Copa do Mundo morna. Será?

Vencendo ou perdendo, o torneio marcou nossas vidas como um instante de congraçamento, solidariedade, alegria ou tristeza. Sinto falta disso tudo nesta Copa atual.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Habituei-me ao longo da vida — já se vão algumas décadas — a ter na Copa do Mundo de futebol dias especiais. Desde a primeira de que tenho lembrança, em 1954.

Foi minha primeira Copa. Eu ainda na primeira infância.

Na esquina da Rua São João com a Alberto Silva, bairro da Lagoa Seca, em Natal, onde ficava a ‘Mercearia Natalense’ de seu Renato e dona Oneide, meus pais, um autofalante fixado no poste transmitia os jogos da seleção.

Televisão àquela época, nem pensar. Mesmo a transmissão radiofônica, em ondas curtas, tinha lá seus defeitos. A voz do locutor por alguns instantes parecia desaparecer para retornar ao tom normal.

Antes do primeiro jogo, repetiu-se à exaustão, na voz de Jackson do Pandeiro,

“Esse jogo não é um a um
(se o meu time perder tem/zum-zum-zum)…”

O fato é que ganhamos do México por 5 a 0.

Mas o Brasil ficaria no meio do caminho. A seleção da Hungria encantaria o mundo até perder na final para a Alemanha, a campeã.

Na Copa de 58, 4 anos após, fomos campeões pela primeira vez. E o restante da história das Copas todos sabemos.

Leia também: Fifa escala trio de árbitras pela 1º vez na história da Copa masculina

Pois bem, em toda a Copa — mesmo quando a seleção brasileira não despertou tanta confiança — o clima de festa tomava conta da cidade. Nas ruas ornamentadas, nos bares, nas praças e em nossas residências com torcida organizada reunindo familiares e amigos mais próximos.

Vencendo ou perdendo, o torneio marcou nossas vidas como um instante de congraçamento, solidariedade, alegria ou tristeza.

Sinto falta disso tudo nesta Copa atual. Até nas imagens de torcedores nas ruas pelas principais cidades do Brasil, percebe-se a tomada de cena em geral com a câmera fechada, justamente para não revelar o público relativamente reduzido.

O sistema Globo de comunicação, que monopoliza a cobertura do evento, usa de todos os estratagemas para criar “o clima”. Sem muito sucesso.

Talvez seja o peso do ambiente geral na sociedade brasileira, tensionada pela disputa política e pela carga negativa desferida durante quatro anos seguidos, através dos bolsonaristas, que cultuam a retórica do ódio e se apropriaram da bandeira e da camisa da seleção brasileira como símbolo dos seus propósitos antidemocráticos.

Maioria dos jogadores da seleção joga no exterior l Fotomontagem CBF

Mas pode ser também o ambiente geral de crise e de “pós pandemia”, que impacta nossas expectativas e nossas emoções.

Há até quem diga que o nosso selecionado, composto em sua quase totalidade por atletas que atuam na Europa, portanto sem a proximidade imediata com o torcedor tupiniquim, terá perdido o charme de antigamente.

Leia também: Copa é oportunidade de paz entre os povos, diz Papa

De toda forma, sexta-feira ultrapassaremos a fase inicial e entraremos, na semana seguinte, nas oitavas de finais, onde vale o mata-mata, quem vencer segue adiante, quem perder volta para casa.

Aí, quem sabe, tenhamos enfim a restauração das emoções próprias da seleção canarinha disputando o hexa. Tomara.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor