Dois nobeis e a humanização da economia

Angus Deaton, no livro com Case mostra que nos Estados Unidos houve um crescimento assustador de mortes advindas de suicídios, drogas e alcoolismo nos últimos anos.

Angus Deaton, ganhador do Nobel de Economia 2023. Foto: Reprodução internet

Tentaram transformar a Economia em Ciência Exata. Tudo se explica por equações, necessariamente matematizadas. Os princípios de Economia Política, as visões de mundo que poderiam orientá-la pouco importam. Fundamental são a monetarização e a eficiência alocativa que os modelos apontam.

Uma semana interessante. Acesso a trabalhos de dois grandes economistas. Suas explicações retomam a ideia de uma Ciência Social em que o humano tem espaço, tem muita importância. Nesse sentido, me pergunto como estamos formando profissionais tão insensíveis que não percebem que o principal da profissão é a busca de condições adequadas para uma vida digna para os indivíduos?

Angus Deaton é um economista que sempre trabalhou com Microeconomia, com Econometria, e em 2015 ganhou o Prêmio Nobel de Economia pelos seus estudos sobre consumo e bem estar. Sua preocupação não era entender a complexidade da Economia como um todo, mas sim, com seus modelos apontar condições em que a pobreza, a falta de condições de saúde pública, entre outras, se exacerba.

O interessante é notar que com esses trabalhos, naturalmente aponta para um dos principais problemas da economia capitalista. A questão das desigualdades distributivas dos ganhos sociais. E a isso tem se dedicado em anos recentes.

Em seus trabalhos mais atuais, o primeiro em parceria com sua esposa Anne Case, “Mortes de desespero e o Futuro do Capitalismo” (2020), o segundo uma reflexão sobre sua trajetória e erros de avaliação feitos, por ele e outros economistas, “Economia na América: um Economista Imigrante explora a terra da Desigualdade” (2023), faz uma importante análise dos caminhos que a área vem tomando e dos possíveis desvios cometidos.

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Atribui as grandes crises econômicas mundiais dos anos 90 e a de 2008 a equívocos graves dos economistas que, num processo de globalização de todos os mercados, inclusive o financeiro, sugeriram a retirada de quase todas as limitações para o capital especulativo. A obsessão por eficiência alocativa monetária e pelos mercados se auto-regulando fez com que importantes aspectos fossem ignorados, segundo sua visão.

Numa passagem chega a afirmar que “a disciplina econômica se desvinculou de sua base adequada, que é o estudo do bem estar humano.”

No livro com Case mostra que nos Estados Unidos houve um crescimento assustador de mortes advindas de suicídios, drogas e alcoolismo nos últimos anos. E chama a atenção para o fato de que na busca de maior rendimento financeiro, na globalização, não se levou em consideração aspectos relevantes para a vida humana. A destruição de empregos que fez com que pessoas não tivessem espaços produtivos em suas localidades, fez com que se perdesse motivação de vida. A isso chamaram de “mortes de desespero”. Considerar apenas a lógica da remuneração dos empreendimentos, levaria a esse estado de coisas. As ambições e desejos das pessoas contam.

Também, ao chamar a atenção, já no último livro, da recuperação atual da economia americana, mostra que a expectativa de vida diminui nos dias que correm em segmentos importantes das atividades naquele país e as pessoas estão se matando devido aos efeitos psíquicos de recessões. O que demonstra que o desenvolvimento de uma sociedade não pode ser apenas analisado pela evolução do PIB ou da consolidação de grandes empresas multinacionais.

Em síntese, defende que ao analisar uma sociedade apenas pelo crescimento monetário perde-se a razão de ser da ciência, qual seja a busca do bem estar humano, assentado  numa vivência emocionalmente equilibrada em uma comunidade que conheça e onde tenha confiança e perspectivas em seus empregos, em suas razões de vida.

Joseph Stiglitz, para mim, um dos maiores economistas dos tempos atuais. Prêmio Nobel de Economia em 2001. Com formação sólida, diria eu “keynesiano nos anos recentes”, e uma didática fantástica, aborda com clareza o desenvolvimento econômico e suas perspectivas.

16 de outubro de 2023. Programa Roda Viva. É sabatinado por uma pleiade de jornalistas. Muitas perguntas interessantes. Vou me ater às feitas por um profissional empavonado, cheio de verdades, que procura colocá-lo em situações embaraçosas, todas foram oportunidades para termos aulas muito apropriadas sobre a economia brasileira atual.

Primeiro ideia pré-concebida do jornalista. O Estado é ente nocivo a economia, suas intervenções sempre seriam inadequadas para o livre funcionar dos mercados.

De maneira didática explica o que significa demanda efetiva, como o Estado é necessário, gerando estímulos de demanda e regulando os monopólios, além de fazer investimentos em inovação, principalmente em países em desenvolvimento, para alavancar o desenvolvimento. Cria condições para os investimentos e aumento do emprego.

Segunda ideia desastrosa. O BNDES seria muito nocivo ao País, sua atuação só trouxe problemas.

Com calma, usa outro conceito. O multiplicador keynesiano. Discorda da avaliação feita na proposta e aponta para como se conseguiu um efeito multiplicador muito relevante, com novas empresas, novos perfis de emprego, novos caminhos, todos advindos do papel que o Estado, através do banco de investimento, desempenhou.

Terceira ideia preconceituosa. A inflação tem que ser combatida com altas taxas de juros.

Aqui a aula é magistral. Mostrou que existem diferentes origens para a inflação. Se o consumo está extremamente aquecido, o remédio da taxa de juros pode ter algum efeito. No entanto, se a origem é outra, por exemplo a falta de peças ou de chips para o setor de transformação, em nada colabora, agrava. Só se resolve quando se normaliza a oferta do mercado de suprimento. A origem da inflação atual leva a constatar que altas taxas de juros podem ser fator relevante para diminuição do emprego, para a estagnação econômica, para o acirramento da crise.

Muitas outras respostas poderiam ser ressaltadas. Vale a pena procurar o vídeo e vê-lo. Pouco mais de duas horas de ensinamentos.

Pena que os estudantes de Economia quase não sejam expostos aos conceitos básicos da Economia Política ou mesmo do Keynesianismo. A preocupação quase única em modelagem dos eventos faz com que ignorem os fundamentos que lhes são base, os conceitos que lhes dão essência.

Também, lembrar que é uma Ciência Humana, que sua razão de ser é a busca de um Homem com uma vida com dignidade, não pode ser vista apenas sob a ótica da lucratividade dos mercados.

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