Mulheres se unem e transformam a própria realidade

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Xica da Silva toca seu próprio negócio, o bufê “Amigos de Xica

Na cozinha e na vida, o trabalho da chefe de cozinha Francisca Maria da Silva, de 56 anos, conhecida também como Xica da Silva, tem contribuído para resgatar a autoestima e gerar renda para centenas de mulheres. Muitas delas, vítimas de violência doméstica. Assim como a própria Xica foi um dia.

No seu corpo, as marcas de agressão deixadas pelo ex-marido são visíveis. Outras não. O olho direito, por exemplo, ela perdeu totalmente e a visão do esquerdo ficou comprometida. No rosto, uma cicatriz após receber 88 pontos durante uma cirurgia reparadora. Em um dos seios, ficaram as 15 dentadas do agressor. Além da violência física, foram dez anos vivendo em cárcere privado, longe da família e dos amigos. Xica ainda sofreu dois abortos forçados e deu à luz um natimorto.

Sem apoio para escapar da violência, a decisão de abandonar e ex-marido e começar uma vida nova aconteceu quando ele jogou o carro de uma ponte na região da Pampulha, em Belo Horizonte, com Xica e as três filhas dentro do automóvel.

Xica lembra bem daquele dia: “Já que eu não morri durante todo esse tempo, eu não vou me entregar agora. Eu tinha 50% de chances de viver longe dele e 50% de chances de morrer perto dele. Eu escolhi me amar primeiro”, disse ela.

Com a necessidade de garantir a própria sobrevivência e das filhas menores, Xica aprendeu a cozinhar, sozinha, assistindo programas de culinária pela TV. Pouco tempo depois, ela ingressou num curso de gastronomia por meio de um projeto na área de economia solidária. 

De aluna, Xica hoje é professora e ensina milhares de pessoas a arte de cozinhar. Com o trabalho e o reconhecimento profissional, ela conseguiu realizar outro sonho: ser dona do próprio negócio. O bufê “Amigos de Xica” já formou milhares de alunos e alunas.

O exemplo de superação de Xica vem no momento em que o Senado aprova o projeto que cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Violência contra a Mulher (CNPC Mulher).

A professora do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, Heidi Florêncio, explica que “a intenção do cadastro é buscar uma maior efetividade na licitação do crime. Por não haver uma interligação de informações no País, a ideia é criar um banco de dados nacional para que todos os Estados da Federação consigam ter informações a respeito dos crimes que já foram praticados pelo agente no momento em que a pessoa for investigada”.

A violência contra a mulher no Brasil acontece em vários lares. A professora Heidi lembra que “dados do Anuário de Segurança Pública de 2021 mostram que o número de feminicídios aumentou de 929 casos, em 2016, para 1.350, em 2020”. O documento também destaca que “cresceu o número de medidas protetivas de urgência”. Em 2019, foram 282 mil contra 295 mil em 2020.

Também foram 695 mil ligações telefônicas denunciando violência doméstica, um número que representa 1,3 denúncias por minuto em 2020. O Fórum de Segurança Pública também aponta mais de 66 mil casos de estupros em 2018.

Iniciativas como essa do Senado, aliadas a oferta de cursos profissionalizantes, podem ser alternativas capazes de enfrentar esses casos de violência contra as mulheres e outros segmentos da sociedade. Essa “receita”, aliás, já tem sido colocada em prática em vários países do mundo.

Na Zâmbia, por exemplo, campanhas de alfabetização e agroecologia têm formado centenas de mulheres camponesas. No último mês, 700 mulheres concluíram a primeira fase da Campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M´membe. A Campanha é coordenada pela Brigada Internacionalista do Movimento dos Sem-Terra (MST) Samora Machel e pelo Partido Socialista (SP).

Já em Cuba, o governo lançou, em fevereiro de 2020, o programa de Soberania Alimentar e Educação Nutricional, apoiado pela FAO, Oxfam e União Europeia. O programa prioriza quatro objetivos: Reduzir significativamente a importação de alimentos; Incrementar a produção local de alimentos, valorizando a agricultura familiar, urbana e suburbana; Ampla campanha de educação nutricional; E intensa comunicação.

Apesar do embargo econômico imposto pelos EUA ao país caribenho, em Cuba não há fome. O governo do presidente Diaz-Canel gasta mais de 2 bilhões de dólares por ano na importação de alimentos, inclusive do Brasil, do qual compra, entre outros, arroz e frango.

Os quase 12 milhões de habitantes do país têm acesso à cesta básica mensal e, gratuitamente, acesso aos sistemas de saúde e educação. Não há pessoas vivendo em situação de rua ou pedintes em Cuba.

Esses exemplos confirmam a importância do Estado em defesa da vida, desenvolvendo políticas públicas de combate à violência e erradicação da fome. A história de Francisca Maria da Silva, a Xica da Silva, talvez tivesse sido diferente se houvessem mais programas nas áreas de educação, agroecologia e ensino profissionalizante.

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