Morto vivo

Mas fico na dúvida se viver é sorte, acho que é mais sacrifício mesmo. O poeta da revolução Maiakóvski já dava o seu pitaco: “Não é difícil morrer nesta vida. Viver é muito mais difícil”.

Morri há algum tempo. Perambulo entre as flores, a maioria artificiais. Como sobras de bolos, está dando enjoo: a barriga não anda bem e a cabeça no mesmo ritmo. Acho que tem um bocado de mortos na cidade, vagam esperando seu enterro chegar. Queria falar de esperança, fazer planos gigantescos e ter fartura de alegria, mas, no momento, estou mortinho. Quem sabe, amanhã as condições mudam e ressuscito. 

Vejo o varal, está cheio de roupas velhas no ano novo, as dores e as cicatrizes também são de anos velhos, como os amores e a bicicleta que ainda me desloca para lugares pertos. Aquela bicicleta velha, bem que poderia me levar para o paraíso, se ele existisse. Aliás, paraíso se constrói, a partir do verbo lutar, disse seu João, um velho baixinho de cabelos brancos, como o claras de ovos batido, que enfrentou grandes lutas e morreu acreditando ser possível construir o paraíso, aqui na terra, com cheiro de suor e de primavera,  com rios abundantes de pão e de terra dividida, de produção socializada e de amor coletivo. João faz falta, morreu, mas continua vivo.   

“Vivo, morto, morto, vivo” era apenas uma brincadeira que aprendi na escola, mas parece que a brincadeira é sempre um ensaio para a vida adulta. A qualquer hora a gente se encontra morto, em dias de sorte, a gente se ver vivo.

Mas fico na dúvida se viver é sorte, acho que é mais sacrifício mesmo. O poeta da revolução Maiakóvski já dava o seu pitaco: “Não é difícil morrer nesta vida. Viver é muito mais difícil”.

A peleja é para se manter vivo, mesmo andando morto. Logo cedo, acharam que eu estava morto, pois sempre atendia de imediato as ligações. Estava dormindo, cansado de andar perambulando morto. 

Um dia eu parto, vivinho. 

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