Dynéas Fernandes de Aguiar
O título desse artigo dispensa adjetivos, pois o nome Dynéas Fernandes de Aguiar, apenas o nome, por si só, expressa a grandeza do homem que o usou por pouco mais de 81 anos, até a última quinta-feira (13).
Publicado 14/06/2013 13:13
No dia em que a polícia paulista massacrava jovens que protestavam contra o aumento nas passagens de ônibus, e também massacrava quem estava por perto, não só os comunistas, mas o povo brasileiro, muito especialmente seus trabalhadores, perderam um gigante da luta pela democracia, pelo progresso do país com justiça social, pela soberania do Brasil e pelo socialismo.
Do dia de sua morte até esta segunda-feira, 17, quando minha coluna é veiculada pelo Vermelho, muito se falou e se escreveu, merecidamente, sobre esse revolucionário maiúsculo que dedicou 63 anos de sua vida à causa socialista, nas fileiras do Partido Comunista do Brasil. Não pretendo, portanto, a originalidade, apenas vincar minha sincera homenagem a um dos revolucionários mais íntegros que tive a honra de conhecer, que foi amigo, mestre e camarada. Com Dynéas aprendi a fibra revolucionária e, ao mesmo tempo, a generosidade do verdadeiro comunista.
Seu perfil ocupa várias páginas de “Vidas, veredas: paixão”, livro que produzi entre 2011 e 2012 para a Fundação Maurício, sob o subtítulo de “Memórias da saga comunista”. Dali retiro alguns trechos, entre os que marcam o início da militância de Dynéas, nos já longínquos anos 1950.
“Paulistano do bairro de Água Branca, onde nasceu em janeiro de 1932, um dos três filhos do segundo casamento de Antônio Aguiar, com Esmylla Gonçalves Aguiar, Dynéas só conheceria a política e o Partido Comunista aos 18 anos, quando se meteu numa pancadaria na Escola Caetano de Campos, em protesto contra a visita eleitoral de Lucas Nogueira Garcez, que concorria ao governo paulista. A banda da Força Pública (atual Policia Militar) que acompanhava o candidato perturbou a turma de Dynéas, que fazia provas. Perturbou a tal ponto que os alunos, em protesto, enfrentaram a comitiva eleitoral com palavrões, giz, apagadores, cadernos e livros. A repressão da polícia fermentou o movimento, que se espalhou pela Praça da República”.
“Na greve que se seguiu, contra a tentativa da diretoria da escola de fechar o grêmio, Dynéas se aproximou da União Paulista dos Estudantes Secundários (UPES) por intermédio das colegas Horieta e Florita. Eram as filhas da militante comunista Elisa Branco, notabilizada, à época, por desfraldar, diante do palanque oficial do desfile de Sete de Setembro, no Vale do Anhangabaú, a atrevida faixa: Os soldados nossos filhos não irão para a Coréia. Eram os últimos meses de 1950. Pouco depois Dynéas já ingressava na União da Juventude Comunista, onde permaneceria até 1957, quando a organização foi extinta pelo partido. Nesse meio tempo, mergulhou no movimento estudantil secundarista: foi secretário-geral e em seguida presidente da UPES e presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), em duas gestões (1953/54 e 1954/55)”.
“Tropa de choque do Partido”, como então se definia, a UJC combatia cotidianamente nas ruas. Fez história em São Paulo a manifestação promovida no amplo saguão da sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril. O velho Assis Chateaubriand, chefão dos Diários, que incluía a nascente televisão brasileira e uma extensa cadeia de rádios e jornais, criara um voluntariado para a Guerra da Coreia. A campanha de alistamento começou a repercutir, jovens se inscreviam, tinham suas fotos publicadas em meio a elogios. Então a UJC decidiu agir. Um contingente de jovens comunistas invadiu o saguão, Dynéas discursou sobre um banquinho, diante de porteiros e funcionários atônitos e de populares curiosos que já se aglomeravam. Tudo muito rápido. Antes de saírem, os manifestantes lançaram mão de suas armas mais letais: lâmpadas domésticas cheias de piche que, lançadas nas paredes, borravam-nas com a resina escura e pegajosa. E correram em direção à Praça da República. Resultado: Chateaubriand desistiu do voluntariado”.
“O Brasil já havia assinado com os Estados Unidos um acordo militar quando navios de uma esquadra norte-americana atracaram no porto de Santos. Novamente a “tropa de choque do Partido” entrou em ação. Os marinheiros, em suas folgas, costumavam subir para São Paulo. Os rapagões de pele rosada e cabelo de palha divertiam-se em bares, estádios de futebol, principalmente em boates. Nas saídas, os esperavam grupos da UJC. Recebiam alguns tapas e empurrões, mas o que os jovens comunistas queriam mesmo, para marcar sua posição e desmoralizar os ianques, era furtar-lhes os gorros. E os classificavam em pontos: gorro de sargento valia mais que de simples marinheiro. De oficiais, então, eram troféu de ouro. E concorriam entre si na insólita coleção de gorros”.
“Como a UJC de São Paulo e Rio costumavam disputar em audácia, os paulistas resolveram homenagear Joseph Stálin com algo arrojado que marcasse a memória da cidade, fazendo a competição pender inelutavelmente a seu favor. Então montaram o nome do líder soviético com enormes pedaços de bambu, atados com arames na beirada do viaduto de Santa Efigênia. Aplicaram sobre as letras os ingredientes das buchas de balões: estopa, breu e querosene. Era um final de tarde e a ação dos jovens foi relâmpago. Quando atearam fogo no bambu, o flamejante nome de Stálin pendeu do viaduto, balançando sobre a multidão que, na hora crepuscular, amontoava-se nos terminais de ônibus da antiga Praça do Correio. E ali pontificou por mais de duas horas, até que os bombeiros, após labor insano, conseguissem removê-lo”.
“Mas nem com tamanho arrojo a UJC paulista conseguiu superar a carioca que, dois anos antes, havia atingido marca insuperável. Na antiga Capital da República, pelas mãos da jovem militante (e montanhista) Elza Monerat, que décadas depois se notabilizaria como guerrilheira no Araguaia, o nome de Stálin foi pichado com letras garrafais nas pedras do morro Dois Irmãos, na Gávea, cartão-postal do Rio de Janeiro. E ali, ostensivamente à vista, permaneceu até que o tempo o apagasse, muito tempo depois”.
“Breves, porém intensos anos de militância, suficientes para que o jovem Dynéas Aguiar abandonasse de vez o sonho de se tornar engenheiro, substituindo-o pela vida de revolucionário em tempo integral”.
“E foi assim desde então. E nas quase quatro décadas seguintes galgaria os mais elevados postos no partido a bordo do carinhoso apelido, fruto da calvície prematura: Careca”.
Quando olho em torno e constato a prevalência de tantas pequenezas, mais essa figura maiúscula de revolucionário proletário se agiganta. Ficará conosco para sempre sua figura, seu exemplo, sua legenda. Também por ela não arriamos bandeiras, lutamos.