Eu vi a Semana da Pátria na ditadura

Com a chegada de mais uma Semana da Pátria, lembrei-me de uma canção que entoávamos no grupo escolar, nos anos 60 do século passado. “Sete de Setembro, data tão festiva, foi a Independência desta terra tão querida”… e por aí seguia. Já não lembro o resto. Sob o regime militar, na escola éramos doutrinados no patriotismo e anticomunismo, respeito e não questionamento das autoridades, e no cristianismo, pois o maior país católico do mundo era parte integrante da “Civilização Cristã Ocidental”.

Éramos alfabetizados usando a cartilha Caminho Suave, elaborada pela professora Branca Alves de Lima, em 1948, cheia de ilustrações. Para aprender a letra B, por exemplo, éramos informados: “Eu vejo a barriga do bebê”. Semanalmente, éramos reunidos no pátio, em fila, para cantar o Hino Nacional e ouvir um discurso patriótico do diretor da escola. Na véspera dos dias de comemoração cívica (21 de Abril, 7 de Setembro, 15 de Novembro) era hasteada a bandeira e cantado o Hino Nacional. Alguma autoridade pública ou militar aparecia para uma peroração às crianças e o padre ou o bispo católico (nunca um integrante de outra seita religiosa, todas consideradas satânicas) deitava sua pregação em nossas cabecinhas. Prometia-nos o Reino no Céu se fôssemos cordeiros de Deus. Ameaçava-nos com o inferno se fôssemos desobedientes aos pais, professores e autoridades. Em seguida, marchávamos (isso mesmo, marchávamos) para a sala de aula.

Não sei como é hoje comemorada, se o é, a Semana da Pátria nas escolas. A democracia foi reconquistada, as escolas não são militarizadas e não existe censura a livros (já no fim da minha passagem pelo ensino escolar, ainda havia livros proibidos, por tratarem de política ou sexo, que, é claro, líamos, mas escondíamos a capa) e manifestações artísticas são liberadas. É muito valorizada a formação do cidadão participante, embora eu desconheça como ela de fato se dá nos estabelecimentos de ensino. O cristianismo continua sendo pregado usando espaços públicos, principalmente o católico, mas não mais exclusivamente ele.

Caminho Suave não é mais adotado no ensino público, alguns estabelecimentos privados ainda o usam. Os responsáveis pela escolha dos livros no Ministério da Educação consideraram que a repetição dos exercícios adotada era tediosa para as crianças e a cartilha não levava em conta os conhecimentos dos alunos na vida pré-escolar. Ela nos contava que “Eva viu a uva”, mas a escola não nos informava que Eva também tinha comido o fruto do conhecimento, gostado e iniciado Adão nessa gula. Em todo caso, numa época em que a população morava majoritariamente no campo e em cidades pequenas e que muitas casas tinham quintais, o livrinho de Branca Alves de Melo (por sinal, este ano é o centenário de seu nascimento) reproduzia este poema que tinha correspondência com o que muitos de nós vivíamos:

Casa Pequenina

Uma casa na colina,
Pequenina Amarela,
Um quartinho, uma cozinha
E gerânios na janela.

Ciscando lá no terreiro
Um galo, um peru e um pato
E o céu azul espelhado
Na água mansa do regato.

Muito verde em toda a volta,
Trepadeiras na cancela,
Uma mãe e uma criança
Completando a aquarela.

Caminhemos suavemente no twitter: @Carlopo

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