Mercedes Sosa: cala-se a voz de todos

No período de 23 de setembro a 4 de outubro estive mais uma vez na Argentina. Fui ao V Encuentro Internacional Comunitário de Escritores, que se realiza em San Juan, noroeste do país. Deste encontro falarei nos próximos dias.

A Argentina continua com bloqueios de estradas e avenidas, seguidas manifestações de setores organizados, os aumentos das tarifas de gás e energia elétrica de ate 400%, as lembranças da guerra das Malvinas e a escura memória da ditadura na permanente presença dos mortos e desaparecidos políticos. A situação ali repete com incrível semelhança o que ocorre em nossos países. Como nações tão ricas, de gente tão amorosa e forte pode ser destroçada por uma história política de abuso, autoritarismo e corrupção. Nestes dias, mais um motivo doloroso sacudiu aquele país. Uma enfermidade arrastou ao hospital desde o dia 18 de setembro a legendária cantora Mercedes Sosa. Vivi angustiosa espera que precedeu ao desaparecimento de “La Negra”, a “Voz de Latinoamérica.” Conhecida no mundo por seu canto original, por sua fidelidade aos ritmos e temas folclóricos, mas também pelo largo coração que incluía um repertório variado e inclusivo. Ia da “zamba” à “chacarera”, do tango ao roque. A todos emprestando o calor de sua voz onde se ncontravam em harmonia a as cidades, a cordilheira, as serras, o pampa, a selva, os desertos e os ermos patagôniocos. Sua feição de ícone indígena carregava a ascendência francesa e do povo original diaguitas. Sua presença enorme, sempre acompanhada de instrumental simples como tambor e violão, enchia os palcos do mundo. A assistência não podia deixar de reverenciar aquela grande mulher que além de artista comovedora, elevava-se como combatente das grandes causas da América Latina. Depois do golpe de estado de 1976, Mercedes sofreu a repressão da ditadura por sua militância. Seus discos foram proibidos e no ano de 1979 em um show em La Plata, foi detida no próprio palco, sendo presos todos que assistiam ao espetáculo. Exilou-se em Paris e depois em Madrid. Retornou à Argentina em 1982 com a abertura política depois da malograda Guerra das Malvinas. Mercedes, La Negra Sosa, continuou sua atuação como cantora e produtora. Realizou um dos mais importantes eventos musicais já vistos na Argentina. Sem Fronteiras, show que conduziu ao estádio Luna Park em Buenos Aires as maiores cantoras da América Latina. Entre elas, Teresa Parodi e Silvina Carré, argentinas; Leonor Gonzalez Mina, colombiana; Lilia Vera, venezuelana; a mexicana Amparo Ochoa e nossa inigualável Beth Carvalho e, claro, a própria Mercedes. Até poucos dias antes de sua morte no dia 4 de outubro Mercedes Sosa continuava atuando, participando, inspirando com sua música e com sua impressionante figura a n ação Argentina e toda Latino América. Cala-se sua grande voz, levanta-se seu vulto inigualável, como um dos melhores frutos que nossa terra de sangue, sorriso e lágrimas tem entregado ao mundo. Aqui também há sentimento de perda, porque sua voz em canções como Gracias a La Vida, Canción com Todos, Alfonsina y el Mar, Balderrama, Duerme Negrito, la Cigarra e tantas outras nos ajudaram a atravessar a noite da truculência e do autoritarismo.

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