Lula, a BIP e o juiz turbinado

Submetido a provocações destemperadas do juiz Marco Aurélio Mello, o presidente Luis Inácio Lula da Silva reagiu à altura. Apesar da aspereza, Lula manteve a coerência. Foi um bom teste. Com a aproximação das eleições de 2008 — uma espécie de primeir

Autocontrole e sangue frio constituem requisitos essenciais para quem tem por missão comandar o Brasil nas circunstâncias impostas ao atual governo. Essas duas qualidades o presidente Luis Inácio da Silva mostrou claramente possuir ao longo das sucessivas crises políticas lançadas contra ele. Mas na semana passada Lula foi obrigado a bater duro para deixar bem demarcado o que é opinião juridica e o que é opinião política no embate que se trava atualmente entre situação e oposição no país.


 


O presidente respondeu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que teria criticado o programa ''Territórios da Cidadania''. ''Seria bom se o Poder Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele, o Legislativo apenas nas coisas dele e o Executivo apenas nas coisas dele. Nós iríamos criar a harmonia estabelecida na Constituição'', afirmou o presidente da República. O ministro é um notório militante do que já foi chamado pelo acrônimo de BIP (Busca Insaciável do Problema)


 


Líder da UDN no Supremo


 


Mello, tido por um dos seus pares como “líder da UDN” no Supremo, é sabidamente um adorador de holofotes, câmaras e microfones. E a mídia brasileira, em franca campanha eleitoral contra o campo governista, gosta de pedir suas opiniões sobre todos os assuntos. Assim, ele comenta desde a seleção brasileira de futebol até detalhes culinários. No meio, invariavelmente há os comentários políticos polêmicos. O ministro é o típico homem da eficácia, aquele que coloca os resultados sobre os princípios — um legítimo adepto da BIP.


 


A revista CartaCapital do dia 15 de fevereiro de 2008 traçou um perfil de sua personalidade e posições políticas numa alentada reportagem de sete páginas intitulada ''Toga Turbinada''. CartaCapital revela que o ministro possui uma mansão em Brasília onde cria cachorros, galinhas e até um cavalo num bem cuidado jardim do terreno de 12 mil metros quadrados. Segundo a revista, o primeiro ser que se avista quando um dos seguranças da casa ergue o portão de madeira é um pavão.


 


Algumas de suas decisões, no entanto, parecem extraoplar o limite da autopromoção. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando ele concedeu habeas corpus ao banqueiro Salvatore Cacciola, em 2000, que aproveitou a deixa para se refugiar na Itália. CartaCapital revela que a decisão sobre Cacciola não agradou ao então presidente da Casa, Carlos Velloso — Mello havia concedido o habeas corpus na ausência de Velloso, que revogou a liminar imediatamente depois de voltar, mas o banqueiro havia fugido.


 


Fidelidade partidária


 


A revista lembra que Mello e Cacciola foram vizinhos em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. CartaCapital pergunta se seu salário de ministro dá para tanto — uma casa enorme em Brasília e um apartamento no Rio de Janeiro —, ele responde que a herança recebida do pai deu uma ''ajudazinha''.


 


A revista também revela que Mello provocou duras críticas do Congresso Naconal ao decidir, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre a questão da fidelidade partidária. Segundo CartaCapital, um dos que se indignaram com a “ingerência inadequada” dos tribunais sobre o Parlamento foi o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia. Irônico, Chinaglia teria feito a seguinte comparação: “Quer dizer que se o Judiciário não faz Justiça os parlamentares também podem começar a fazê-la?”


 


CartaCapital opina que hoje há uma maior afinidade entre as posições do ministro e da mídia em geral — fato que explica porque desapareceu ''da narrativa jornalística'' o tom jocoso com que era tratado por ter sido indicado por um parente (o ex-presidente Fernando Collor de Mello) mais tarde defenestrado do poder por acusações de corrupção. “Escuta, sou mercadoria de vocês. Será que gostariam de ter um juiz do Supremo encastelado, numa redoma? Não sou um semideus, sou um homem. Como homem público, devo contas à sociedade. E a forma de meu pensamento chegar a ela é via imprensa”, disse ele à revista.


 


Mello não fala só por ele


 


Se não é um semideus, comporta-se como tal. No auge da histeria sobre a denúncia acatada pelo SFT contra os acusados de envolvimento com o ''mensalão'', quando Mello estava deitando falação em praticamente todos os grandes meios de comunicação do país, na condição de colunista do Vermelho lhe fiz um pedido de entrevista por meio do seu assessor de imprensa, Renato Parente. Ele pediu uma prévia das perguntas e até hoje não as respondeu. Cobrado várias vezes, Parente sempre respondeu que Mello estava ''com a agenda lotada''.


 


Possivelmente ele sabia que no Vermelho não haveria a repercussão sobre o que se chama, em situações polêmicas como as que ministro adora, o ''merchandising das divergências'' — comum nos veículos de comunicação da ''grande imprensa''. Isso leva à conclusão de que para ele o que importa ao conceder uma entrevista, unicamente, é se promover, marquetear e vender a divergência.


 


Há lógica nisso. Mello não fala só por ele. Se as diferenças entre a realidade e as suas versões forem minimizadas e desaparecerem, o que vai sobrar para quem tem como propósito fazer oposição? Num sentido institucional mais elevado, é certo que o Judiciário tem um papel político e os juízes não gostam de se ver como simples ''aplicadores da lei''. Mas onde começa e onde termina esse papel político?


 


Teste básico de integridade


 


Mello está claramente pisando em searas alheias com o único intuito de fazer política. Está na hora de o Judiciário questionar esse tipo de comportamento. Deputado, ator de TV ou jogador de futebol podem falar à vontade sobre o que bem entender. Um juiz, não. Como diz a clássica norma ética, ele só deve falar nos autos, ao decidir as questões que lhe são submetidas como guardião que é das leis e dos direitos dos cidadãos. O problema é ainda maior quando esta sede de autopromoção manifestada pelo ministro encontra pela frente uma mídia ávida por factóides contra o governo. Aí vê-se nitidamente a histeria denuncista.


 


A denúncia por si só — sem a compreensão mais ampla do problema, sem a definição mais clara dos objetivos — não leva a nenhuma conclusão consistente. Mas estamos diante de mais um daqueles fatos que conferem ao processo de denúncia um verniz de moralismo que obscurece uma verdade — ele é movido por uma elite que não foi eleita em 2002 e 2006 e que não admite perder novamente em 2010.


 


Ninguém elegeu Mello e seus promotores para cargo nenhum; ninguém elegeu a mídia para nada. Esse processo investe os agentes da investigação que trabalham para a BIP (juízes, parlamentares, mídia) de um poder que a Constituição nunca pretendeu que tivessem — e que vai além do que é aceitável numa democracia. É na verdade um conluio que se alimenta de um tipo de jornalismo barato, que não passa no teste básico de integridade e competência ao não retratar os fatos como eles são.


 


Respeito à democracia


 


A culpa maior é dos editores que, a serviço dos barões da mídia, encomendam ou aprovam essas distorções da verdade. A estupidez sancionada que vemos atualmente na mídia leva ao jornalismo descartável. Na ânsia de criar notícia, no afã de ter nas mãos um fato que possa causar escândalo, muitas vezes os melhores dados do país passam por estranhos processos de alquimia mental pelos quais sempre se transformam, de situação positiva, em algo a ser criticado.


 


Para sofrer essa metamorfose, as informações são manipuladas por profissionais malpreparados — ou mal-intencionados — que, com generalizações apressadas ou informações equivocadas, tentam jogar a opinião pública contra o governo. O procedimento: toma-se uma informação positiva e, usando-se de contorcionismo jornalístico, ela se transforma num fato negativo.


 


Em entrevista à rádio Jovem Pan, Mello disse que a idéia de que não há democracia sem ''imprensa livre'' é tão antiga quanto a democracia — que, por sua vez, é tão antiga quanto a ''imprensa livre''. Ele repetiu um lugar-comum, dito quase em toda parte como um bordão da unanimidade. Mas, do ponto de vista institucional, a existência da ''imprensa livre'' assegura a pluralidade das opiniões e o pleno atendimento do direito à informação, que é um dos pilares da cidadania. E, deste ponto de vista, Mello e a mídia têm faltado com o respeito à democracia.


 


 


 

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