Dragas. Continuam sangrando o Araguaia

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Na última crônica falava dos turistas. As hordas abarrotam as praias. Com elas os barcos, lanchas, jetesquis, até aviões, aprontam um apocalipse sobre a calma do rio. E as pescarias? Mesmo agora que a fauna já definha, os acampamentos são alimentados com pescado de qualquer tamanho. O que não serve para moqueca acaba em tira-gosto. O destino do pedaço de Araguaia que toca a Goiás e Matogrosso é ser parque. Santuário onde o estudo, a pesquisa, a pesca esportiva, o manejo sustentado e um turismo contemplativo podem trazer lucros e melhorar as condições de vida dos habitantes. Se o goiano deixar de louvar o Araguaia apenas em prosa, versos e canções ainda é possível reverter o desastre. Ali há enormes cenários para a fotografia, o cinema, a pintura e ainda será uma reserva importante para diversidade da vida. Se ninguém ouviu os gritos anteriores, o discreto choro remansoso, o circunspeto sofrimento, agora precisa abrir os ouvidos, se restar ainda algum apreço pelo Araguaia. Muitas vozes tem se levantado nos últimos dias sobre a voragem das dragas que estão roendo impiedosamente o cânion do rio. Mais de meia centena de máquinas devassam a intimidade milenar do rio. Muita gente tem escrito aqui no DM. Autoridades, ecologistas, políticos. Todos com discursos bonitos. Mas as dragas continuam lá. Onde brilham os diamantes arrancados do rio? Qual é o retorno desse processo criminoso para os ribeirinhos, para o meio ambiente, para Goiás? A lamentação do cronista com certeza não parará o ronco das dragas. Nem a morte dos cardumes, nem o sofrimento do rio e dos bichos. Mas a voz de todos poderá calar os motores e conter a ganância. Sullivan Silvestre, com apoio da população da Cidade de Goiás, assombrada com as alarmantes enchentes, salvou o Rio Vermelho. É um bom exemplo. O goiano vem se conformando com muita perda. Triangulo Mineiro. As terras do sudoeste para o Mato Grosso. Mais da metade do território para a criação do Tocantins, com ela parte do próprio Araguaia, a Ilha do Bananal e todo o Rio Tocantins. E o enorme quadrilátero para o Distrito Federal? É preciso parar. Goiás não pode se dar ao luxo de perder mais. Nem que seja preciso invocar os mortos. Que venha Couto de Magalhães! Ele desejava um destino humano ao rio. Que venha Leco Caiado, o pastor do Araguaia! Acary Passos, José Mauro Vasconcelos, Carmo Bernardes, o pescador de sonhos. Eles sabiam que o Araguaia era um monumento de beleza e vida. O único rio que mora na sensibilidade e memória do goiano. Ao lado do pequi e da guariroba é traço vivo de identidade. A destruição do Araguaia é uma litania, um réquiem que estamos enviando às gerações futuras. A prova de que não merecemos a imensa dádiva que pedia de nós apenas um pouco de respeito, uns pequenos cuidados, uma nesga de atenção.
 
(continuo na próxima sexta-feira)

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