Memórias da saga comunista (III)

No terceiro texto da série “Memórias da saga comunista”, apresento, na íntegra, o perfil do atual ministro da Defesa, Aldo Rebelo, extraído do livro “Vida, veredas: paixão”, que produzi para a Fundação Maurício Grabois, em 2012.

Abraçando a imensidão do Brasil 

De 12 para 13 de dezembro de 2006 – na data em que, 38 anos antes, a ditadura militar decretava o Ato Institucional número 5, iniciando sua fase de terror aberto – o Brasil adormeceu sob a presidência de um comunista. No final da tarde, na Estação de Autoridades do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o presidente Lula, de partida para a Venezuela, passara o cargo, interinamente, para o presidente da Câmara Federal, Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). O vice José Alencar estava em tratamento de saúde nos Estados Unidos.

Breve interinidade, de pouco mais de 24 horas. Mas de forte simbolismo. Modesto, discreto, sobretudo respeitoso, Aldo não ocupou a cadeira de Lula, preferindo a da mesa de reuniões do gabinete presidencial, onde se ocuparia dos despachos apenas rotineiros. Ali, num átimo de solidão, tendo à frente ampla visão de Brasília e do Cerrado por trás da parede envidraçada, pensou: “Um comunista assume a Presidência da República e os quartéis vão dormir em paz”.

Na manhã de segunda-feira, 13, há mais de 1.500 quilômetros de Brasília, diante de um sebo no centro de Curitiba, alguém dizia para outro:

– Você viu? Temos um presidente o comunista!

E o outro:

– Pode ser que assim as coisas melhorem.

A naturalidade com que a interinidade do comunista foi recebida revelava, de fato, um outro Brasil, já distante daquele que, alinhado aos Estados Unidos contra a União Soviética na Guerra Fria, alimentava com o anti-comunismo a paranóia nacional, o desassossego dos quartéis. Era o que vinha à mente de Aldo Rebelo nos breves instantes de reflexão que lhe permitia a rotina presidencial. Recordou da entrevista de pouco antes:

– Eu assisti televisão pela primeira vez quando tinha 14 anos de idade. Vi uma pizza pela primeira vez quando já estava na universidade. Acho que o Brasil aceitar que alguém com essa trajetória ocupe, mesmo que simbólica e momentaneamente, a Presidência da República, é uma enorme conquista do nosso povo, uma conquista da nossa história.

Mas naqueles momentos de introspecção, tão raros e tão breves, e tão intensos, o alagoano Aldo Rebelo, sisudo de hábito, parecendo infenso às emoções, também voltava seu pensamento para si próprio, para a trajetória iniciada 50 anos antes, numa casinha de taipa e chão de terra batida, na fazenda Maria Lia, onde o pai era vaqueiro. E então o sertanejo de emoções aprisionadas não conseguiu mais contê-las.

O nome de sonoridade aristocrática – José Aldo Rebelo de Figueiredo -, o porte sempre ereto, a fisionomia taciturna, o riso apenas insinuado, o falar comedido, quase monossilábico, mascaram um sertanejo que não perdeu as marcas de sua nascença. José Figueiredo Lima, o pai, era vaqueiro na fazenda do futuro senador Teotônio Vilela, 20 quilômetros distante de Viçosa.

Dos oito filhos que José teve com Maria Cila, Aldo era o segundo. O mais velho morreu de tétano com poucos dias de vida e outra, de difteria, aos três anos. Já haviam deixado a fazenda Maria Lia e estavam em Viçosa quando José morreu precocemente, abatido pelo Mal de Chagas. Aldo estava com nove anos de idade; a mãe, com 27 e sete filhos para criar.

Algumas idéias políticas já rodeavam o menino interno no Colégio Agrícola Floriano Peixoto, onde ingressou em 1968 para cursar o ginásio. Idéias da AP, que ali dispunha de força. Da prima Marivone Loureiro, então ligada ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), recebeu livros de Jorge Amado e alguma conversa. Assim, quando iniciou o curso de Direito na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em 1975, Aldo já nutria certa simpatia pela esquerda. Mas somente dois anos depois se filiaria ao PCdoB, dirigido em Alagoas pelo advogado Eduardo Bonfim, com quem Marivone havia se casado.

Liderança não por agrados a alheios, sorrisos e salamaleques, mas por retidão e cultura, Aldo logo se impôs na universidade, tornando-a palco de debates e lutas democráticas, sob a hegemonia do PCdoB. O marxismo recém descoberto desvendou-lhe o pano de fundo dos movimentos políticos e sociais. Diria mais tarde: “Foi como se eu tivesse visto a história sempre em preto e branco e passasse a vê-la a cores”.

Reorganizada em 1979, a UNE o convocou para a Secretaria-Geral e, no ano seguinte, à Presidência, à qual chegou mediante plataforma exposta em versos de sua autoria no estilo do cordel. Em 1984 liderou a criação da União da Juventude Socialista (UJS), da qual se tornou primeiro presidente. No ano seguinte Aldo se casou com Rita de Cássia Polli, que conhecera três anos antes quando ela, militante do movimento secundarista, foi orientada a participar da primeira campanha do ex-presidente da UNE para a Câmara Federal, ainda pela legenda do PMDB. Paulistana nascida em 1964, Rita se tornaria jornalista em 1997 e fisioterapeuta em 2010. No início de 2012 atuava na Secretaria da Mulher do Governo do Distrito Federal. A despeito dos altos cargos por ele exercidos, incluindo uma brevíssima interinidade na Presidência da República, Rita nunca perdeu a simplicidade original. O casamento lhe rendeu o filho Pedro, nascido em 1992, e a obrigação de cuidar de uma biblioteca de mais de cinco mil volumes.

Iniciada em 1988, quando se elegeu vereador em São Paulo, a trajetória parlamentar de Aldo se estende por seis mandatos consecutivos. Nesse período, entre 1990 e 2011, foi líder do governo Lula (2003), Ministro da Coordenação Política (2004), Presidente da Câmara Federal (2005), quando assumiu interinamente a Presidência da República, em dezembro de 2006. Nesse ano foi escolhido pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como o mais importante congressista do País. Em outubro de 2011, foi designado pela presidente Dilma ministro dos Esportes.

Na feira de Viçosa, que frequentava de mãos dadas com os pais, Aldo sorveu desde cedo o melhor da cultura popular, das obras do Mestre Vitalino, o notável ceramista (e da multidão dos seus imitadores) às músicas de João do Valle (cantadas pela pernambucana Maria Inês), dos emboladores e repentistas à vasta literatura de cordel, boa parte da qual ainda carrega de cor.

Quando cachorro falava
Gato falava também,
Gato tinha uma bodega
Como até hoje Jonas tem
Cachorro comprava fiado
E não pagava ninguém.

Versos da notável história A briga do cachorro com o gato”, um dos cordéis que mais fascinaram o menino Aldo. A sabedoria sertaneja que a feira expunha fomentou a paixão pela cultura popular, que se somou ao gosto pela história e pela geografia do Brasil. Desde cedo o seduziu a grandeza do País. Na escola primária, subia na mesa da professora, junto com colegas, para melhor comparar o tamanho do Brasil com o dos Estados Unidos e outros países nos mapas fixados na parede. Para o pequeno Aldo, já nos anos de infância, o Brasil era um país magnífico, com um grande passado e um destino ainda maior.

Não por menos desde cedo procurou conhecer o País, tanto pelos livros, quanto pessoalmente. Já no processo de reorganização da UNE, entre 1978 e 1979, percorreu o Brasil com ajuda do senador Teotônio Vilela. Como secretário-geral e, depois, como presidente, para onde os demais, por comodidade, não queriam ir, ele ia. Assim, conheceu cenários da geografia e da história do Brasil.

Nadou no encontro das águas, na Amazônia, visitou Campo Maior, cidade piauiense que sediou a batalha do Jenipapo, uma das mais importantes da luta pela independência. Na Lapa (PR) foi conhecer o teatro da resistência do coronel Gomes Carneiro à ofensiva das tropas do florianista Gumercindo Saraiva. No Rio Grande do Sul, esteve na ilha do Fanfa, onde Bento Gonçalves foi morto, e em Poncho Verde, fronteira com o Uruguai, palco da paz entre farrapos e imperiais.

A relatoria do projeto do novo Código Florestal o mergulhou ainda mais no Brasil, de modo a não falar sem conhecimento de causa. Em dezenas de viagens e mais de 100 audiências, construiu seu parecer. Foi ao Oeste paranaense, onde se reuniu com mais de cinco mil agricultores, ao Portal do Paranapanema, desceu de canoa o rio Purus, na Amazônia, onde conheceu ribeirinhos que plantam arroz dentro da várzea, sem comprometer o meio ambiente, percorreu o interior do Mato Grosso e de Roraima, esquadrinhou o interior do Pará, onde o teco-teco tinha que pousar no meio das vacas.

Entre seus projetos-de-lei mais destacados está o que defende a língua portuguesa contra o abuso dos estrangeirismos. Relator da Lei da Biossegurança, removeu obstáculos à ciência ao incluir a possibilidade de pesquisa com células-tronco para o combate a doenças. Presidente da Câmara, criou condições para a votação da Lei Geral para as Micro e Pequenas Empresas, incentivando os que abrem seus próprios negócios com a redução de impostos e acesso ao crédito bancário. Na Lei das Falências, trabalhou para abrir novos caminhos para a recuperação das empresas. Presidiu, além do mais, a CPI que investigou as relações entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a empresa de material esportivo Nike.

Não é por menos que Aldo Rebelo seja considerado um dos mais importantes quadros da República brasileira. “É um político competente, mas antes de tudo é um cidadão e patriota do Brasil”, definiu-o o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor emérito da Universidade de Campinas (Unicamp). Para Roberto Dualibi, um dos mais importantes publicitários do País, Aldo “é homem de convicções firmes e as defende com serenidade e elegância”. O General Francisco Roberto de Albuquerque, que comandou o Exército entre 2003 e 2007, realça em Aldo Rebelo “a defesa intransigente da cultura, do idioma e da soberania nacionais, além da profissão de fé nos postulados democráticos”.

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