CPI da Pandemia e o governo fé demais

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Ilustração: Aroeira

Os dois fatos protagonizados pelo Supremo Tribunal Federal nesta última semana escancararam a total inversão de valores do governo Bolsonaro. O primeiro foi o embate entre em torno da abertura de templos para cultos presenciais e a segunda, a determinação do ministro Barroso para que Rodrigo Pacheco cumpra a Constituição e o Regimento do Senado, instalando a CPI da Pandemia.

Sobre a decisão de Barroso, é fundamental que se esclareça que a decisão do ministro é meramente técnica e jurídica, não tem absolutamente nenhuma conotação política. A ação interposta pelos senadores Jorge Kajuru e Alessandro Vieira, ambos do Cidadania, pediam tão somente que o presidente do Senado cumprisse o que determina a Constituição Federal e o Regimento da casa.

Segundo o parágrafo terceiro do artigo 58 da Constituição, as Comissões Parlamentares de Inquérito serão criadas mediante requerimento de um terço de seus membros e não por decisão do presidente da casa. O Regimento Interno do Senado determina que, uma vez obtidas as assinaturas necessárias para a criação, encaminhado o requerimento e recebido o documento pela mesa, o presidente da casa deverá ordenar que seja numerado e publicado, o que caracteriza a instalação da Comissão.

Portanto, não cabe a Pacheco decidir se abre ou não CPI, ou se é oportuno ou inoportuno. Se for interesse dele a abertura de determinada Comissão, mesmo como presidente do Senado, deverá proceder como qualquer um dos seus pares, ou seja, formular o requerimento e obter o número suficiente de assinaturas. Também não cabe a ele decidir a oportunidade ou ocasião da instalação ou não de uma determinada CPI. Uma vez recebido o requerimento, cumpridas as normas regimentais e com o número necessário de assinaturas, cabe-lhe tão somente numerá-lo e publicá-lo, tornando a Comissão instalada.

Ainda que eu tenha escasso conhecimento jurídico, parece-me evidente que ao resistir à instalação da CPI da Pandemia, que já cumpriu todos os requisitos regimentais, Pacheco está prevaricando. Esperar que Jair Bolsonaro entenda tais dispositivos legais, obviamente é exigir demais, pois mesmo tendo exercido mandato de deputado por 30 anos, muito provavelmente nunca leu a Constituição ou os regimentos das casas parlamentares. Caso tenha lido, muito provavelmente não tenha tido capacidade intelectual para compreendê-los. De Pacheco e Lira, no entanto, não se pode admitir tal desconhecimento ou incapacidade.

A justificativa do presidente do Senado para sua negligência é de que a CPI é inoportuna, pois atrapalharia as ações de combate à pandemia, dividindo em um momento de se buscar união. Convenhamos, sem vacinas, o que está surtindo algum efeito para conter minimamente a disseminação do vírus até o momento,  impedindo que a carnificina seja ainda maior, são as medidas restritivas de circulação adotadas por governadores e prefeitos. E qual tem sido a atitude do genocida, senão boicotar e minar toda e qualquer ação dos demais chefes de executivo?

Agindo de má fé ou por ingenuidade, Pacheco quer fazer acreditar que Bolsonaro recuou e passou a aceitar o diálogo, empenhando-se na busca de vacinas e no abastecimento das redes de saúde quanto a insumos e medicamentos. Concretamente, é fato que a escassez de vacinas no mundo é real, porém o governo federal não se empenhou na busca de outros convênios que possibilitassem a produção de mais vacinas em solo brasileiro, não investiu no desenvolvimento de pesquisas de vacinas nacionais e tampouco empreendeu esforços na aquisição de imunizantes de outros laboratórios. A China e a Índia, de quem dependemos para obtenção dos Insumos Farmacêuticos Ativos para a produção das duas vacinas que nos imunizam hoje, sofrem pressões do mundo e de suas próprias populações por imunização, de forma que, tanto a AstraZeneca como a Coronavac, além de insuficientes para uma rápida vacinação, correm fortes riscos de sofrer sucessivos atrasos na produção. A transferência de tecnologia e produção própria dos IFAs, ainda que previstos nos contratos, não será possível antes do final do ano. Além disso, mesmo que o Ministério da Saúde assegure o abastecimento de medicamentos e insumos, as equipes de saúde chegarão ao esgotamento em decorrência do aumento dos casos.

O cenário atual deixa absolutamente claro que apostar tão somente na vacinação como forma de combater a pandemia é uma canoa tão furada quanto a aposta que o governo fez na tal imunidade de rebanho. Certamente a vacina é a solução definitiva, mas enquanto não se tiver imunizantes suficientes para quebrar a cadeia de transmissão da doença, o único caminho é a restrição de circulação de pessoas. Ultrapassamos a absurda marca de 350 mil mortos e a média móvel diária chega a três mil. Com o número diário de contaminados, que não cede, esta média de óbitos não só tende a crescer como a se manter nestes níveis por pelo menos uns 30 a 40 dias. Sem medidas nacionais de restrição de mobilidade, a previsão de Nicolelis de que até a metade do ano ultrapassaremos as 500 ou 600 mil mortes é inevitável.

Para Bolsonaro e seu núcleo duro, os generais de pijama, pouco importa quantos estão morrendo ou morrerão. O único interesse do genocida, ao que parece, é produzir e distribuir cloroquina e fazer o que puder para solapar as medidas adotadas pelos governadores, em especial, por Dória e pelos governadores do Nordeste. Exemplo deste tipo de ação, além das constantes manifestações contra as medidas restritivas de circulação, foi a tentativa de impedir medidas restritivas a cultos presenciais, impetrada no Supremo por um grupo intitulado “Associação Nacional dos Juristas Evangélicos”. Não foi mera coincidência ser exatamente o ministro indicado por Bolsonaro, Nunes Marques, a conceder a liminar, como também não foi coincidência o Procurador Geral da República, Augusto Aras, também indicado por Bolsonaro e que espera ser o próximo indicado para o Supremo, fazer a defesa da ação dos advogados evangélicos no plenário da Corte.

Menos coincidência ainda foi o fato de o Advogado Geral da União, André Mendonça, utilizando-se de citações bíblicas e não constitucionais, apresentar-se para também fazer coro a Aras e Nunes no Supremo. Não que Nunes, Aras e Mendonça, a serviço de Bolsonaro, acreditassem que poderiam sustentar a posição de proibição de restrição a cultos presenciais. Pouco também tal atitude diz respeito ao fervor religioso dos três ou de Bolsonaro. Como se diz popularmente, fé demais não cheira bem. Por trás de tal ação do governo e de seus paus mandados no Supremo e na PGR, está a intensão de incentivar a desobediência às medidas de combate à Covid adotadas pelos governos estaduais.

Essa pandemia leva três mil pessoas a óbito por dia, aproximadamente 125 por hora. Em síntese, sem medidas restritivas de circulação em caráter nacional que quebrem a cadeia de transmissão do vírus, esse genocídio permanecerá por meses, até que a vacinação lenta surta algum efeito. Bolsonaro dizer que está se empenhando na compra de vacinas e de medicamentos, sem tais ações de restrição, é mera perfumaria. Não há como se pensar em união diante de tais circunstâncias, pois a cada minuto que este genocida se mantém no poder implementando tal negacionismo, 2 brasileiros perdem a vida. Tentar impedir a instalação da CPI não só é ato de prevaricação, como transforma Rodrigo Pacheco em cúmplice deste genocídio.

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