Deus seja louvado

Além do texto constitucional, inúmeras medidas legais e práticas institucionais favorecem a religião católica e o cristianismo no Brasil. Oportunidade igual não têm os outros credos, o laicismo, a divulgação e defe

A Constituição de 1988, assim como a de 1946, também foi escrita “sob a proteção de Deus” e manteve, em relação à religião, em essência, o conteúdo das Cartas anteriores. Novamente nela atuaram partidos e parlamentares que defendiam a laicidade e se declaravam marxistas – ateus, portanto. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tinha cinco deputados constituintes: Aldo Arantes, Edmilson Valentim, Eduardo Bonfim, Haroldo Lima e Lídice da Mata; o Partido Comunista Brasileiro (PCB), três: Augusto Carvalho, Fernando Sant’Anna e Roberto Freire. A bancada do PCdoB se posicionou contra a menção a Deus no texto constitucional, sem êxito.
Paulo Bonavides e Paes de Andrade opinam, na sua História Constitucional do Brasil, que nos trabalhos constitucionais “a ação partidária foi substituída por ação de lobbies de interesses”, citando, dentre eles, o “lobbie Santo, da Igreja Católica, e o lobbie evangélico, de várias ramificações protestantes”.
Foram alcançadas importantes conquistas no capítulo dos Direitos e Garantias individuais, o que valeu o epíteto de “cidadã” a esta Constituição, que ainda está em vigor. A liberdade de expressão e pensamento, com o fim da censura, foi consagrada na nova Carta.
Pouco antes de sua promulgação, em 1986, com o país já livre da ditadura militar, o presidente José Sarney havia proibido o francês filme Je vous salue, Marie (Ave, Maria!), de Jean-Luc Godard, por pressão da alta cúpula da Igreja Católica (na fita, Maria é uma jogadora de basquete que fala palavrões e aparece nua). Também foi em 1986 que o presidente Sarney adotou um novo padrão monetário, o cruzado. As novas cédulas postas em circulação passaram a conter a legenda “DEUS SEJA LOUVADO”, mantidas na moeda que a seguiu, o real. A terra que teve seu nome de origem religiosa (Terra de Santa Cruz) modificado para Brasil pelo interesse mercantilista passou a ter menção religiosa no seu papel moeda…
Neste caso, Sarney se deixou influenciar pelo exemplo dos Estados Unidos da América. Em 1954, em plena Guerra Fria, nos EUA foi promulgada uma lei mudando o lema nacional de “E  Pluribus Unum” (Um constituído por muitos) para “In God We Trust” (Em Deus confiamos). Desde 1863, constavam essas palavras – “In God We Trust” – em algumas moedas, mas a partir de 1955 esse lema ficou obrigatoriamente registrado em todas as cédulas de dólar. No ano seguinte, nos EUA foram incluídas as palavras “sob Deus” ao juramento de fidelidade à nação. Segundo Charles G. Oakman, congressista à época, “nossa crença em Deus constitui uma das diferenças fundamentais entre nós e os comunistas”. Assim, no país que se tornou, ao longo do século XX, a principal potência capitalista do mundo, o capitalismo adotou o deísmo, dando de vez as costas para os enfrentamentos que manteve, no período em que a burguesia era revolucionária, com a reação feudal-clerical.
Atualmente, no Brasil, sobejam crucifixos e exemplares da Bíblia em escolas, salas de aula, tribunais, rodoviárias, aeroportos, instalações das Forças Armadas, instituições governamentais, parlamentos, fóruns, praças e demais espaços oficiais. Templos católicos foram e continuam sendo erigidos ou conservados com verbas públicas, além de contar com isenção ou benefícios da legislação tributária. Religiosos católicos, em especial, são chamados para solenidades de inauguração ou festejos de órgãos públicos, benzendo suas instalações e celebrando cerimônias de seus credos. A Câmara Municipal de Goiânia (GO) inicia todas as suas sessões com a leitura de trechos bíblicos. A Prefeitura de Palmas (TO) tem uma Assessoria Técnica para Assuntos Religiosos (cargo de nível de secretariado, ocupado por um evangélico) e por aí vai…
Além disso, pressões religiosas obstam práticas e pesquisas médicas e científicas (aborto, eutanásia, aplicação dos conhecimentos alcançados na genética e nas células tronco etc.) e impõem a adoção do ensino do criacionismo nas escolas, em detrimento da lei da evolução, descoberta por Charles Darwin.
Em que pese esse aparato oficial e oficioso e a dura perseguição feita a não cristãos ao longo dos mais de 500 anos da chegada da Cruz a estas terras, outras crenças e também o ateísmo vicejam pelo país e, no seio do povo, forjou-se o sincretismo religioso, abarcando crenças originárias dos naturais do continente e dos inúmeros povos que para cá migraram, em especial os africanos.

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