FNDCT- Planejamento e Responsabilidade

Após anos de contingenciamento, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico retoma seus recursos e define prioridades para a pesquisa e a inovação no Brasil.

Foto: reprodução/Portal da Indústria

Uma batalha que vem de longe, transformar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FNDCT em fundo contábil e financeiro. Na prática, isso significa que não podem ser contingenciados seus recursos, que qualquer sobra não aplicada em um exercício fiscal deverá, obrigatoriamente, ser mantida no Fundo para o próximo exercício. Parecia resolvida em início de 2022, com lei aprovada pelo Congresso Nacional.

No entanto, o então Presidente da República fez dois vetos a essa lei, o PLP 135, vetou o dispositivo que disponibilizava integralmente a execução orçamentária e o que proibia o contingenciamento. Uma ampla mobilização é feita para reverter.

Em votação no Congresso Nacional, por quase unanimidade, derrubam-se os vetos. Em 17 de março de 2022. Volta-se à redação inicial do Projeto de Lei Parlamentar. Infelizmente, mecanismos protelatórios fizeram com que não fosse cumprido em 2022. Há um compromisso do atual Governo de honrar a palavra e fazer a lei valer. Um avanço importantíssimo para a pesquisa e inovação no país.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FNDCT é a principal fonte de recursos do governo brasileiro para apoiar a ciência e a inovação. Nos últimos anos foi minguando, chegando a patamares que comprometeram o setor. A recuperação desses recursos é fundamental para o projeto de desenvolvimento. Mas, não são apenas os recursos disponibilizados, importante saber como serão aplicados e como se articulam com o planejamento nacional. Essa a preocupação desta reflexão.

Pelo histórico de contingenciamentos, muitos projetos aprovados foram interrompidos ou nem iniciados. Segundo dados que pude levantar, cerca de 5 bilhões de reais já estão comprometidos. É ponto de partida para a retomada do Fundo. E, nessa direção, grande parte dos recursos que devem ser aplicados, este ano, terá obrigatoriamente essa destinação. A alocação deve priorizar o pagamento de dívidas já contraídas. Mas, há, ainda, 1,25 bilhões de reais, não é pouco, a serem direcionados.

Em fins de julho deste ano, o Conselho Diretor do Fundo, presidido pela Ministra de Estado da área e  secretariado pela Financiadora de Estudos e Projetos- FINEP, se reuniu para dar esse direcionamento. Nesse ponto, mostrou, no meu entender, coerência, conhecimento do setor e planejamento bem direcionado. Diretrizes que devem nortear decisões futuras. Três aspectos das resoluções chamam a atenção.

Um primeiro é a nítida compreensão de que ciência, tecnologia e inovação- CTI não se fazem com populismo. Exigem escala e concentração de recursos. A pulverização para atender interesses momentâneos ou de natureza política, traz resultados pífios e desarticulados. É fundamental fortalecer redes de conhecimento e projetos focados em efetivamente contribuir com o projeto de nação que se quer implantar.

A pulverização de recursos é muito comum. Tenho visto isso, não só nos planos nacionais, mas principalmente em ações estaduais. Pode até satisfazer pesquisadores individuais, mas não colabora muito com as principais áreas estratégicas do desenvolvimento. Nessa direção, a resolução de concentrar as ações de fomento em dez programas de “relevância e impacto” é muito significativa e deveria servir de norte para as ações de incentivo aos programas de CTI no país.

Um segundo ponto, facilmente perceptível numa análise das prioridades propostas, foi a busca de recuperar áreas que foram fortemente afetadas pelas falta de políticas e de recursos dos últimos seis anos. Nessa direção citaria, pelo menos, cinco dos programas.

Um primeiro é o que se refere á recuperação da infraestrutura técnico científica. Lembro que em fins dos anos noventa e início dos dois mil, era um grave problema a ser enfrentado. Com a criação de Fundos Setoriais de Apoio apareceu o CT-INFRA com o qual nossas instituições de pesquisa foram resgatadas e puderam se inserir nas principais agendas mundiais do setor. Infelizmente, nos últimos seis anos, houve um abandono. É ponto básico para que se possa garantir uma participação ativa, em igualdade de condições com os principais grupos mundiais. Só participam de redes de pesquisa aqueles que têm estruturas que permitem sua participação, sem infraestrurura adequada é quase impossível.

Um segundo ponto, fundamental, é a conectividade digital. Esta é a via básica para a informação e o conhecimento nos dias de hoje. Não pode ser menosprezada ou ignorada, permitir o acesso, na velocidade e qualidade necessária, na articulação com os diferentes agentes da inovação, são pontos que não podem ser desprezados. Definir um programa nessa direção ajuda a planejar com segurança nosso futuro.

Dois programas em áreas ignoradas. Apoio á Políticas Públicas e Preservação de Acervos. Definem o compromisso da ciência, tecnologia e inovação com o Brasil em transformação. Preservando a memória e o material genético, patrimônios da nação, estimulando o repensar de nossa sociedade em bases científicas e tecnológicas mais avançadas. A Ciência como base do planejamento de ações estruturadoras.

Chamou-me muito a atenção. Um Programa para Repatriação de Talentos. Talentos que perdemos nos últimos anos por total desestímulo ás atividades de pesquisa e inovação. Que fez com que boa parte de nossa juventude mais brilhante não visse alternativas e se deslocasse para os centros hegemônicos. Lembro que em 1998, quando estive na China, havia um programa similar que parece ter trazido excelentes frutos. Para mim, uma novidade extremamente promissora.

Por fim, um terceiro foco. Houve, também, uma preocupação em atender as principais missões e desafios a que o atual governo se propôs. Neles se concentram os outros programas, eles articulam os caminhos futuros.

Uma preocupação com o perfil que se quer dar à industria no futuro. A preocupação em reindustrializar o País não em bases pregressas, mas pensando no mundo que queremos, com transição energética, com processos mais limpos. A indústria sustentável se faz presente e o conhecimento e a tecnologia têm enorme contribuição a dar.

A Amazônia é muito relevante em nossa inserção internacional. Repensar seu desenvolvimento com projetos que valorizem a floresta em pé, que dêem suporte para um processo em que as populações locais possam efetivamente ser beneficiadas desse ecosistema e inseridas, é outro caminho no qual o setor da investigação tem muito a contribuir.

Programa fundamental é o que se associa com a erradicação da fome. A Ciência já vem colaborando em muito com os avanços na área agrícola e na área de transformação e distribuição de alimentos. Consolidar um modelo que nos permita pensar novamente num país em que todos possam ter uma vida com um mínimo de dignidade, sem excluídos por não poderem ter as refeições diárias, é compromisso que tem de ser priorizado.

Um programa associado ao setor de Defesa e Segurança faz todo o sentido. Um país continental em que é fundamental garantir a soberania. Cadeias produtivas longas, com muitos aspectos em que a inovação passa a ser estratégica nos dias atuais. Foi sucateado precocemente, precisamos fortalecê-lo.

A volta do planejamento como base do agir para superar dificuldades, a definição de prioridades articuladas às missões maiores do desenvolvimento nacional, a compreensão das especificidades do setor evitando ações pontuais isoladas, fazem acreditar que o caminho a ser seguido é consistente e trará resultados. Observemos com otimismo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor