Combate à uberização: uma vitória e uma derrota do governo Lula

Segundo Luiz Marinho, ainda é possível que o GT do Ministério do Trabalho chegue a um acordo para os entregadores em termos similares ao projeto dos motoristas por aplicativo

O Brasil deve conhecer, na próxima semana, o projeto de lei do governo federal para regulamentar o trabalho de motoristas por aplicativos como Uber e 99. Esse modelo de negócio – que praticamente implodiu as antigas (e irregulares) cooperativas de táxi – chegou ao País na década passada e cresceu no rastro do desemprego.

De trabalho alternativo ou complementar, virou a principal fonte de renda de centenas de milhares de brasileiros. Havia demanda de sobra, mas com remuneração baixa, condições precárias e praticamente nenhum direito. Vários países tentaram enfrentar o dilema: como manter os postos de trabalho, mas combater a precarização – que, nesse caso, virou sinônimo de “uberização”?

As plataformas, invariavelmente, respondiam a essas tentativas com chantagens, insinuando que qualquer tipo de regulamentação poderia pôr a atividade em risco e até forçar as empresas a desistirem deste ou daquele país. Não parecia verossímil, mas muitos governos recuaram. Os próprios motoristas “uberizados” tinham receio.

Entrar nessa bola dividida foi uma das promessas da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022. A necessidade de dar um basta aos abusos das plataformas existia, e Lula ainda poderia disputar uma categoria que tinha a fama de ser “bolsonarista” (assim como os motoristas de táxi em São Paulo, até o início dos anos 2000, eram chamados de “malufistas”).

Eleito e empossado, o presidente passou a tarefa ao ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que instituiu um grupo de trabalho (GT) para tratar do tema. Na mesma mesa, por quase nove meses, empresários e trabalhadores, por meio de suas associações representativas, debateram a regulamentação com o governo. As centrais sindicais também ajudaram nas negociações.

Na segunda-feira (23), Marinho apresentou a Lula o texto-base do projeto de lei elaborado pelo ministério, com base nas discussões e nos consensos da GT. O presidente aprovou a proposta. “Resta somente finalizar a redação”, declarou o ministro à imprensa. “Até semana que vem, estará consolidado para apresentar em definitivo ao presidente, para transformar em projeto de lei e ser submetido ao Congresso Nacional.”

Nos próximos dias, Marinho já deve se reunir com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para definir a tramitação do projeto, que é uma vitória do governo Lula no combate à uberização desenfreada. Motoristas de aplicativo não terão carteira assinada, mas, se o projeto for aprovado, passarão a contar com mais direitos e garantias.

Infelizmente, porém, o grupo de trabalho não avançou – e demonstra ainda ter entraves – na regulamentação da atividade de entrega via iFood, Rappi e outros aplicativos. Essa modalidade é mais complexa. Envolve, por exemplo, mais de um meio de transporte, com destaque para motos e bicicletas. A remuneração por entrega é baixíssima, indigna, e as plataformas não querem ceder em quase nada.

Segundo Marinho, é possível que o GT chegue a um acordo para os entregadores em termos similares ao projeto dos motoristas. Os “conceitos” serão os mesmos, diz o ministro. Mas a própria ideia de separar os dois temas em projetos de lei diferentes mostra as dificuldades de atenuar esse modelo específico e novo de trabalho.

Até o momento, portanto, o governo soma uma vitória e uma derrota no combate à precarização – com a vantagem de que o insucesso é reversível. Em maio, uma pesquisa do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) revelou que o Brasil tem 1,6 milhão de trabalhadores por aplicativo, sendo 1,27 milhão de motoristas e 386 mil entregadores. Conforme o levantamento, 78% dos entregadores querem continuar em trabalho por plataforma, ante 54% dos motoristas – dois índices elevados. Num e noutro caso, a regulamentação é urgente.

Autor