Militância, voto e acumulação de forças

Certa está a liderança que disse vir o partido à frente do movimento. E, por certo, disse isso por entender a diferença de papéis de um e de outro

Foto: Arquivo/PCdoB

Todos sabemos que militante de esquerda não vive sem uma reunião. Comunista, nem se fala, que é ver uma conversa, já se escala para participar.

Antes que alguns considerem isso uma disfunção psíquica, informamos logo que se trata de hábito oriundo de uma concepção radicalmente democrática de organização – concepção esta, lastreada numa necessidade incontornável: para enfrentar adversários de classe detentores de enorme poder, é imprescindível unidade; e essa unidade só pode ser construída e consolidada por intermédio de decisão e aplicação coletiva da política a ser executada.

Numa destas reuniões, este que vos tecla, sem a mediação de nenhum “nariz de cera” como o acima perpetrado, ouve de uma liderança popular a seguinte sentença:

“Em nossas andanças pelas cidades, para levar o trabalho de nossa entidade e as pautas de nosso movimento, percebemos que não há partido organizado em várias delas. E onde não há partido, como levar nossas lutas? A direção precisa construir partido nas cidades em que não tem, para que possamos levar e fortalecer nossas lutas”.

Leia também: Eleições e ação militante

Assim dito, parece tudo certo. Sem partido, como levar a luta? Mas, espera aí: olhada bem de perto, a sentença carrega em si uma meia verdade. E essa verdade, assim, a modo de cinquenta por cento, revela algo preocupante: o rebaixamento do papel do Partido Comunista e de sua militância.

Numa outra reunião, realizada muito antes desta a que nos referimos, outra liderança do mesmo movimento declarou:

“Tenho visto uma inversão estranha: o partido servir ao movimento, e não o movimento ao partido. Isso é um erro. O contrário é que o certo”. O que mostra que não é de uma só concepção que se faz a luta.

Algo parecido este que vos visita semanalmente ouviu em ocasiões de debate eleitoral. Um sujeito de alta patente, por exemplo, pede a palavra para dizer:

“Tem jeito não: não tem atalho, camaradas! Sem partido organizado nas bases, não teremos os votos de que precisamos!”. Disse isso, e se retirou, solene. Foi bonito de ver. Já concordar – ao menos plenamente…

Há sentenças do mesmo calibre quanto a mandatos – sindicais, parlamentares, governamentais. A tese é idêntica: se não tem partido, como levar mais longe nossas realizações e fortalecer nossas posições em entidades representativas de classe e nos legislativos e executivos?

É aquilo que os mais velhos não cansam de constatar: neste assunto, todos e ninguém razão têm.

Não mente o que diz: sem partido, fica tudo difícil – política, organizativa e eleitoralmente. Mas comete falta grave ao se eximir da responsabilidade de sanar o problema (a partir da plataforma que ocupa, e com base na política de seu partido). Certa está a liderança que disse vir o partido à frente do movimento. E, por certo, disse isso por entender a diferença de papéis de um e de outro. O mesmo vale para a luta pelo voto e para a travada em postos institucionais.

Leia também: Tripé tático ou estratégico

As posições ocupadas e os procedimentos militantes visam a fortalecer a corrente revolucionária junto aos trabalhadores e ao povo, já escrevemos aqui tantas vezes. Essas posições e procedimentos, se não usados para construir e revigorar essa corrente, perdem sentido. Se a liderança visitou cidades e viu que não há ali comunistas organizados, cabe a ela, filiar, organizar e orientar os recém-ingressos nas fileiras militantes.

O mesmo pode-se dizer das candidaturas a cargos eletivos: o candidato, ou candidata, por meio da busca do voto, tem em mãos instrumento, meio, de revigorar o partido dos comunistas onde ele esteja borocochô, ou mesmo estruturá-lo onde não exista.

Vejam o exemplo da candidatura coletiva denominada Francisca da Bancada da Educação, de São Paulo. Dirigentes comunistas já detectaram que têm ela sido razão de retomada de iniciativa política de quadros e lideranças de diferentes cidades do interior e de variadas regiões da Capital. Aliás, esse é um dos condões da luta eleitoral: reativar organismos revolucionários, resgatar militantes, recuperar posições por um tempo abandonadas e, sabendo-se manejá-la, ampliar o tamanho e a inserção social da força patriótica e socialista dos brasileiros.

Para o bom manejo da luta eleitoral, institucional ou popular, não se pode, no entanto, rebaixar o papel do Partido Comunista. Ele é a força dirigente do movimento. E não cabe aqui vice-versa. Aquele sujeito ou sujeita que, sendo candidato ou ‘data, líder popular ou parlamentar, não se fizer ponta de lança organizadora de seu partido, pouco ajuda à causa do povo e dos trabalhadores que diz representar.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor