha não quer dizer que ela comungue com os pensamentos de seu pai. Livni seria também, depois de Olmert, o segundo governante israelense sem nenhuma experiência no campo militar, em algum combate. Sinal dos tempos?


 


 


Olmert vem tentando de todas as formas conseguir de última hora um acordo de paz com os palestinos. Para isso, conforme anunciamos, chegou a pensar em devolver até 98% da Cisjordânia, mas nada fala da volta dos refugiados e de Jerusalém como capital do futuro estado da Palestina. Nesta semana mesmo, em uma última cartada, reuniu-se com Mahmoud Abbas, presidente da AP, no entanto, não tem a menor possibilidade de um acordo global e abrangente ser assinado sob a égide do governo Bush, pois nem os palestinos acreditam nisso e nem as condições objetivas estão dadas para que isso ocorra. As propostas na mesa são absolutamente insatisfatórias. Tudo indica que as coisas ficarão para a nova diplomacia dos Estados Unidos. No caso, muitos esperam que seja sob o comando de Barak Hussein Obama. A conferir.

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