Isolamento e solidão de Bolsonaro e desespero dos militares

Com os escândalos revelados pela CPI da covid e o número de mortos pela pandemia no Brasil, a popularidade de Bolsonaro cai a cada dia e cresce seu isolamento

Fotomontagem feita com as fotos de: Gabriela Bilo/Estadão e Emmet/Pexels

Um interessante documentário que está disponível na Netflix é “Hitler, uma carreira”. A produção apresenta a trajetória do personagem nazista desde a ascensão como líder partidário, a conquista do poder, os megadesfiles militares e discursos a multidões, até a derrocada do regime que levou Hitler a uma situação de total isolamento e solidão, cercado tão somente por seus generais e alguns poucos serviçais como Goebbels. A trajetória do Führer se encerra com seu suicídio em um bunker em Berlim.

Acho exagero comparar Bolsonaro a Hitler, a começar pelo fato de que, possuindo incomum capacidade oratória, o líder nazista demonstrava ter capacidade intelectual, algo que Bolsonaro absolutamente não tem. Bolsonaro, no máximo, pode ser qualificado como um arremedo do ditador alemão. Procura seguir os mesmos passos, porém o mais perto que chegará de Hitler, ao que tudo indica, será terminar seus dias de governante na mais profunda solidão, cercado tão somente por seus generais derrotados. Bolsonaro, desde o início do governo, nunca esteve tão isolado e desgastado e precisará de um milagre para recuperar algum espaço.

Não há governo que sustente popularidade com a economia em frangalhos e não há aliado de ocasião que se mantenha fiel a um governo impopular. Portanto, uma recuperação de Bolsonaro e a manutenção do Centrão como base depende, em primeiro lugar, de uma recuperação da economia, algo que é muito pouco provável, e eu diria impossível até as eleições de 2022.

Ainda que a sociedade brasileira recupere a normalidade da vida para retomar as atividades econômicas, é impossível que a perda de mais de 600 mil vidas não tenha repercussão tanto nos níveis quanto na velocidade dessa retomada em todos os campos. Como já comprovado, não há outra forma de enfrentamento à pandemia senão a vacinação e, na mais otimista das previsões, admitindo-se que o calendário do “tal do Queiroga” seja implementado integralmente, só teríamos um percentual aceitável da população vacinada lá pelo final deste ano, início do ano que vem. Isso é pouco provável.

Com os escândalos revelados pela CPI da covid e o número de mortos pela pandemia no Brasil, a popularidade de Bolsonaro cai a cada dia e cresce seu isolamento
Foto: Sérgio Lima/Poder 360

Em países onde o processo de vacinação está mais avançado, a vida tem demonstrado que a imunização alivia rapidamente as UTIs e reduz o número de óbitos e hospitalizações, mas o controle efetivo da disseminação do vírus é mais lenta do que se esperava. Aliados a esse aspecto e em decorrência dele, outros fatores imprevistos que poderão prolongar a crise sanitária não são descartáveis, como, por exemplo, o surgimento de novas cepas imunes às vacinas existentes. No caso brasileiro, tendo em conta esses fatores e a lentidão da vacinação, poderemos atravessar o ano de 2022 sem termos superado minimamente a atual crise sanitária e, consequentemente, a econômica.

Paulo Guedes tenta demonstrar otimismo às elites com a possibilidade de pífio crescimento do PIB em torno de 5% neste ano. Pífio porque se trata de mera recuperação parcial da brutal queda decorrente da pandemia e está longe de significar uma reversão da tendência recessiva que se prolonga há pelo menos cinco anos. Mas mesmo que ocorra tal crescimento, estes 5% beneficiarão no máximo alguns segmentos das elites e não chegarão na ponta, que é a classe média empobrecida e endividada e a imensa maioria da população já em condições de verdadeira miséria. Sob o tacão da falta de política econômica de Paulo Guedes, as milhares de pequenas e médias empresas que faliram e estão falindo durante a crise sanitária não se recuperarão, o desemprego continuará crescendo, a inflação permanecerá acelerando. Ainda que Bolsonaro, seus generais e Guedes tivessem a capacidade de formular um plano emergencial, pois é isto que o país necessita neste momento, não reúnem mais forças e nem credibilidade para implementá-lo.

Em 2020, a imposição de um auxílio emergencial de seiscentos reais pelo Congresso, do qual Bolsonaro se apropriou, foi capaz de recuperar parcialmente a popularidade do governo. Nas condições atuais, um auxílio que mal dá para comprar um botijão de gás, longe de trazer popularidade, será mais um fator de desgaste. Aliás, simbólico do isolamento do governo foi o deprimente anúncio da prorrogação do imoral auxílio. Diferente das pomposas solenidades de anúncio da criação e depois da prorrogação dos seiscentos reais, com grande público, desta feita, sentados a uma mesa, o anúncio foi feito por Paulo Guedes, tendo ao seu lado o general Ramos, Bolsonaro ao centro, sem falar absolutamente nada, Rodrigo Pacheco visivelmente constrangido e mais duas pessoas.

Ministro da Economia, Paulo Guedes, conversa com Bolsonaro I Foto: CBN

O barco do governo afunda, prisioneiro da política econômica de Paulo Guedes e sem outra alternativa que possa substituí-la. O naufrágio se acelera ainda mais com as revelações da CPI da Covid. Começam a vir à tona os porões deste governo que é a imagem de seu mandatário, o rei das rachadinhas. As evidências de corrupção na compra de vacinas demonstram que, absurdamente, o ex-secretário executivo do ministério, coronel Élcio Franco, chegou a receber um cabo da polícia militar para falar do assunto, como suposto representante de um dos maiores laboratórios do mundo, assim como, que um diretor do ministério, cargo de terceiro escalão, designou um insignificante pastor evangélico, sem absolutamente nenhum cargo, como representante do governo para aquisição de imunizantes de uma empresa trambiqueira internacional.

Com o naufrágio do governo fracassa também o projeto de poder dos militares. O envolvimento das Forças Armadas com o projeto Bolsonaro, idealizado por Villas Boas, Mourão, Braga Netto, entre outros generais, já manchou profundamente a imagem das corporações militares. As evidências de corrupção na saúde se aproximam cada vez mais do coronel Élcio Franco e do general Pazuello, além de que em todos os casos sempre há pelo menos um coronel envolvido. A CPI vai demonstrando que a militarização imposta no Ministério da Saúde promoveu não só uma política sanitária genocida, como também envolveu militares no lamaçal das propinas. Isso que estamos falando só de vacinas, já que a CPI deixou de lado a questão da cloroquina, que supostamente teve sua produção quintuplicada pelos laboratórios do exército, o Ministério da Saúde fez importações absurdas desse medicamento em 2020 e há 120 dias os portadores de lúpus não encontram hidroxicloroquina nas farmácias da Secretaria da Saúde do DF, com situação provavelmente semelhante nos demais estados.

Bolsonaro, no seu isolamento e solidão cada vez mais profundos, procura mobilizar suas bases elegendo o sistema eleitoral como a bola da vez. Afirma que caga para a CPI e que se a eleição presidencial do ano que vem não for pelo voto impresso, não terá eleição. Os comandos militares, que deveriam distanciar as Forças Armadas do governo e se adiantar na punição de seus membros envolvidos com desmandos, fazem o caminho exatamente inverso. Absolveram Pazuello, participaram de reunião no Palácio do Planalto para monitorar manifestações contra o governo, manifestaram indignação pelo fato de a CPI estar apontando envolvimento de militares e ex-militares na corrupção das vacinas e, se não fosse suficiente, o comandante da Aeronáutica foi à imprensa fazer ameaças golpistas. O desespero bateu na caserna e, se de Bolsonaro podemos esperar tão somente bravatas, não podemos subestimar ameaças de quem tem armas nas mãos, pois podem produzir um desastre ainda maior do que aquele ao qual se associaram. Toda a atenção e unidade em defesa da democracia é fundamental neste momento.

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