CUT-24 anos: o FNT e o liberalismo sindical

O embrião de um fórum para a discussão tripartite — trabalhadores, empresários e governo — sobre as “reformas” sindical e trabalhista surgiu logo depois de o então prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antônio Palocci Filho, assumir a coordenação do program

A proposta da formação do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), agrupando trabalhadores, empresários e representantes do governo para discutir “reformas” na legislação trabalhista e na estrutura sindical, surgiu na equipe de transição de governo, quando Luiz Inácio Lula da Silva já estava eleito para a Presidência da República. O presidente queria indicar para o Ministério do Trabalho um sindicalista da CUT — segundo ele por ter perfil de negociador, alguém com trânsito entre empresários e centrais sindicais.


 


Comentou-se o nome de Luiz Marinho, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista; de Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, ex-presidente da CUT; e de Heiguiberto Navarro, o Guiba, então coordenador do comitê sindical da candidatura Lula e presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) da CUT. O governo Lula pretendia acabar com a unicidade, com o imposto sindical e reduzir verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para programas de qualificação profissional.


 


O fim do imposto sindical


 


Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical, disse que estava preparado para discutir a “reforma'' sindical. ''Vai acabar a unicidade sindical, mas as centrais serão reconhecidas legalmente? Tudo isso precisa ser negociado'', afirmou. Paulinho disse que não via problema se o governo decidisse reduzir ou acabar com o dinheiro do FAT. ''Agora, isso vai punir os trabalhadores. Nós vamos cobrar para que o trabalhador seja qualificado de graça. Se as empresas podem comprar máquina com dinheiro público, por que o trabalhador tem de pagar para ser qualificado?'', disse.


 


Na avaliação do então presidente da CUT, João Felício, o fim do imposto sindical não afetaria a maior parte dos sindicatos cutistas. ''Nossa base tem sindicatos com percentuais altos de sindicalização, de 32% a 44%. Boa parte das entidades já devolve as verbas arrecadadas com o imposto sindical'', afirmou. Mas, segundo Felício, o governo deveria estudar uma ''fase de transição'' para que os sindicatos se mantivessem com outras fontes de renda. ''A idéia que será objeto de discussão e de negociação no FNT é dar um prazo para os sindicatos se adaptarem'', disse.


 


“Responsabilidade” nas “reformas”


 


No dia 26 de novembro de 2002, Lula reuniu-se com cerca de 600 sindicalistas para agradecer o apoio do movimento sindical à sua candidatura. Ele pediu ''por favor'' para que os dirigentes sindicais discutissem primeiro as propostas que seriam consenso na “reforma” da estrutura sindical brasileira e que deixassem para depois o debate sobre as questões divergentes.


 


Lula pediu às centrais sindicais que tivessem “responsabilidade” nas “reformas” tributária, previdenciária, trabalhista e sindical que o governo pretendia encaminhar. ''O que vocês precisam compreender é que desta vez vai acabar a moleza. Esse negócio de ficar só em cima de caminhão de som na época da data base da categoria vai acabar. Vocês vão ser chamados para participar das reformas políticas'', disse.


 


Tom de provocação de Lula


 


O presidente eleito também comentou as divergências entre as centrais sobre o fim da unicidade e da contribuição sindical — segundo ele ''algo menor'', para ser discutido. O mais importante, disse Lula, seria os sindicalistas se envolverem nos projetos de combate à fome, de aumento do emprego e das “reformas” previdenciária e tributária. ''Se o trem descarrilhou, é preciso colocá-lo primeiro no trilho para, depois, disputar o lugar que cada um vai sentar. Se não for assim, não vai ter lugar para todo mundo'', afirmou.


 


O tom do discurso foi de provocação. ''O país tem de passar por um processo de reconstrução. E vocês nunca foram tão provocados a ajudar a encontrar soluções para o país. O desafio que está colocado para mim não é só para mim, é para vocês. Não pensem que vou deixar vocês de fora, falando o que vocês quiserem. Ou retomamos o crescimento econômico, ou vamos ficar brigando e perdendo tempo. Há muitas propostas comuns entre as centrais para serem colocadas em prática no Brasil'', disse.


 


Lula afirmou que as “reformas” não seriam feitas a toque de caixa. ''Elas serão feitas de forma tranquila e sadia. Há sempre um jeito de fazer as coisas sem uma agressão maior a quem quer que seja. Na política, aprendi que não sai nada na marra. Ou você cria um processo de convencimento ou não faz nada'', discursou.


 


“Tudo” poderia ser discutido


 


Jaques Wagner, ex-sindicalista e deputado federal (PT-BA), foi indicado para o Ministério do Trabalho. Em suas primeiras declarações, ele defendeu que a “reforma” trabalhista deveria envolver a negociação de alguns direitos, chamados por ele de ''penduricalhos''. Na lista, segundo Wagner, entrariam até questões como férias e o 13º salário. ''Existe um pacote de direitos que não necessariamente deva ser diminuído, mas pode ser rearranjado'', declarou o então futuro ministro.


 


Na sua posse, Wagner afirmou que proporia, na primeira reunião ministerial, que Lula retirasse imediatamente do Senado o projeto de lei do governo FHC que “flexibilizava” os direitos trabalhistas. “O objetivo do governo é discutir um novo contrato social para o país, que significa uma nova relação capital-trabalho. O objetivo maior é a geração de emprego e renda, com um trabalho decente. Tem que ser um pacto entre empresários e trabalhadores, mediado pelo governo federal”, disse.


 


Questionado se essas mudanças não poderiam significar perdas de direitos dos trabalhadores, respondeu: ''Não há hipótese, no governo do PT, de você sangrar mais quem já está tão sacrificado.'' Mas Wagner enfatizou que ''tudo'' poderia ser discutido. Segundo ele, a situação do mercado de trabalho não era satisfatória nem para os trabalhadores nem para os patrões.


 


Em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 23 de fevereiro de 2003, Wagner disse que para ter sucesso as “reformas” sindical e trabalhista não poderiam se limitar à discussão pontual de questões “laborais”. “Precisará enfrentar temas cruciais, como a representação e a representatividade dos sindicatos, a democratização das relações de trabalho por meio de novos instrumentos de negociação coletiva e a construção de um ambiente mais propício à solução dos conflitos”, afirmou.


 


A emenda liberal de Vicentinho


 


O ministro Trabalho defendeu o fim do imposto sindical e da unicidade — segundo ele frutos de um “modelo de organização sindical sempre criticado por sua origem autoritária e corporativista”. E anunciou que o Ministério do Trabalho estava finalizando um anteprojeto de lei que eliminaria pelo menos 100 artigos — de um total de 922 — da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Seria a primeira ''faxina'' na legislação trabalhista.


 


As centrais sindicais reagiram com indignação. Felício disse que o governo deveria fazer um levantamento para identificar as ''células vivas'' e as ''células mortas'' da CLT. ''Defendemos que toda discussão sobre a CLT deve ser feita no FNT. Antes de enviar o projeto para o Congresso Nacional, o Ministério do Trabalho tem de discutir as mudanças na lei com as centrais'', afirmou. Paulinho disse que a decisão de ''limpar'' a CLT via anteprojeto descumpria a determinação do presidente Lula de promover o debate na “sociedade”. ''Chegar com o prato pronto é um mau exemplo. A regra básica é discutir com os trabalhadores qualquer alteração”, disse ele.


 


Outra decisão que atropelava o debate que ocorreria no FNT partiu do deputado federal petista e ex-presidente da CUT, Vicentinho, que no dia 16 de abril de 2003 apresentou uma proposta liberal de emenda constitucional instituindo a “liberdade sindical” e acabando, de forma gradativa, com o imposto sindical. A proposta substituía a unicidade sindical pela “liberdade de organização dos trabalhadores a partir do local de trabalho”.


 


Marinho na coordenação do FNT


 


Poucos dias antes da instalação do FNT, o governo divulgou a proposta de “reforma” trabalhista elaborada pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)  — órgão consultivo do presidente Lula. O relatório afirmava que a Constituição e a legislação trabalhista deveriam fixar os “direitos mínimos do trabalhador”. ''Esse é um trabalho de diretrizes. As idéias mestras vão servir de contribuição no grande debate que ocorrerá com a sociedade no FNT'', afirmou o então ministro do Desenvolvimento Econômico e Social, Tarso Genro.


 


O FNT foi lançado pelo governo no dia 21 de maio de 2003, composto por 21 representantes de trabalhadores, 21 de grandes empresários, 21 do governo e 9 representantes de micro e pequenas empresas. Para cada uma das bancadas, foi escolhido um coordenador. Na cerimônia, foi anunciado que Marinho, já presidente da CUT, seria o coordenador da bancada dos trabalhadores.


 


A reação foi imediata. ''Começou mal. Ninguém perguntou à Força Sindical quem deveria ser o coordenador da bancada trabalhista'', disse Paulinho. ''Não vamos aceitar intervenção do governo. Não ficou acertado entre as centrais sindicais que o Marinho seria o representante'', afirmou. O presidente da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Antônio Carlos dos Reis, o Salim, também criticou a indicação. A Força Sindical e a CGT afirmaram que queriam uma explicação do Ministério do Trabalho sobre o caso. Volto ao assunto na próxima coluna.


 


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