Desdobramentos Políticos no Oriente Médio

Semana que passou, comentamos três episódios políticos importantes que ocorreriam no Oriente Médio. Os dois principais, na Palestina e na Turquia tiveram desdobramentos importantes e mais ou menos previsíveis. Queremos esta semana falar sobre eles.

A renúncia de Olmert em Israel


 


 


Conforme era mais ou menos previsível, o primeiro Ministro de Israel, Ehud Olmert, anunciou na quarta-feira, dia 30 de julho, perante o parlamento israelense, chamado Knesset, que não disputará as primárias de seu Partido, o Kadima, em setembro próximo. Uma farsa que não se sustentava mais, o seu governo encerra-se de forma lastimável. Em frente às câmeras de TV seus olhos marejaram, mas não sei viu lágrimas nem choro. Parecia tudo ensaiado. Isso coloca a política israelense em um novo patamar.


 


 


A situação pessoal de Olmert já estava insustentável. Com apenas 10% de aprovação de seu governo, o menor da história e, sendo um ministro sem nenhum passado envolvido em alguma das guerras de Israel com os árabes – todos os ex-primeiros ministros tiveram esse envolvimento – Olmert, ainda estava sendo investigado por corrupção eleitoral, o famoso Caixa 2, dinheiro de doações sem que fosse contabilizado (os que achavam que isso era um caso típico do Brasil enganaram-se). Foram centenas de milhares de dólares doados e não contabilizados.


 


 


Nos últimos meses, tenho dado seguidas entrevistas para a Rádio CBN, em programas de cadeia nacional, sobre temas relacionados ao Oriente Médio. No mesmo dia que Olmert anuncia a sua renúncia, fui entrevistado e comento aos meus leitores do Vermelho as mesmas opiniões que dera à Rádio.


 


 


Teremos dois cenários possíveis em setembro. O primeiro deles, é que nas primárias vença um novo líder do Kadima que consiga construir alianças suficientes para obter maioria e seguir governando Israel, até as eleições legislativas marcadas para 2010. O segundo cenário – mais provável – é que esse novo líder não consiga maioria e novas eleições tenham que ser convocadas – antecipadas na verdade – e pelo voto direto dos eleitores, o provável vencedor será o direitista Benjamin Netanyahu, do Likud (antigo Partido de Olmert e Sharon, ex-primeiro Ministro que hoje se encontra em coma).


 


 


A pré-candidata a líder do Kadima, Tzipi Livni, é q mais forte candidata. É a ministra mais popular de Israel. Ela ocupa o posto de Chanceler, ou seja, ministra das Relações Exteriores de Israel e uma das negociantes com os palestinos dos acordos de paz. Ela faz críticas abertas a Olmert e dele já discordou em públicos pelo menos duas vezes. Claro, ela tem também o aspecto negativo para Israel, de não ter nenhuma experiência em combate, em guerras contra os árabes, como Olmert. Sua carreira foi feita como agente do Mossad, o famoso serviço Secreto de Israel. É relativamente jovem – completou 50 anos no dia 8 de julho passado, mulher bonita e vem demonstrando certas habilidades políticas e amplitude nas negociações com os palestinos. Mas pesa contra ela a inexperiência administrativa e da linha de frente em combates. Como dissemos, as pesquisas indicam derrota nas urnas se as eleições forem antecipadas. Se conseguir montar um novo governo, ela será a segunda mulher a ser primeira Ministra de Israel, depois de Golda Meir na década de 1960. Seu concorrente mais direto, Shaul Mofaz, ministro da Indústria e comércio tem menos apoio no Kadima e menor apelo popular nas urnas.


 


 


O mais importante é uma opinião sobre os processos de paz. Como temos dito, não creio que a paz com os palestinos possa ser alcançada, qualquer que venha ser o novo governo. Não só exatamente porque dos dois lados da mesa encontram-se governos fracos, mas como as eleições nos Estados Unidos ainda não se saberão os resultados por elas ocorrerem em novembro e as primárias do Kadima e um eventual novo governo israelense serão em setembro. Mas, o principal é que a pauta de negociação tem três pontos que Israel dificilmente concordará: 1. Jerusalém como capital do Estado Palestino (pelo menos da parte árabe, Oriental); 2. Volta dos refugiados palestinos e 3. Cisjordânia palestina com a mesma fronteira anterior à Guerra dos Seis Dias de Junho de 1967. Nada disso a liderança israelense aceitaria para assinar a paz. Uma pena, pois o mundo inteiro apóia essa agenda. Menos, claro, os EUA.


 


 


Seguiremos acompanhando de perto essas eleições – quiçá pudéssemos cobri-las pessoalmente, in loco em Israel para nossos leitores.


 


 


Erdogan, na Turquia, escapa por um fio


 


 


Como disse na semana passada, quando comentei três episódios no Oriente Médio, nenhum deles estava dissociado um do outro (Iraque, Palestina e a crise institucional na Turquia). Nada ocorre por acaso, não só no Oriente, como em qualquer lugar do mundo. Não sou dos que crêem na chamada Teoria Conspirativa da História. Mas, o resultado da votação do Tribunal Constitucional da Turquia tem muito a ver com isso. Senão vejamos.


 


 


Para relembrar nossos leitores. A Turquia é, entre os 47 países islâmicos, com população com mais de 98% de cidadãos adeptos do islamismo, o mais laico possível. Tal laicidade foi estabelecida com as reformas de 1923, após o fim do Império Turco Otomano. Essas mudanças profundas foram ditadas uma a uma por Mustafá Kemal, conhecido como Ataturk (que em turco quer dizer “Pai dos Turcos”). Seu governo durou até 1938, por 15 anos.


 


 


Ataturk fez na Turquia a mais profunda mudanças constitucional e institucional que um país poderia viver em tão pouco tempo. Uma verdadeira revolução. Com apoio do exército, profundamente laico. Sem praticamente disparar um tiro, ele separou completa e profundamente as instituições civis e constitucionais turcas da religião e do clero muçulmano. As escolas foram separadas da Igreja. Os clérigos de todas as religiões saíram da folha de pagamento do Estado turco. E – pasmem – a escrita turca, o alfabeto, foi substituído das letras siríacas turcas, pelo alfabeto ocidental. O ensino religioso foi confinada ás escolas religiosas e ás mesquitas. O véu islâmico, desde 1989, foi banido de todas as repartições e principalmente das Universidades. O exército e o Tribunal Constitucional foram os fiadores dessas grandes mudanças.


 


 


Pois, como anunciava na coluna da semana passada, o Tribunal procederia ao julgamento do AKP, Partido da Justiça e do Desenvolvimento, do primeiro Ministro Recep Tayyp Erdogan. A Procuradoria Geral da República havia pedido simplesmente a cassação do registro do Partido, que governa a Turquia desde 2002 e possui mais de dois terços dos deputados no país e inclusive, pela primeira vez, elegera, ainda que de forma indireta, o presidente da República, que é Abdullah Gull. O pedido de cassação fora feito com base em indícios de que Erdogan esta tentando islamizar novamente a Turquia. O maior indício disso tinha sido a proposta de autorizar o uso novamente o véu islâmico em locais públicos e principalmente em universidades, revogando a proibição de 1989. O Tribunal havia derrotado em fevereiro esse retorno à “islamização” da Turquia.


 


 


Pois bem. São onze, como no Brasil, os membros do Tribunal constitucional, uma espécie de STF. Para cassar o AKP seriam necessários sete votos, ou dois terços. O resultado, apertadíssimo foi de seis votos pela cassação e cinco contrários. Por um voto apenas, a Turquia manteve certa normalidade constitucional.


 


 


Uma opinião pessoal é que a corte mandou um recado claro para Erdogan e seu presidente Abdullah Gull. Se for mesmo projeto do AKP a volta da islamização da Turquia, que pare por aqui sob pena de cassarmos o seu registro. Esse foi o recado. É como se os onze juízes fizessem uma combinação prévia e cujo resultado, apertado, fora previamente acertado, para que o recado seja dado. Mas, o sinal veio como uma clara advertência. Foram poupados por pouco, mas tiveram punidos na questão dos recursos do financiamento público. Estes foram cortados pela metade por decisão do Tribunal.


 


 


A elite política que hoje governa a Turquia, através do AKP, vem paulatinamente e de fato, se islamizando, em consonância com certa tendência da própria população que continua vendo no Islã um grande apoio às suas dificuldades, a quem se recorre, como em outras partes do mundo com outras religiões que são fortes.


 


 


Erdogan é de um Partido de centro direita e volta suas costas para as tradições turcas históricas e asiáticas em geral e vem fazendo de tudo para que o seu país seja aceito na União Européia, a qual tem muita resistência das elites européias em geral. Suas orientações econômicas são neoliberais e nada tem de social democrata.


 


 


Não arriscamos um desfecho ainda positivo para este caso e continuaremos monitorando para melhor compreender a evolução do caso.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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