“Jogo de Poder”: Trapaças de Bush

Filme do diretor estadunidense Doug Liman mostra como George W. Bush montou dossiê sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddan Hussein.

O filme “Jogo de Poder”, do diretor estadunidense Doug Liman, poderia ser um bom thriller político, com suspense de tirar o fôlego. Ingredientes não faltam: intriga, perseguição, guerra, traição, na ascensão e queda da agente da CIA (Central de Inteligência Americana), Valerie Plane Wilson (Naomi Watts). Com seu estilo picotado, cheio de ação, como em “Sr. e Sra. Smith” e “Identidade Bourne”, o que vale no cinema de Liman é o uso que ele faz da montagem. Está mais presente que a câmera, os personagens, os cenários, ação mal apreendida dos filmes de John Woo (“Fervura Máxima”). Seus filmes então viram correria, pancadaria e muitos efeitos especiais.

O cineasta e teórico russo Sergei Eisenstein (1898/1948), em “Encouraçado Potemkin”, mostra como causar impacto com a montagem, articulando sequências, dotando-as de conteúdo, fazendo a mensagem emergir. A isto acrescenta choques, ansiedades, expectativas, sonhos, frustrações dos personagens, para dar vida à obra. Uma discussão, sem dúvida, para os que apreciam técnica de cinema, mas necessária em “Jogo de Poder”. Isto porque Liman faz o filme andar rápido, não dando tempo para o espectador absorver a trama, o diálogo, o ambiente (cenário), enfim participar da ação. Muitas vezes há uma boa composição de cena, mas ela dura pouco e o que era importante perde o efeito.

O que é lamentável, pois a história de Valerie Plane é das mais explosivas. Ela foi recrutada quando estava na universidade e se tornou organizadora de várias ações da CIA na Ásia e Oriente Médio. A ela foi dada a tarefa de montar o dossiê que sustentaria a denuncia de Bush, de que Saddan Hussein tinha um centro de produção de armas de destruição em massa. Bush retomou, desta forma, a acusação de que o Iraque tinha arsenal nuclear, feita durante o mandato de seu pai, George H.W.Bush, como presidente dos EUA (1989/1993). Na Guerra do Golfo, em 1991, estas supostas instalações foram destruídas pelas forças estadunidenses.

É nesta bomba que Valerie Plane acaba envolvendo o marido Joseph “Joe” C. Wilson (Sean Penn), ex-embaixador no Gabão, ex-assessor de segurança nacional no governo Bill Clinton (1993/2001), agora aposentado. Toda essa articulação permanecia encoberta até Bush afirmar pela TV, com a ajuda do então primeiro-ministro Tony Blair, que “Saddan tinha mesmo armas de destruição em massa”. 

Falta contundência à
denuncia de Liman

A trapaça leva Joe Wilson a publicar no jornal New York Times o artigo “O que eu não encontrei na África”, que desencadeou reviravoltas, traições e choques nos gabinetes da CIA e da Casa Branca, e entre ele e Valerie. Liman e seus roteiristas Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, a partir dos livros “Fair Game” (“Jogo Limpo”), de Valerie Plane, e de “The Politics of Truht” (“Políticas da Verdade”), de Joe Wilson, conduzem esta trama com fria linearidade. Inexiste emoção. O espectador não se liga à trama principal e às subtramas, devido à rapidez não da ação, mas da montagem, como se apenas isto importasse.

As melhores sequências são as de “bastidores”, como a discussão entre o assessor da presidência, Liddy Scooter (David Andrews) e um dos chefes da CIA. Liddy acusa a agência de não saber nada sobre o projeto de Saddan, ao que o outro retruca, afirmando que não há nada confirmado sobre o suposto arsenal de armas de destruição em massa. A CIA, momentamente, surge como “boazinha”, impressão desmentida quando ela é enquadrada por Bush. Desta forma, Liman embarca numa simpatia pela agência, conhecida pela desestabilização e chantagens com governos e lideranças mundo afora. Não há como limpar sua imagem, mesmo que o espectador simpatize com Valerie, mais pela beleza e delicadeza de Naomi Watts, do que por ela mesma.

No entanto, Liman às vezes usa da ironia para denunciar a falcatrua de Bush. Durante discurso na ONU, Bush fala sobre a necessidade da paz, enquanto as forças estadunidenses bombardeiam Bagdá. Mostra suas verdadeiras intenções quando é desmascarado e entrega Valerie às feras direitistas, que a caçam e a Joe onde estiverem. Inclusive jogando nas costas dela a culpa pelo abandono do cientista iraquiano Hammad (Khaled Nabamy) e a sua família, a quem havia prometido segurança. Este abandono desnorteia Valerie, seu casamento entra em crise, permitindo a ela e a Joe mudarem suas visões, transmitindo afeto, mostrando-se humanos. Valerie, que o havia deixado, retorna e ambos descobrem que a única saída era ficarem juntos.

Liman termina, assim, fazendo um mosaico do “caso Valerie Plane”, sem dotá-lo de denúncia efetiva. Isto porque ela, ao contrário de Joe Wilson, não é uma personagem simpática, carrega nos ombros várias articulações da CIA. Não é inocente, ainda que tenha sido usada por Bush. Liman atenua esta contradição ao sobrepor a sobrevivência do casal à sua permanência na CIA. Fica a impressão de que no final tudo é feito para evitar a destruição da família estadunidense e principalmente do sistema de poder dos EUA.

Jogo de Poder” (“Fair Game”). Drama. EUA. 2010. 108 minutos. Roteiro: Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, baseado nos livros “Fair Game”, de Valerie Plane, e “The Politics of Truht”, de Joseph C. Wilson. Fotografia/direção: Doug Liman. Elenco: Naomi Watts, Sean Penn.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor