Eleição, transição e o novo governo

O Brasil finalizou há quinze dias o segundo turno das eleições presidenciais. Para conquistar o eleitor, assistimos no segundo turno eleitoral à verdadeira política do vale-tudo. A eleição aflorou o conservadorismo, a agressividade e o extremo da alienação política. Diante desse cenário hostil e conturbado, a eleição da presidente Dilma Rousseff obteve um significado histórico.

O processo eleitoral no Brasil é a cada novo pleito a consolidação de poderosas estruturas financeiras e midiáticas, muito inspirada nos princípios e valores da democracia e eleições norte-americanas. Nesse contexto, mercadológico, milhões de reais foram gastos sem nenhuma cerimônia, sem nenhum pudor. Neomilitantes, colaboradores de plantão, profissionais de eleições, cabos eleitorais e toda uma estrutura profissional foram contratados, aos milhares por todo o país, numa verdadeira indústria eleitoral.

As eleições parlamentares seguiram o mesmo roteiro: megaestruturas materiais e humanas, financiadores particulares com interesses inconfessáveis. Somente os cinco maiores partidos do país arrecadaram oficialmente cerca de dois bilhões de reais nestas eleições. Acordos espúrios com vistas às volumosas verbas orçamentárias do Estado são práticas comuns aos bancos, empreiteiras, mineradoras etc. Compra de votos, utilização de estruturas pouco convencionais vinculadas ao submundo do crime organizado também são práticas comuns. Uma parcela significativa dos eleitos não passaria incólume a uma auditoria simples para verificar gastos, caixa dois e fontes de financiamento.

Contudo, foi no universo programático e ideológico da disputa pela Presidência da República que todos os problemas da frágil democracia nacional vieram à tona. O que vimos e vivemos foi a mais baixa e torpe disputa eleitoral desde a redemocratização do país. Chegou triunfante nesse período eleitoral a ideologia da sociedade medieval, do estado cristão-judaico-pentecostal. O mesmo Estado que concede à iniciativa privada o direito de explorar a comunicação de massa, com o objetivo de avançar o conhecimento e a democracia, é vitima de meia dúzia de empresas que controlam e manipulam toda a estrutura de comunicação.

Diante de uma disputa eleitoral despolitizada e desmobilizada, vimos, depois de vinte e cinco anos de democratização, o limite da frágil democracia brasileira e a alienação de uma parte importante da sociedade. A alienação da sociedade foi reforçada ainda mais pela falta do debate político, de programa de governo, de ideologia, de princípios e de democracia. Como diria Saramago, faltou filosofia. Mas sobrou pragmatismo, sobrou esperteza, sobrou infidelidade, sobrou mentira.

Diante de tantas evidências, podemos afirmar que democracia brasileira sofre de uma grave enfermidade, que precisamos urgentemente tratá-la para o nosso próprio bem. Uma eleição dessa natureza, decisiva para o futuro da nação, deveria concentrar as melhores energias da sociedade, através da participação consciente. Contudo, o processo tumultuado, pouco acessível à maioria da população, criou dificuldades para a definição do voto. A população ficou atordoada, com dificuldades para distinguir com clareza a reais intenções de cada candidato. A retórica, a mentira, o marketing eleitoral, os efeitos midiáticos, tudo conspirou contra a democracia.

Nesse momento de transição para um novo governo, da primeira mulher eleita em nossa história, precisamos refletir sobre o significado da vitória eleitoral em toda a sua dimensão. É preciso mobilizar a sociedade para impulsionar as mudanças estruturais que tanto necessitamos, reformas que democratizem e regulamentem o setor de comunicação, que envolvam todas as mídias. Uma reforma política e eleitoral que avance a plena democracia e retire dos grandes grupos econômicos o poder de eleger seus representantes de plantão. A reforma trabalhista que avance na redução da jornada de trabalho, no fim do fator previdenciário e numa política permanente de reajuste do salário-mínimo e do salário dos aposentados. E a reforma tributária capaz de desonerar os ganhos do trabalho, fortalecer a previdência pública e onerar o grande capital. Enfim a construção de uma nova pátria, mais justa, democrática e igualitária.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor