Israel, Estado racista

Quando esta coluna estiver no ar nesta quinta-feira, já terá tomado posse Benjamin Netanyahu, sionista de extrema direita, no governo de Israel. Não há novidade no front sobre esse tema, por isso, dedicar-me-ei a comentar com nossos leitores, dando-lhes m

Uma frase bombástica


 


 


Sou leitor assíduo dos artigos do escritor Uri Avnery. Na semana que passou, um desses textos comentava, em particular, uma frase proferida num processo judicial movido por advogados israelenses (1). Trata-se de um processo em que discutia-se uma das leis mais racistas e discriminadoras existentes em Israel, como tantas outras. Tal norma jurídica determina que a esposa de um cidadão árabe-israelense (portanto palestino), não possa se unir ao seu marido se ele viver nos territórios ocupados ou em um “país árabe hostil” (sic).


 


 


É da tradição árabe e também judaica, unir-se a pessoas de uma mesma família ou clã, para que a unidade familiar mantenha-se coesa, como dizem antropólogos. Segundo Avnery, a bíblia registra o casamento de Rebeca com Isaac, seu primo (Isaac, como reza a lenda é um dos filhos de Abrão ou Abraham, que também gerou Ismael, patriarca dos árabes em geral).


 


 


Ora, quando da guerra de ocupação e expansão do projeto sionista ocorreu em 1948 – a primeira de várias que Israel faria contra os palestinos para tomar as suas terras – várias famílias ou clãs ficaram irremediavelmente divididas. Em algumas localidades, aldeias, tribos, comunidades palestinas foram divididas ao meio e membros de muitas famílias ficaram separados. O destino os uniria posteriormente. Casar ou morar com a esposa em uma situação dessas é das coisas mais difíceis.


 


 


Hoje vivem em Israel em torno de 1,2 milhão de palestinos que possuem cidadania israelense. Esse debate é forte entre os sionistas. Uma grande parte segue defendendo contra que essas pessoas possuam cidadania em Israel. Esse foi um dos temas centrais da campanha de 10 de fevereiro. E não só a extrema direita fascista se coloca contra essa cidadania, mas sionistas ditos moderados e mesmo os considerados de “esquerda”.


 


 


Quando ocorrem esses casamentos a coisa mais difícil que pode existir é a esposa vir morar em Israel e tornar-se cidadã como seu marido, ainda que de segunda classe, como todos os palestinos e árabes são tratados em Israel. Mas pode ocorrer o inverso, a mulher ser cidadã israelense e o homem – marido – viver em acampamentos de refugiados ou em territórios ocupados. A mudança desse palestino para Israel poderia alterar, segundo os defensores dessa lei discriminadora, o já frágil equilíbrio populacional em Israel, onde palestinos são 20% da população.


 


 


Não há, segundo Avnery, estatísticas confiáveis sobre esse contingente de pessoas que se casa dessa forma, clânica como se diz. Uns falam em apenas 20 mil pessoas e outros, mais alarmistas falam em cem mil palestinos nessas condições. Todos os homens palestinos que se mudariam para Israel poderiam ser considerados “terroristas” em potencial e um perigo para a “segurança” de Israel.


 


 


Esse debate chegou há pouco tempo á Corte Suprema em Israel, levados por advogados judeus e árabes. Os argumentos é que essa Lei agrediria a Lei Básica de Israel (que não possui constituição escrita), que fala em igualdade entre todos os cidadãos. Quem fez a defesa da legitimidade e legalidade da referida Lei foram os advogados do ministério da justiça. E, pela primeira vez, de forma clara e inequívoca, escreveu-se assim na defesa do Estado de Israel: O Estado de Israel está em guerra contra o povo palestino, povo contra povo, coletividade contra coletividade (sic).


 


 


Fiquei tão estarrecido quanto Avnery quando li essa frase. É a primeira confissão de forma clara e pública, assumida, por gente do governo e do Estado, de que ali se trava uma guerra e que aos palestinos não será dado trégua alguma. Ao contrário. É uma questão de sobrevivência de Israel e que palestinos devem ser tratados como inimigos de estado.


 


 


Interpretação e consequências


 


 


Claro, muitas interpretações podem-se tirar de uma frase como essa, retirada em meio a um processo judicial, como centenas que devem estar em curso em Israel neste momento. Mas, atrevo-me, na linha de Avnery, a tirar as minhas pessoais também. Ora, se Israel esta em guerra contra palestinos, guerra aberta e descarada, cada palestino, não importa de que idade, de que gênero, de que origem, será sempre um inimigo pessoal de Israel e poderá comprometer sempre a segurança de estado.


 


 


Há um filme estadunidense, cujo título é “Razões de Estado”, suspense excelente, na linha das teorias conspirativas da história mas que achei interessante.  Cometem-se crimes e diversas brutalidades em nome das “razões de estado”. Poderia dizer que um processo muito parecido com esse vive-se em Israel hoje.


 


 


Nesse ponto, estou de acordo também com Nimer Sultany quando afirma que “o sionismo não pode ser reduzido à extrema direita sionista. Liebermann não é uma anormalidade” (2). Iludem-se os que acham que apenas os fascistas que ocuparão cargos no governo israelense de Netanyahu são contra a cidadania aos palestinos que moram em Israel. Essa é uma posição histórica dos sionistas e mesmo os ditos de “esquerda” e vão ganhando terreno cada dia mais. Cresce hoje em Israel a posição racista, discriminadora que vai negar cada vez mais direitos aos palestinos, vai endurecer nas negociações de paz e vai negar completamente o Estado palestino em qualquer quantidade de territórios, sejam eles fronteiras de 1967 ou outras terras.


 


 


Essa posição assinada por advogados do ministério da (in)Justiça de Israel não é nova nem foi inventada agora, como diz Avnery. Ela é historicamente dos sionistas, só que agora ficou mais clara, cristalina. Não há mais como negar que o grande objetivo final e pleno do movimento colonizador sionista é manter e aprofundar cada vez mais o caráter judeu do estado de Israel, ou seja, expulsando por completo os mais de um milhão de árabe-palestinos ou tornando-os escravos, cidadãos de quinta categoria. Querem um estado judeu etnicamente completamente homogêneo.


 


 


Perspectivas


 


 


Netanyahu, que já governou Israel como primeiro ministro, mesmo Liebermann que aparece como “novo” na política, mas também já exerceu cargos, tomou posse nesta terça-feira, dia 31 de março. Terá ampla maioria parlamentar, com seis partidos, inclusive os trabalhistas que, imagino, vão definhar cada vez mais. Mas, não haverá unidade política nesse ministério. Serão seis posições completamente díspares, muitas vezes opostas. Não haverá ponto de equilíbrio. Até o cobiçado ministério das Finanças, será acumulado por Netanyahu, que não indicou ninguém ainda.


 


 


Assim, salvo posição de muita força do governo Obama com a diplomacia estadunidense nas mãos de Hilary em conseguir dobrar muitas lideranças sionistas e o poderoso lobbie judaico americano, não há perspectiva de paz para o Oriente Médio e para a Palestina em particular.


 


 


De nossa parte, seguiremos com firmeza, amplamente solidários com o povo palestino e apoiando-os em todas as suas lutas, bem como as suas entidades e lideranças, sem nunca entrarmos nas questões internas da condução dessas próprias lutas, pois são questões que só o próprio povo palestino pode discutir e implementar no calor das lutas e dos combates pela libertação de suas terras.


 


 


Notas


 


 


(1) Trata-se do artigo A frase do Ministério da Justiça de Israel, de 21 de março, que pode ser encontrado em inglês no endereço http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1237674669/ e que nos chegou traduzido por Caia Fittipaldi.


 


(2) artigo de mesmo nome publicado em 24 de março no endereço http://electronicintifada.net/v2/article10420.shtml


 

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