Humores do tempo

Pobre da Rosana Jatobá – a mulher do tempo da Globo: no elevador tem que dar notícias de como anda a zona de convergência do Atlântico Sul. E agüentar comentários do tipo: “Que calorão hein, Rosana! Você não avisou sobre esta fornalha!”. Sendo que ela própria não sabe qual das quatro estações terá de enfrentar, ao sair do prédio onde mora – tantas são as instabilidades da trepidante cidade espandongada onde mora.

Diante do assédio dos consulentes, muitas vezes tem que dizer que está de férias. O fato é que o mesmo clima que a uns anima, a outros arruína. Dá dó ver tempestades e tornados promoverem tamanha destruição nos campos e cidades do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Tanta gente trabalhadora e honesta, perdendo tudo o que tem. Falo o mesmo dos flagelados da seca, no semi-árido do nordeste, tendo que passar mais mal de boca do que já passam, no chão esturricado da aridez de deserto.

Falar em tempo sujeito a chuvas e trovoadas, é necessário assinalar que se a uns faz bem e dá prazer o sol arregalado em céu de brigadeiro, a outros (os que no agreste nordestinado vivem a esperar que chegue o inverno) isto soa como flagelo. O fato é que o sol, a chuva, o vento, gafanhotos e mosquitos, realidades tangíveis ou inacessíveis, são julgados segundo a ótica do interesse próprio, das conveniências pessoais, dos desejos de ocasião. Tempo ruim para o praiano é tempo bom para o nordestinado da caatinga. Cada cidade tem suas paisagens perigosas, quando não são perseguidas pelo descaso do erário. Cada região tem sua zona do agrião. Cada situação de cidade ou gente leva em si mesma seus conflitos, e a conlurbação de interesses.

Nas cidades que são balneário marítimo ou fluvial os chegados à encaloradas e ensolaradas areias vêem a chuva como maldição lançada por demônios estraga-prazer. Já os que, vivendo em áreas de risco, próximos a arroios e rios, em sopés de morros ou sítios sujeitos e deslizamentos de terra, franzem os cenhos, preocupados, só de verem nuvens carregadas formando colunas de tanques Panzer no céu. Sabem que correm perigo, enxergam a chuva como flagelo, ameaça ou castigo. Muito diferente dos que, vivendo longe das capitais, nas zonas do semi-árido, vêem nuvens grávidas de chuvas como bênçãos dos céus.

No nordeste é comum a figura folclórica dos profetizadores de chuva, demiurgos analfabetos advinhadores de chuva. Há quem adivinhe muita chuva ou chuva nenhuma pelo vôo das borboletas, pela ova dos peixes, e por tantos motivos risíveis, a que o povão concede um crédito imenso, que vem talvez do desespero de só ter aquilo como medida de sua esperança ou seu desespero. Outros, com uma varinha, indicam o lugar certeiro onde se pode furar uma cisterna: é água garantida, com selo de qualidade e garantia de não secar, a não ser que Deus queira. Não ser profeta do tempo pode custar ao caboclo ficar ao relento. Em lugar sujeito a tempestades, qualquer pingo a mais na soleira é sinal preocupante de desastre à vista. Quando não é o arroio subindo, é o granizo caindo. Dizem os psiquiatras que o tempo mexe com nossos humores, levando-nos à depressão ou à sensação de euforia e felicidade. A diferença está nos dias cinzentos, úmidos em demasia, ou nos dias ensolarados.

Dias cinzentos seguidos nos deixam de baixo astral. Sol e céu aberto fazem tão bem aos humores quanto um sorriso da sorte. Eu, brasileiro, confessou minha culpa, meu pecado: se vejo muito o que dizem as mulheres do clima, não é pelo tempo em si, mas pela bela figura que fazem. Meu Deus, pra que tanta moça do tempo, se sabias que eu sou fraco, se sabias que eu não sou Deus?

O fato é que mesmo recebendo boas ou más notícias (dignas de crédito) das belas mulheres do clima, que falam em acessível metereologuês, sobre as convergências e divergências do Atlântico norte ou do sul, precisamos nos valer do que nosso faro nos diz sobre o clima. Pelo sim pelo não, em tempo sujeito a chuvas e trovoadas, mesmo saindo de carro, é sempre bom levar o guarda-chuva, que mesmo tendo este nome, não foi feito para guardar a chuva, mas para nos proteger dela. E assim vamos remando e ralando, na moenda das horas, ou no tobogã dos dias, sempre a falar mal do tempo que não combina com nosso temperamento, ou com nossos compromissos. Como se tivéssemos poder de mando e controle sobre o vento, o sol e a chuva, e como se o tempo tivesse algum compromisso de não ofender nosso des-temperamento.

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