E a vida, diga lá o que é, meu irmão
Lírico, Gonzaguinha ficou com a resposta das crianças: “é bonita, é bonita e é bonita”. Machado de Assis preferiu: “Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal” (Memórias Póstumas de Brás Cubas). Artistas, filósofos, religiosos e cientistas abordam o tema com visões diferentes e, mesmo, antagônicas.
Publicado 20/03/2010 00:31
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Deus cria o homem, sem mosquito |
Cecília Meireles relatou numa crônica o que aconteceu quando quis saber o conceito de vida que tinha uma brasileira de sete anos (isso em 1931). A garota respondeu que o Sol vive. Cecília perguntou:
“- E a água, também vive?
Aí surgiu uma explicação que eu acho notável. A menina, olhando para longe, como abrangendo todo o universo, disse-me esta coisa.
– A água também vive. Tudo vive. Se não vivesse, não estava no mundo. Como é que podia estar no mundo, se não vivesse?”
Adiante, a grande poeta e talentosa cronista conclui: “Tudo, pois, que está no mundo, segundo essa menina, vive. A prova de que vive é essa: estar, ser. Quanto ao por que dessa vida, confessa a incapacidade de o definir.
Sente, apenas, que a razão é profunda. Que não a atinge.
E confia-a simplesmente à própria vida.”
Mas os adultos procuram definições. Para os religiosos, a vida é uma criação divina. Cada religião tem sua explicação mística para a origem de tudo, vida inclusive. Eis o que diz o Gênesis (está em 1, 11), livro sagrado para judeus e cristãos. Depois de criar céu, terra, trevas, abismo, vento, águas, luz, céu e chão seco, no terceiro dia “Deus disse: ‘Que a terra produza relva, ervas que produzam semente, e árvores que dêem frutos sobre a terra, frutos que contenham semente, cada uma segundo a sua espécie’. E assim se fez”. Depois dos vegetais, no quinto dia Deus criou os pássaros, as baleias e os seres vivos que deslizam e vivem na água. No sexto dia, mandou a terra produzir animais domésticos (mesmo antes de haver quem os domesticasse), répteis e feras e, finalmente, “o homem à nossa imagem e semelhança” e a mulher. Não há, nesses seis dias (no sétimo, descansou), menção a bactérias, vírus, insetos voadores ou outros seres vivos. Mas a origem da vida estava explicada.
Para os materialistas, a vida resulta de um processo contínuo de transformação da natureza. “Sabe-se que os seres vivos são formados por hidrogênio, oxigênio, azoto, carbono e, em menor percentagem, por fósforo, enxofre e por uma vasta gama de outros elementos. … As arquiteturas viva, os processos que sustentam a dinâmica biológica são todos complexos, quer dizer, põem em jogo um importante número de elementos associados entre si por muitas relações”, como explicou Antoine Danchin, diretor do Departamento de Genomas e Genética na Instituto Pasteur em Paris, no artigo Vida da Enciclopédia Einaudi. É uma explicação, mas não uma definição de vida.
“As definições têm sempre um valor científico muito precário. Para se ter um conhecimento verdadeiramente completo do que é a vida, seria preciso relacionar todas as formas em que ela se manifesta, desde a inferior até a superior”, argumentou Friedrich Engels, no seu Anti-Düring, publicado em 1878.
Em 2004, Richard Dawkins escreveu em A grande história da evolução: “A ortodoxia atual, em seus livros didáticos, situa os mais antigos fósseis de bactéria em cerca de 3,5 bilhões de anos atrás; portanto, a origem da vida tem de ser no mínimo mais antiga do que isso”. E lembra que a datação do primeiro ancestral comum de todas as criaturas deve ser anterior, pois ele não se fossilizou, “ou poderia ter vivido 1 bilhão de anos mais tarde (com exceção de uma, todas as outras linhagens extinguiram-se)”.
Em outro escrito seu, O relojoeiro cego, de 1986, Dawkins diz que para existência da vida são necessárias a propriedade da autorreplicação e de outros dois ingredientes: “Deve haver erros ocasionais no processo de autocopiagem; mesmo o sistema do DNA muito ocasionalmente comete erros, e parece provável que os primeiros replicadores na Terra tenham sido muito mais sujeitos a erro. … terceiro ‘ingrediente’. Eu o chamei de ‘poder’. Quando falamos em poder, estamos nos referindo às consequências que afetam o futuro dos replicadores, por mais indiretas que essas conseqüências possam ser. Não importa quantos elos há na cadeia da causa até o efeito. Se a causa é uma entidade autorreplicadora, o efeito, ainda que muito distante e indireto, pode estar sujeito à seleção ‘natural’”.
Carlos Drummond de Andrade comparou a vida “a um livro escrito em língua que desconhecemos”. A ciência está aí para nos ajudar a aprendê-lo, e a arte nos ajuda a valorizá-lo e admirá-lo. E a religião… Bem, água morro abaixo, fogo morro acima e a credulidade cega, só muita ciência para os superar.