Fallen Angels: um filme jazzístico

O filme “Fallen Angels”, de Wong Kar Wai, o pernambucano “Estradeiros”, de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro e a obra dos cineastas Rainer Fassbender e Pier Pasolini

O mais bonito, e mesmo o mais interessante que esse filme “Anjos caídos” de Wong Kar Wai tem é seu ritmo inteiramente jazzístico. Ele foi filmado e produzido em Hong Kong, essa província extraordinária da China, e tem um clima de cinema supersofisticado, mas com uma estória na verdade muito simples. Na verdade, eu assisti a ele sem legendas, e os diálogos em chinês eu os ouvi como se fossem uma espécie de música. É o que esse tipo de filme pede, pois sua sofisticação não quer aprofundamentos de conteúdo, mas jogar o tempo todo com a visualização e ganhar o espectador através desse tipo de beleza.

“Fallen Angels” (Do lok tin si) é o tipo de filme feito exclusivamente para o espectador internacional, tanto os próprios chineses de Hong Kong quanto os espectadores de Nova York, e foi realizado em 1995. Em 2018 foi restaurado e lançado pela Mubi como uma obra-prima de Wong Kar Wai, esse chinês internacionalizado.

O principal técnico de sua equipe é o fotógrafo norte-americano Christopher Doyle, que cria uma espécie de paisagem visual, e nessa visualização está a parte mais forte da sua arte. Pois “Anjos Caídos” não é um grande filme artístico, mas uma peça extraordinária da indústria cinematográfica para a diversão, tanto das pessoas simples quanto das que gostam de uma arte sofisticada do ponto de vista da imagem.

É o grande ‘timing’ desse cineasta chinês, mas que vive nas principais cidades, buscando encontrar a imagem que agrada ao público sofisticado. A intérprete principal, a chinesa Michelle, não sei de que com seu guarda-roupa cheio de transas, cria uma graça e uma espécie de diversão somente com sua própria maneira de ir e vir. Essa é que é a grande trama do cenário de “Fallen Angels”, e não algum argumento com tom aprofundado.

Olinda, 18. 08. 22

Estradeiros

Filme “Estradeiros” | Foto: Mubi/Divulgação

Um filme brasileiro e pernambucano da dupla de Caruaru Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro, que está em exibição na Mubi. “Estradeiros” é ou traz uma documentação sobre algumas pessoas que vivem andando pelas estradas e penso que a maior especificidade desse filme é que consegue dar uma certa unidade aos estradeiros de uma certa América Latina. Para ter mais profundidade na questão, deveria olhar mais fundo na alma de alguns personagens, e então poderia ter trazido um ar mais denso ao que é ser estradeiro. Mas os realizadores devem ter caminhado mais no gosto pessoal deles. Uma cena que me despertou mais interesse foi uma em que um garotinho de uns 2 ou 3 anos sobe sozinho, escorregando uma escada ao ar livre. Essa cena fala bastante. E tem outra cena mais rápida em que surge um rapaz sendo registrado pela câmara com um ar nostálgico e dramático. No resto, temos muito verde de vegetação. E uma pequena mistura de espanhol com português.

Olinda, 31. 08. 22

Em torno de Fassbinder e Pasolini

Cineastas Rainer Fassbender e Pier Pasolini | Fotos: Reprodução

Neste ano de 2022, o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini estaria fazendo 100 anos de idade. E o cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder está fazendo 40 anos de morte. A revista francesa “Cahiers du Cinéma” em seu número de julho-agosto fez quase a metade dela – cerca de 40 páginas – com várias matérias sobre os dois cineastas, embora tenha comentado que na França o nome de Pasolini está sendo lembrado, mas não o de Fassbinder. A editoria da revista quis mostrar o que há de convergência entre os dois cineastas, no sentido de que o cinema de ambos fala terrivelmente da tragédia de nossas vidas.

Logo no começo, temos o artigo central da revista que foi escrito por Marcos Uzal com o título de “Indecência política Incandescência poética”, que faz a relação entre a espécie de politicagem que os franceses recebem em relação às eleições recentes lá na França, e toda a poesia trágica que os filmes dos dois cineastas trazem.

São cerca de dez matérias em que o cinema de um e de outro tem intervenções tanto em aspectos específicos, como sexo e política, mas também mostrando a dimensão poética e profunda de cada participação. Também depoimentos de participantes dos filmes, atrizes como Ingrid Caven e diretor como Wong Bing e Catherine Breillat.

Pessoalmente, fui como crítico muito mais ligado a Pasolini, embora tenha acompanhado a carreira de Fassbinder. Recordo que inclusive programei muitos filmes de Pasolini para exibição no cinema de arte Coliseu, e fiz muitas matérias sobre ele no Jornal do Commercio, do Recife. Pasolini era mais tragicamente ligado ao poder social, enquanto o cinema de Fassbinder se relacionava inteiramente com o trágico individual.

Um cineasta que fez um curta em torno de Pasolini conta que se inspirou numa estória que ele conheceu de um outro cineasta israelense. Este assistia a “Teorema” numa sala de Tel Aviv e então entraram vários marinheiros por engano, pensando que se tratava de um filme pornográfico. Na cena que ele presenciou no cinema, no fim da projeção, um dos marinheiros pegou na tela e gritou “Por quê?”. Isso lhe deu a inspiração para o curta.

Claro que efemérides como esta mereceriam ser comemoradas em todos os lugares onde o cinema é acompanhado como arte.

Olinda, 02. 09. 22

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