Mudanças em profundidade no Oriente Médio

O instável cessar fogo determinado pelo Conselho de Segurança da ONU tem sido implementado, apesar de escaramuças localizadas. Israel vem retirando-se gradativamente do Sul do Líbano, mas permanece com mais de dez mil soldados estacionados na região próxi

Fala-se que as tropas israelenses aguardam a chegada da força internacional de paz ainda em processo de formação. A União Européia, incluindo vários países, já ofereceram quase dez mil soldados para partilharem a região, que serão auxiliadas pelas tropas libanesas. Passados essa fase, é preciso tentar fazer um balanço do conflito e ponderarmos algumas perspectivas e desdobramentos. A verdade é que o Oriente Médio nunca mais será o mesmo depois desse embate entre Israel e os guerrilheiros libaneses do Hezbolláh.



Conseqüências para Israel


 
Por mais de uma vez mencionamos aqui em nossa coluna que não temos vocação para profeta. O máximo que conseguimos, é tecer algumas análises sobre fatos e apontar determinados cenários que possam ser construídos com bases nesses fatos. Assim, não há sombra de dúvida alguma que o grande perdedor dos ataques que Israel perpetrou contra a população civil libanesa foi mesmo o governo de Ehud Olmert. Não se pode afirmar que este poderá perder a sua base de apoio totalmente e vir a cair de forma antecipada, mas o desgaste esta sendo profundo. Tanto Olmert, quanto o ministro da Defesa, Amir Peretz, não tem experiência alguma nas forças armadas. São os primeiros governantes a ocuparem esses cargos que não passaram pelo exército. Já se disse que todos os países e nações do mundo possuem as suas próprias forças armadas, mas Israel é o único país em que as forças armadas possuem uma nação. É um dos países mais militarizados da terra, ainda que propale aos quatro cantos a sua “democracia”.


 
O principal objetivo fixado por Israel, de destruir o Hezbolláh, não foi atingido. Esse grupo político e militar, composto de milicianos de diversas correntes políticas, deu combate firme e tenaz às forças do exército israelense. Em 30 dias de combates, abateu mais de cem soldados, 130 peças de artilharia, derrubou aviões com seus morteiros e até uma fragata israelense foi afundada, em eventos que eram efusivamente comemorados nos acampamentos de refugiados, nas aldeias e cidades libanesas. A popularidade do Hezbolláh, que antes do conflito era de no máximo 30%, que é a força xiita no Líbano, hoje ultrapassa a 90%. O seu líder máximo, Hassan Nasrallah, é hoje um dos mais respeitados líderes árabes em todo o Oriente Médio, Há quem o compare a um novo Gamal Abdel Nasser (presidente do Egito entre 1956 e 1970).


 
O desgaste pelos 32 dias de ataques indistintos a mulheres, crianças e velhos, nas aldeias libanesas matou mais de mil civis, feriram mais de quatro mil e deslocaram de suas casas mais de um milhão de pessoas. Isso sem falar na completa destruição de toda a infra-estrutura do país, que havia demorado mais de 15 anos para reconstruir da destruição da guerra civil anterior (1975-1990). A popularidade do governo despencou drasticamente. Do lado dos guerrilheiros, os lançamentos dos seus mísseis e foguetes eram somente contra quartéis e postos militares israelenses, com poucas ou quase nenhuma baixa civil. Tanto isso é verdade, que os meios de comunicação de massa nunca mostraram civis israelenses sendo mortos, feridos ou destruição de cidades do norte de Israel.


 
Israel, mais uma vez, prestou-se a um serviço determinado pelos Estados Unidos. Autorizados por George W. Bush bombardeou incessantemente o Líbano com sua força aérea por 32 dias, com o objetivo de enfraquecer e até destruir as forças guerrilheiras libanesas, que eram compostas por socialistas, patriotas e os comunistas libaneses que se juntaram aos guerrilheiros muçulmanos, estabelecendo uma unidade política que vem se verificando em várias partes do mundo (pudemos ver isso de forma clara há alguns meses quando da visita de Bush à Índia e as gigantescas manifestações que uniram comunistas do PCI e muçulmanos). Nesse sentido, Israel quebrou a cara e seus objetivos todos fracassaram com relação ao Líbano. A tentativa do sionismo e do imperialismo norte-americano de dividir os libaneses fracassou. A unidade patriótica foi muito grande para unir forças contra o inimigo comum, contra os agressores externos. Não se aceitou a divisão do país entre cristãos, xiitas e sunitas e mesmo drusos. Assim, descartamos qualquer possibilidade de uma nova guerra civil no Líbano, como alguns analistas aventaram no momento.



As questões dos lado dos árabes


 
Não tenho dúvida alguma em afirmar que em nível do governo libanês, capitaneado pelo primeiro ministro anti-Síria, Fouad Siniora, o desgaste também foi grande. No poder desde as eleições legislativas de janeiro passado, quando as forças que fazem oposição à Síria tiveram uma maioria relativa, os parlamentares ligados ao ex-primeiro Ministro Hafic Hariri, morto no ano passado, mas cujo filho é uma das vozes mais fortes contra a Síria e fraca contra os EUA também se enfraqueceram. Ficaram isolados e baixaram o tom de seus discursos, pois o país estava sendo atacado por Israel, o governo estava completamente impotente e quem, de armas em punho, defendia a nação árabe, era única e exclusivamente os guerrilheiros do Hizbolláh. Assim, não posso prever e afirmar com segurança, mas arrisco o palpite que esse é um governo que não se sustentará muito tempo. Se novas eleições ocorressem hoje, seguramente os xiitas e o Hizbolláh fariam maioria no parlamento e formariam um novo governo. Quem segurou a barra para o lado dos árabes e da Síria, foi o presidente Emile Lahoud.


 
A grande maioria dos países árabes omitiu-se, ficou em silêncio e alguns torceram, na intimidade, para que Israel tivesse sucesso em sua empreitada de destruir as forças guerrilheiras. São governos em sua maioria traidores dos povos árabes. Sabemos que na Arábia Saudita existem várias “fatwas” (espécie de decretos muçulmanos com força de leis), que condenam Hassan Nasrallah, que pedem a sua morte. Mas, são letras mortas e nada valem, pois não há quem as cumpra e o povo árabe hoje esta maciçamente com o líder do Hizbolláh, cuja imagem esta espalhada em cartazes por todo o Oriente Médio, ao lado de Nasser, Che Guevara e também de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, considerado um novo ícone também no Oriente Médio e visto como líder socialista.


 
Entre os governos e países árabes, indiscutivelmente, o que mais sai fortalecido é a Síria e o do presidente Bashar Al Assad. O inquérito internacional que procura envolver esse país e seu governo no assassinato do ex-primeiro Ministro do Líbano, esta cada vez mais distantes de conseguir qualquer prova nesse sentido. Politicamente, o governo sírio mostrou que não se vende e não se rende e que esta ao lado dos povos árabes e contra os interesses imperialistas. Apoiou de forma decisiva, com recursos humanos e materiais os guerrilheiros libaneses na resistência à agressão sionista. Também o Irã e seu governo saem fortalecidos. Impor hoje sanções econômicas ao país pela sua pesquisa e busca de domínio do ciclo nuclear completo será difícil, ainda que saiba que a ONU, sob imposição americana possa vir a fazê-lo. Mas, o Irã sai como um ator importante e com muitas peças nesse tabuleiro político no xadrez do Oriente Médio.


 
A correlação de forças em plano mundial segue desigual e ainda pende para as forças americanas e imperialistas. Mas, o Oriente Médio esta passando por mudanças profundas. Socialistas, comunistas e muçulmanos, cada vez mais unidos e compreendendo quem de fato é o inimigo principal a ser enfrentado e derrotado. A nossas vozes se somam a todos eles.

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