Mestiça é a mãe

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Muitos dizem que o povo brasileiro é fruto de uma diversidade racial gerada pelo índio nativo, os portugueses de Cabral em diante e o negro africano que por aqui aportou. Mas o indígena que não foi morto sempre foi perseguido ou isolado. O negro veio contra sua vontade, acorrentado, e após libertado foi morar nas periferias e grotões. E a elite é branca, descendente de europeu – ou diz que é.

As pessoas negras são alvos prioritários das autoridades, mas só das policiais, pois já nascem culpadas de algum crime, que cedo ou tarde irão pagar. Já as autoridades da saúde, as diretoras de escolas ou agentes do bem-estar querem distância dessas áreas, justamente porque são muito perigosas. Há tiroteios (da polícia), com gente morta (pela polícia), e supostos bandidos, na maioria negros, presos por serem suspeitos de algum crime.

Os primeiros serviços públicos a chegarem nas zonas mais pobres das grandes cidades brasileiras são, sem dúvidas, os de segurança pública, quase sempre solitários. Os estados locais, através das polícias civil ou militar, promovem a ocupação de favelas e outras zonas de moradias precárias através da força e da violência. E o governo federal usa contingentes do Exército, da Força Nacional, com a mesma finalidade, mas de forma direta, passando por cima dos governos locais.

Em situação típica do Brasil, as ações do poder público em relação às populações de periferias se enquadram no que o estudioso camaronês Achille Mbembe chama de necropolítica. Ou seja, a morte como forma de poder, por meio da violência, apresentada às comunidades como instrumento de pacificação, contraditoriamente de “combate à violência”.

Mbembe se refere à ação do colonialismo em toda a África, que se impunha pela força das armas, em regimes de necropolíticas, mas aplicava a mesma metodologia de estudo ao seu país, a República de Camarões. Os regimes de exceção, com a implantação de estados de sítio e de emergência, ali sempre tiveram amparo das forças coloniais, já que estavam mesmo a serviço delas.

Depois de instaladas as forças policiais e decretadas situações de emergência nas localidades, começam a surgir situações novas e inexplicáveis de balas perdidas e outras modalidades de distribuição de medo e subjugação. O fato é que os projéteis mortais aparecem não se sabe de onde, atingindo quem estiver pela frente, inclusive crianças, caso que chama atenção da mídia, o que não ocorre quando a vítima é pessoa adulta, o que é mais corriqueiro.

O fato é que, nessas comunidades quase não há brancos, por mais pessoas de pele clara que haja naquelas quebradas. Essas são mestiças, normalmente descendentes de homens brancos da Casa Grande e negras escravas, que também a isso serviam. Mulheres eram escravizadas pra fazerem serviços domésticos e algumas atividades nas lavouras, mas sempre com vistas a procriar a prole, que valia dinheiro.

É certo que, ao iniciar o processo de libertação dos escravos, Dom Pedro II providenciou, também, a vinda de trabalhadores brancos da Europa, inclusive dos países do leste europeu, como Ucrânia e Polônia. Esse imigrante, contudo, até por razões climáticas, se estabeleceu no Sul e Sudeste do País, especialmente em áreas rurais, dando origem a muitas cidades.

Já as elites brancas estão em bairros nobres de grandes cidades, onde negros e negras só entram pra trabalhar. Nessas áreas há serviços públicos de todas as modalidades, com destaque à mobilidade urbana e, de novo, à segurança pública, só que agora pra defender as populações ricas e seu patrimônio.

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