Batismo de fogo no Atheneu

Para o menino de apenas onze anos, aquilo tudo era absolutamente inusitado. E empolgante. Naquela manhã de muito calor, estava difícil mesmo acompanhar a chata aula de matemática do professor carrancudo de sotaque gaúcho. O colégio int

 

A massa de estudantes se deslocou inicialmente para a Praça Pedro Velho e depois para o Grande Ponto, “o coração da cidade de Natal”, como se dizia à época. Aos gritos de “Queremos transporte” e “Abaixo as novas tarifas” instalamos a algazarra. A presença da polícia militar acirrou os ânimos. Ônibus da São Domingos foram apedrejados. A polícia reprimiu. Ora nos dispersávamos, ora nos concentrávamos novamente, em movimentos alternados que duraram até o final da tarde, quando o governador do Estado, Dinarte Mariz, recebeu uma comissão de estudantes no Palácio Potengi. Após as negociações, a grande notícia: as tarifas não seriam aumentadas!

 

Em meio à alegria geral, uma sensação nova, quase indescritível – a descoberta do primoroso sabor da luta coletiva. E outra, que igualmente marcaria o menino para o resto da vida: a multidão reunida em torno de um objetivo comum é ótimo refúgio para os tímidos.

 

Só não protege os mentirosos. Pois ao chegar em casa à noitinha, dona Oneide angustiada porque o filho demorara tanto (deveria ter retornado do colégio por volta do meio-dia), o jeito foi uma história mal contada. Por que assim tão queimado do sol, o corpo suado e sujo? Tinha batido uma pelada com os primos na casa da tia Ivete. Porém, no dia seguinte, na primeira página do Diário de Natal, a foto de um garoto magrinho, calça escura e camisa branca, um fumo no ombro esquerdo (sinal de luto pela morte recente do pai), arremessando uma pedra num ônibus punha por terra a falsa versão…

 

Daí em diante lutar tornou-se a própria razão de viver. E a ação coletiva uma estratégia de sobrevivência, não apenas pelas bandeiras alevantadas ao longo da vida, mas como meio de escamotear a timidez insuperável que permanece impregnada na alma e no jeito de ser. 

 

Ficou também o orgulho de ter sido aluno do velho e aguerrido Colégio Estadual do Atheneu Norte-Riograndense. A lembrança do grêmio estudantil Celestino Pimentel. Impressões difusas sobre os líderes daquele movimento. Um deles atendia pelo apelido de Pecado. A tênue consciência imatura, no entanto, não fixou as idéias que defendiam – apenas a noção de que aquela luta não fora em vão, alcançara êxito. Belo batismo de fogo para quem jamais sairia das ruas, até hoje.

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor