Chapéu: Como a elite educa suas crianças

Imagine um grupo de jovens atuante dentro de uma escola, tipo um grêmio! Esses jovens cuidam da rádio escolar e além da rádio desenvolvem outras atividades, eles oferecem aos alunos e aos integrantes mais novos, oficina de DJ, oficina de Locução, rádio, RPG, montagem e desmontagem de equipamento e também desenvolvem atividades na comunidade.

Alunos e ex-alunos se misturam nessa equipe que chamamos de Rádio Filó, há sim… O que eu esqueci de dizer é que essa escola é pública e em como toda escola pública sempre falta dinheiro para manter esse projeto, esses jovens realizam trabalhos de DJ em festas particulares, e é ai que começa a história.

Dia 6 de outubro de 2007 fomos contratados para animar uma festa de casamento as margens da represa de um clube em Guarapiranga, o detalhe é que todos nós moramos na Z/L.

Eu estava muito nervoso porque somente eu tinha carro e carteira de motorista e nunca tinha ido praqueles lados. Eu o meu irmão Felipe e o Jefferson todos da Rádio Filó, estávamos muito ansiosos, pois era a festa mais longe que realizaríamos fora da nossa quebrada, tínhamos que levar tudo no único carro disponível. Imaginem só um Escort XR3 ano 87 com banco traseiro abaixado e dentro 2 caixas, 2 CDJ, mesa de canais, mixer, potência, microfone, toca disco, cabos, extensão, iluminação, mochilas, CD´s e outras coisas. O carro ficou extrumbado, só cabia o motorista e o passageiro, mas tínhamos que ir em três pessoas, e um teve que ir no meio dos bancos, bem ali atrapalhando a troca de marcha, coisa de loco.

Saímos mais cedo já que o anseio do itinerário nos deixava tenso, um pouco antes de sair o Jefferson me contou que o cara que nos contratou era o patrão dele, isso mesmo o patrão dele e que a lua de mel seria no estrangeiro, acho que era pra Europa. Puta que o pariu pensei que íamos fazer um som pra um cara do trampo dele tipo pião, chão de fabrica ou coisa assim, e cobramos só 350 conto, agora já foi né!?

O caminho até que não foi difícil e chegamos fácil ao destino, a entrada do clube já mostrava a diferença das festas que já tínhamos feito, pra entrar um longo corredor e a guarita logo a diante, não tivemos problemas, pois nossos nomes já estavam na lista e lógico com RG, ao entrar um longo estacionamento jardinado, quadra de tênis, futebol, playground e um grande casarão de madeira com acabamento fino, a frente do casarão, a represa com muitas lanchas e barcos.

Deixamos o carro mais próximo possível da entrada pro casarão onde seria a festa, e fomos conhecer o lugar onde nos estalaríamos, no gramado entre o casarão e a represa uns bacanas com suas esposas e filhos, fazendo um pique-nique, ou algo parecido, dentro do casarão, lustres, uma grande cozinha luxuosa, um local para jantar com moveis rústicos, quadros, cristais e essas luxurias de gente fina, nós é claro todos bobos com o luxo do local.

Logo fizemos amizade com algumas garçonetes que serviriam os bacanas, pois é sempre mais fácil se relacionar com a rapa da periferia vai que esquecemos alguma coisa e se precisássemos de algo tínhamos a quem recorrer.

Definido o local onde nos instalaríamos era só descarregar o carro, o meu mano ficou arrumando a mesa eu e o Jefferson estávamos descarregando o equipamento quando chegou uma linda menina loirinha de olhos azuis, aparentando uns seis ou sete anos e nos perguntou com toda inocência.
– Vocês estão roubando esse carro?
Nós perplexos não conseguimos dizer uma palavra, e a menina continuou…
– Eu sei o telefone da policia.

Eu ainda perplexo não consegui dizer nada, não acreditava que estava ouvindo aquilo, mas o Jefferson disse a ela que também sabia o telefone da policia, foi quando a menina continuou:
– Vocês são baianos? Porque minha empregada é baiana.

O Jefferson conseguiu explicar a menina que íamos dar o som e ela saiu. Eu não acreditava que aquilo tinha acontecido, à vontade que me deu foi de pegar tudo e ir embora. Contamos o caso a meu mano e ali mesmo fizemos uma reunião e decidimos que íamos fazer o melhor que podíamos, pois corre no sangue dos periféricos o dom de fazer os baguio com amor, pois se a menina pensou aquilo imagina o que pensaria seus pais se nos visse mexendo no carro?

Depois de tudo arrumado ficamos rolando um som ambiente enquanto os convidados chegavam, até que veio o dono do Buffet e disse pra desligar o som que os noivos chegaram e iam jantar.

Logo depois ouvíamos um som vindo do cômodo onde eles jantavam era um cara tocando violino do lado dos noivos como naqueles restaurantes finos dos filmes antigos dos cinemas. Nossa que brega! Você jantar com um cara do seu lado fazendo barulho, bom cada um cada um, né!

Após o Jantar a música comeu solta, nós tocamos um som misto, anos 60, black, alguns clássicos nacionais como Roupa nova, Kid Abelha, Raul Seixas, Kid Vinil, enfim musica boa, tocamos também jovem guarda, e alguns eletrônicos. Eu dei uma saidinha, fui buscar um outro mano que foi de buzão e estava ali perto, aproveitamos e passamos no Habib’s e compramos umas esfihas.

Na festa os bacanas tavam curtindo de montão, parecia uma balada todo mundo livre, leve e solto. Enquanto isso uma daquelas garçonetes passou e nos falou que o dono do buffet disse que não era pra servir os DJ´s, mas que ela daria um jeitinho pra nos servir e deixou uns petiscos estranhos e pediu que comecemos aquilo escondido. Isso que é periferia, estamos unidos até mesmo sem nos conhecer, mas na verdade o que salvou foi as esfihas que compramos.

No final das contas a festa foi excelente e quando terminou o noivo veio nos pagar e elogiar nosso trabalho e disse que fez um cheque com um digito a mais porque nós merecíamos.

Fizemos bem em ficar e fazer o som, apesar que em nenhum momento eu esqueci o que aquela menina havia dito, fui pra casa pensando sobre aquilo…

Não vou discutir o que foi aquele momento por que nem precisa, mas até hoje aquela ação não me saiu da cabeça, ai eu pergunto como a elite educa suas crianças?

Chápeu, Uilian morador da zona leste é criador e coordenador da Rádio comunitária Filó.

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