“Liberte os urubu!” da Bienal do espetáculo
A 29ª Bienal de Artes de São Paulo foi inaugurada no último dia 25/09, com mais de 800 trabalhos de 148 participantes. Dias antes de sua abertura, já freqüentava as páginas dos jornais e os noticiários televisivos, transformando-se no que gosta de ser: um espetáculo.
Publicado 27/09/2010 11:51
Antes de qualquer coisa, vamos narrar três fatos ocorridos nestes últimos quinze dias, cujo centro é a Bienal:
1 – a OAB-SP oficiou um parecer junto ao Ministério Público solicitando que as obras do artista Gil Vicente fossem retiradas da exposição por incitação ao crime. São desenhos realizados entre 2005 e 2010, onde o autor aparece com um revólver ameaçando figuras políticas nacionais e internacionais, incluindo o papa. Curadores e autor protestaram.
2 – o argentino Roberto Jacoby teve suas duas obras retiradas da mostra, por solicitação do Tribunal Regional Eleitoral, por serem consideradas propaganda eleitoral. Ocorre que o argentino colocou duas fotos gigantescas de um carrancudo Serra e uma empolgante Dilma vestida com trajes coloridos. Autor protestou, curadores apoiaram o TRE.
3 – No dia da inauguração, um garoto com um spray, ao final do dia, sorrateiramente rasgou a tela protetora de uma instalação de Nuno Ramos, que mantém três urubus vivos dentro de um viveiro no vão central do prédio. O rapaz invadiu aquele espaço e escreveu simplesmente: “Liberte os urubu!” (sic) Logo em seguida uma confusão se armou e algumas pessoas, entre elas o pichador, foram parar na delegacia. A Bienal encerrou a visita do dia antes da hora, e a curadoria da Fundação Bienal emitiu uma “nota de repúdio” contra o ato de Rafael Pixobom, nome do rapaz.
O que significa tudo isso? Vamos recordar um pouco da história da Bienal
Em 1951, o Museu de Arte Moderna de São Paulo lança a I Bienal Internacional de Arte da América Latina com 1.800 obras de 20 países. A ideia, presente nas artes desde o começo do século em Paris e em Moscou, era modernizar as artes plásticas, ideia esta que se multiplicou em todos os ismos dos movimentos modernistas mundo a fora. Nas primeiras bienais de arte de São Paulo, artistas de renome internacional foram apresentados ao público brasileiro: Pablo Picasso (trazendo em 1953 a sua obra “Guernica”), René Magritte, George Groz, Paul Klee, Mondrian, Jackson Pollock, os expressionistas alemães, e mesmo artistas como Van Gogh. Dos artistas nacionais destacaram-se Portinari, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti, Lívio Abramo, Tarsila do Amaral, etc. Impossível citar todos os grandes artistas que expuseram suas obras nas Bienais do passado.
Pulando rapidamente para o momento presente. Ontem fui visitar a 29a Bienal de São Paulo no pavilhão do Ibirapuera. Os curadores tinham anunciado a participação de artistas de vários outros países e que o tema deste ano seria “Arte e Política”. Fui, com minha câmera fotográfica, para ver o que vinha por aí. Fazia muito tempo – uns 10 anos – que eu tinha desistido de ir às bienais. Pela mesmice das obras, pela repetição cansativa, e pela ausência de obras representativas das belas artes, nacionais e internacionais. A bienal se transformou em mais um apêndice do sistema monopolista das artes atuais, onde predomina quase absoluta a chamada arte conceitual.
Foi o que vi por lá ontem. Instalações que repetem padrões que vêm desde as primeiras instalações de cem anos atrás, ou seja, já não há mais novidades, apenas “releituras” nauseantes (arte contemporânea?); vídeos extremamente chatos (imagine colocar uma câmera num ponto estratégico da avenida Paulista e deixá-la lá por horas filmando o trânsito chato de São Paulo – e isso é apresentado como arte!); fotografias, fotografias espalhadas por todos os vãos do prédio, confundindo o público, que pode se perguntar: isto é uma Bienal de fotografia? E eu acrescento: será que já não se sente uma espécie de saudade da pintura figurativa e por isso a chamada arte contemporânea está repleta de fotografias? (fotografias figurativas, diga-se de passagem!)
Mas não é só e apenas isso. Falta o elemento principal presente no sistema de arte hoje, que inclui a Bienal de São Paulo: há o ESPETÁCULO! Sim, senhores, numa sociedade pós-moderna como a nossa que espetaculariza tudo, nada mais coerente do que a espetacularização atingir as artes visuais.
É aqui que chegamos para tentar explicar o que aconteceu com os três fatos acima citados. Gil Vicente somente conseguiu expor seus agora famosos desenhos não porque eles tivessem qualidade técnica (que os têm – mas isso não é mais importante para a curadoria de arte atual), mas exatamente porque eles iriam “causar” polêmica, quando propõem a morte do papa, do Lula e do Ahmadinejad. O argentino, que não se sabe se sabe desenhar ou pintar, expertamente copiou e colou fotos de Serra e Dilma da internet, ampliou-as para os quatro metros de altura e aí está: conseguiu se sobressair, pois o TRE e os curadores disseram um NÃO, não às fotografias, mas à tentativa dele de apoiar Dilma. E o terceiro acontecimento, o do garoto com o spray na mão atacando a obra de Nuno Ramos, nada mais é do que uma reação de violência natural à violência da instalação que apresenta peças enormemente marrons, escuras e feias, em cujo topo das quais ele resolveu colocar três pobres urubus vivos. Por que? Será que não seria melhor, já que quer falar da violência na cidade, pintar um quadro que também contivesse três urubus pintados?
Para concluir, digo que realmente Afonso Romano de Sant’Anna, poeta e crítico de arte, tem razão: a instituição Bienal já era! Ela está dando seus últimos suspiros na Bienal de Berlim (que visitei em julho deste ano, completamente sem público, porque os alemães estavam mesmo é formando fila para ver obras de qualidade nos museus), e resiste ainda na Bienal de Veneza. Aqui em São Paulo, já deu sinais de exaustão, de morte ainda não anunciada, porque os técnicos que administram a Fundação Bienal querem de fato tornar a instituição uma grande fonte de renda! Fonte de inspiração, de beleza, de reflexão, de contemplação, de enlevamento da alma humana, sentimentos produzidos pela Arte verdadeira, já não são valores que interessam ao sistema da arte atual. Os valores são outros: os das Bolsas de Valores.