Maior cineasta do final do século XX

O cinema húngaro nas obras do cineasta Béla Tarr e o cinema chileno em “Tarde para morrer jovem”, de Dominga Sotomayor Castillo

Cineasta Béla Tarr I Foto: Reprodução

Sem dúvida, quem conhece Béla Tarr, o cineasta húngaro autor do longuíssimo “Satantango”, sabe que ele é o mais importante cineasta dos anos 80 e 90 do século passado, e se não continua a fazer filmes é por iniciativa pessoal. Ele diz que prefere ser professor a realizador, pois já fez tudo o mais que poderia fazer. Pode ser.

Sobre Béla Tarr, na sua história pessoal, consta que queria ser filósofo, mas que não conseguiu inscrição na faculdade do Estado, depois de ter realizado alguns filmes em bitola 8mm não demonstrando estar de acordo com os princípios do Governo comunista que predominava então na Hungria. Aí então resolveu estudar cinema, mas achou melhor apenas aprender sem ir para a escola. Fazendo filmes como realizador. E foi o que aconteceu. E Béla Tarr devia conhecer vários cinemas que se fizeram e faziam no mundo, inclusive no Brasil onde o Super 8 teve um grande sucesso e a câmera na mão era um caminho muito presente. Também a utilização de longos planos sem corte. E finalmente o cinema sem começo, meio e fim. Muito além do que fazia Jean-Luc Godard. E assim Béla Tarr criou seu próprio caminho.

Uma coisa que penso ser bem clara no cinema de Tarr é que ele não se coloca diretamente contra o governo comunista. Seus filmes explicitam que o ser humano vive como vive numa ‘prisão’ efetiva, e que liberdade é tão somente uma possibilidade ainda não existente. Isso tanto no regime comunista quanto em qualquer outro regime. A tragédia faz parte da nossa condição, pois não temos como fugir dela. Dai o sucesso da psicanálise. Penso. É bom lembrar, na história pessoal de Béla Tarr, que ele é um grande admirador do mais experimental cineasta alemão também do século passado, R. W. Fassbinder.

Um filme que eu não conhecia de Béla Tarr é “Pessoas Pré-Fabricadas” (Panelkapcsolat) e está agora no Making Off. É o seu terceiro filme. Um longa de apenas 1 hora e 16 minutos, que conta a estória de um casal húngaro, naturalmente. Mas a estória não tem nem começo, nem fim e certamente está o tempo todo no meio. Porque começa com uma brutal discussão entre a mulher e o marido com o trágico choro de uma criança. Há uma discussão na verdade eterna e ela somente é parada quando o filme mostra cenas de baile onde se faz a alegria. E termina com o final, o casal sentado na carroceria de um caminhão e este caminhando sem fim. Não há final e sim uma parada brusca de cena. Nesse filme “Pessoas Pré-Fabricadas” ainda não temos um Béla Tarr com o seu estilo desenvolvido. Tudo está presente, mas ainda em desenvolvimento. Ele já tem na sua mente o que será sua linguagem cinematográfica, mas sem largueza de tom.

Filme “Pessoas pré-fabricadas” I Foto: Divulgação

Outro que também está disponível no Making Off é o “Danação” (Kárhozat),  que eu já tinha visto e revi agora. Ele começa com uma sequência de dez minutos onde temos uma amostra do centro da mina de carvão com suas caçambas aéreas transportando o produto, e é no ritmo dessas caçambas que o filme se desenvolve. Todo o filme vai nesse ritmo bastante lento e o diretor consegue manter isso em todas as sequências. A sequência inicial é belíssima e fortíssima e certamente dá o tom do filme. Não tem nenhuma música de fundo, mas músicas que vão se impondo e tomam a cada uma delas a presença do filme. Quando a música surge, ela é que é o filme. Mas quando estão as sequências de diálogos, então não se ouve nenhum som musical. Apenas os diálogos e os sons naturais da cena.

Filme “Danação” I Foto: Divulgação/Mubi

Em “Danação”, que foi produzido em 1988 e tem duas horas e l minuto, Béla Tarr realmente já demonstra muito mais amadurecimento artístico. Ele consegue criar uma estrutura estética bem definida, conseguindo expressar bem o que a realização quer expressar. De modo algum se pode dizer que o filme conta a estória de um triângulo amoroso.

Tarde para morir joven

Filme “Tarde para morrer jovem” I Foto: Divulgação

Um belo título para qualquer produto artístico e que certamente atrai os espectadores mais sensíveis, esse do filme chileno-brasileiro “Tarde para morrer jovem”. A realização é da jovem cineasta chilena Dominga Sotomayor Castillo, que também é um bonito nome para uma artista. Dois motivos para que a Mubi tente convencer seus associados de que estamos diante de um bom produto cinematográfico. E para isso, ainda conta com prêmios recebidos pelo filme nos festivais de Roterdã e de Locarno.

Não deixa de ser um filme bom, dentro dos princípios do cinema deste século XXI. Mas sofre a pressão de uma abordagem muito parecida com pelo menos dezenas de filmes atuais, que é mostrar como as pessoas hoje são todas perdidas ou mesmo com pouco equilíbrio. E assim vivem em busca de algo que não mais se encontra. E nesse caso do filme de Dominga, a estória – se é que exista uma – se passa numa simples festa de fim de ano em 1990. O clima é justificado em função daquele pessoal estar marcado pela ditadura de Pinochet. Claro que é fundamental mostrar como todos ficamos após uma ditadura, mas o cinema consegue correr o risco da repetição e se faz necessária mais densidade, ou seja, trama para dimensionar uma hora e meia de ‘ação’.

Olinda, 29. 12. 21

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