“Invasão de Domicílio”: Imigrantes sob suspeita

Diretor de “Paciente Inglês”, Anthony Minghella, traça um perfil das relações de imigrantes bósnios e de outras nações com a sociedade inglesa, em bairro da periferia londrina nos tempos atuais.

Dos grandes temas atuais, o da migração dos povos dos balcãs para as nações européias desenvolvidas é, sem dúvida, um dos mais importantes. Principalmente depois da guerra da Bósnia, em que sérvios e croatas se enfrentaram e deixaram feridas difíceis de serem cicatrizadas. Muitos deles procuraram se abrigar em países que os integrassem, de forma a superar as barreiras sociais e políticas enfrentadas em sua terra. Este sonho, no entanto, ainda está longe de se concretizar, como mostra o diretor inglês Anthony Minghella, em seu filme “Invasão de Domicílio”. São obrigados a viver em aglomerados onde estão outros marginalizados, dentre eles nativos e de outras regiões da Europa e, inclusive, de outros continentes. E as condições de vida, longe de serem satisfatórias, não são diferentes das que enfrentavam antes.
               


 


Em “Invasão de Domicílio”, Minghella tenta trazer para o debate a situação em que se dá a absorção dos emigrados bósnios pela Inglaterra. O faz a partir da história de dois arquitetos idealistas, Will (Jude Law) e Sandy (Martin Freedman), que montam sofisticado escritório em King´Cross, uma das regiões mais marginalizadas de Londres. Eles buscam desmentir as suposições de seus amigos de que seria perigoso trabalhar numa área povoada de imigrantes, alguns deles envolvidos com o crime organizado. Estar ali seria uma forma de contribuir para mudar a imagem do bairro e ajudar a comunidade estrangeira integrar-se na vida inglesa. Uma visão das mais apropriadas, não fosse a política excludente do governo Blair, não citado no filme, mais subjacente, pois a história se passa nos tempos atuais.


              



Conjuntos habitacionais são espaços claustrófobicos


              



Os imigrantes, sejam bósnios ou de outras etnias, são confinados em condomínios claustrófobicos, construções maciças, com aparência de casamatas, por onde se entra por corredores escuros e portas estreitas. E dá, por conseqüência, a aparência de gigantescas prisões, onde eles sobrevivem às próprias custas. Notadamente os jovens tratados como potenciais marginais, quando já não entraram direto nos pequenos delitos, caso de Miro (Rafi Gavron), que vive com a mãe Amira (Juliette Binoche). A marginalidade, então, não é criada pela estrutura social apenas, mas pelo modo como eles são vistos. Então, a idéia de Will e Sandy traduz a consciência de que é preciso remar contra a corrente. Além dos imigrantes estão nas proximidades todo tipo de marginalizado, do imigrante ao afro-descendente, do subproletário à prostituta.
              


 


É um desafio e tanto, levar adiante a narrativa ligando os fluxos da história. Logo na primeira noite, o escritório deles é roubado, mas não desistem. Há um desafio a superar e querem estar à sua altura. Este é também o desafio de Minghella como roteirista e diretor, tratar da marginalização dos imigrantes dos países subdesenvolvidos europeus e denunciar a situação em que vivem. Começam aí os problemas de “Invasão de Domicílio”, Minghella mescla ao tema outros tantos entrechos, que não contribuem para elucidar a trama e tampouco para ampliar suas preocupações com o problema maior a que se propõe expor. São muitas vertentes, espécie de tentativa espelhar os conflitos conjugais e interiores vividos por Will. A complicar está a busca por ele empreendida de resolver por conta própria a invasão e roubo de equipamentos de seu escritório. Uma maneira encontrada pelo diretor para ligar os fios de sua narrativa e reforçar o tema central do filme.


              



Will usa Amira, que se mostra esperta e frágil


              



Nessa procura solitária, descida ao interior do aglomerado para mostrá-lo por dentro, não se completa. Will encontra Amira, costureira, e com ela inicia um atormentado romance. Uma impossibilidade entre dois seres de classes diferentes, com preocupações e interesses adversos. Eles não dialogam, a partir de suas realidades, apenas se deixam envolver, até as intenções de Will ficarem claras e Amira se sentir usada. Minghella, seguindo a cartilha hollywoodiana, parte da crise do casamento de Will com a sueca Liv (Robin Wrigth Penn) e do difícil relacionamento com a enteada adolescente, Kate (Anna Chancelor), para justificar o caso dele com Amira. Ela, porém, não é inocente, tece suas armadilhas para não ser ludibriada. Nas circunstâncias em que vive perdeu a confiança no outro e na capacidade de ele aceitá-la, sem que termine desolada.
               


 


Mas Will não se contenta só com a Live Amira, distrai-se à noite com a prostituta Oana (Vera Farmiga). É, assim, volúvel, embora tenha suas razões para estes vários relacionamentos, que o público descobre à medida que o filme se desenrola. Ele, na verdade, quer é proteger seu patrimônio e usa Amira e Oana para conseguí-lo. Toda falação sobre integrar-se ao ambiente marginalizado de King´s Cross se esboroa. O próprio Minghella diz, em entrevista (1), que “a trama é uma desculpa para abordar a solidão e a incompreensão da sociedade atual, algo que só conseguiremos resolver com um pouco mais de compaixão”. 


            



Trama com imigrantes reforça paixão por Liv


             



A montagem do escritório nesse bairro é tão só um entrecho dramático para permitir a aproximação de Will com Amira. O faz usando a carpintaria dos filmes policiais, caracterizando Miro como inadaptado. Mas o que vale para Will, mesmo, é reatar, em bons termos, sua relação com Liv, com quem coabita, sem compromisso maior. Toda armação extraconjugal, os imigrantes, os marginalizados que circulam pelas proximidades de seu escritório, são, em última instância, fios que reforçam as barreiras que Will terá de superar para reconquistar Liv. No fundo, em “Invasão de Domicílio”, Minghella retoma o tema de seu filme “Um Romance do Outro Mundo”, em que Matt Dillon tenta reconquistar Anabella Sciora, disputada por outros pretendentes. Amira, ao entrar na história, o faz para contrapor dois universos: o de sua solidão como imigrante e o da incapacidade de Will de vê-la para além dessa situação. Portanto, verdadeiro páreo para Liv. O diretor usa, então, o subtema da imigração bósnia para contextualizá-los.
              



Este entrecho termina por ser uma tentativa de dotar a história de força suficiente para o entendimento do problema dos refugiados, a partir das relações amorosas. É justamente neste aspecto que a narrativa se mostra frágil, carecendo de veracidade, devido à abordagem policialesca dada por Minghela. Ele fica na superfície, mostra os bósnios como ameaça; incapazes de escapar ao estereótipo do imigrante marginal. O garoto Miro, atormentado pela ausência do pai, é elogiado pelo irmão deste, seu tio, Orit (Romi Aboulafia), que, por sua vez, humilha seu primo diante dele. Orit comanda-os com brutalidade, enquanto outros entrechos que apontem para a integração inexistem.


              



Personagens não se definem em sua relação com imigrantes


              



O personagem positivo, o de Amira, é interpretado por uma Juliette Binoche charmosa, traduzindo com sua costumeira competência a simplicidade de uma mulher do povo. Mas não é menos atormentada que Liv, às voltas com a filha com problemas motores e o marido volúvel e inconstante. Mesmo a negra, Erika (Caroline Chikezie), faxineira do escritório de arquitetura, cortejada por Sandy, tem seus momentos de tormento. Sandy a quer, porém não se abre, tranqüilizando-a quanto a suas intenções. Ambos traduzem, de forma indireta, a indecisão do diretor-roteirista de levar as relações amorosas de Will e de Sandy às últimas conseqüências. Ou seja, de ambos deixarem seu estruturado mundo para viverem com Amira e Érica em ambientes diferentes dos seus. Desta forma, a integração entre os ingleses, a migrante e a marginalizada se completaria.


           



Em suma, poderia ser um belo filme sobre diferenças culturais, cada um com seus atrativos, sem cair no multiculturalismo que mais distancia que unifica. Ou, quem sabe, uma denúncia sobre como as políticas de absorção de imigrantes de países subdesenvolvidos da União Européia fracassam. Não é, no entanto, nem uma coisa nem outra. Demonstra os vícios de cineastas dispostos a abordar grandes temas a partir de entrechos costumeiros, cheios de chavões melodramáticos, hollywoodianos. Isto fica evidente no desfecho de “Invasão de Domicílió”, quando Minghella usa artifícios batidos para elucidar a trama. O resultado é frouxo, inconsistente. Deixa pela metade a questão bósnia e caminha para um happy-end, ainda mais artificial.


             



Está longe de ser uma demonstração do caminho pelo qual se inclinam as relações entre os povos, no continente europeu. O da aceitação das diferenças. Pelo contrário, comprova, sem querer, o alastramento da intransigência, do racismo, da marginalização forçada de amplos segmentos sociais dos mais diferentes povos, sejam eles do Terceiro Mundo ou das nações subdesenvolvidas da Europa, ainda que integradas à Comunidade Européia. Não é, admita-se, um exemplo a ser seguido por outras nações, muito menos em abordagens cinematográficas que se mostrem responsáveis.


 



“Invasão de Domicílio” (Breaking and Entering). Drama. EUA/Inglaterra, 2006, 120 minutos. Direção/roteiro: Anthony Minghella. Elenco: Jude Law, Juliete Binoche, Martin Freeman, Robin Wright Penn.


 


(1) Guerini, Elaine, Minghella volta a filmar seus roteiros, Spoiller, Estado de São Paulo,site Terra, 16/07/07.

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