Nem Cuba, nem Venezuela: Afeganistão

Semana passada, Temer se reuniu, uma vez mais, com pastores das principais igrejas neopentecostais brasileiras para discutir o apoio da chamada bancada evangélica à aprovação da Reforma da Previdência.

Dois dias antes, o jornal Valor Econômico divulgava a estratégia dessa mesma bancada em “aumentar de 93 para cerca de 150 o número de deputados federais e quintuplicar, de três para 15, o total de senadores”. Isso sim é o que podemos chamar de um autêntico “projeto de poder”.
Mais factível que o delírio de uma suposta “cubanização” ou “venezuelização” do Brasil nos governos Lula e Dilma, nosso país está mais para um Estado teocrático e fundamentalista nos moldes de um Afeganistão. O importante mesmo era criar uma cortina de fumaça em torno de uma fantasiosa ameaça comunista, enquanto Igreja e Estado vão se fundindo.

Necessário ressaltar que a defesa do Estado laico está na gênese do protestantismo, bem como a valorização do evangelho. Mas na contramão dessa história, as novas seitas neopentecostais praticamente boicotam a “boa nova” de Cristo para pregarem quase sempre fragmentos e recortes do Velho Testamento que lhes dão sustentação para legitimar toda sorte de intolerâncias, preconceitos e obscurantismo.

Há um certo Silas Malafaia que chega a babar pelos cantos da boca enquanto amaldiçoa ao vivo, em seus canais de comunicação, os chamados “esquerdopatas”. O ódio é tanto, que mais parece estar evocando o seu Deus para lançar fogo e enxofre sobre a Sodoma e Gomorra que o Brasil teria se transformado nos governos Lula e Dilma. A depender de sua vontade, os tais “esquerdopatas” se transformariam em estátuas de sal.

Especialistas dizem que estes “talibãs brasileiros” são financiados até pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras agremiações do crime organizado. Uma estrutura paralela de poder que, a despeito de serem isentos de impostos, ainda arrecadam uma fortuna incalculável através da manipulação da fé do povo.

Por trás da liberdade de culto religioso (garantida na Constituição de 1946, através de emenda apresentada pelo deputado do Partido Comunista do Brasil, Jorge Amado), uma gangue empresarial do mercado da fé vai se consolidando e impondo sua pauta reacionária e antidemocrática.

Parlamentaras como Magno Malta e Marco Feliciano são apenas alguns expoentes deste pensamento conservador que remonta a Idade Média (também conhecida como Idade das Trevas) e que vai impondo uma nova (velha) política que passa pelo ensino do criacionismo nas escolas públicas, a defesa da família patriarcal burguesa, o famigerado “Escola sem Partido”, a disseminação da homofobia, a criminalização do aborto e tantas outras “caças às bruxas” em pleno século XXI.

Mas por trás desta fumaça liberada pela fogueira inquisitorial, se escondem as mais graves ameaças à democracia: a desestabilização de governos que ousem a desafiar o mercado da fé.

É o que vem ocorrendo, por exemplo, na Bolívia. Tempos atrás, Evo Morales foi literalmente demonizado por pastores neopentecostais por ter participado de um ritual tradicional aimará, para invocar chuvas no combate à seca no país. Aqui no Brasil, terreiros de candomblé e umbanda estão sendo atacados por traficantes envolvidos com pastores evangélicos. A intolerância religiosa é apenas uma variante da intolerância política.

A ética protestante e o espírito do capitalismo descrito por Marx Weber merecem uma releitura na época presente, sobretudo com o advento destes novos impérios neopentecostais e a lavagem cerebral em torno da “teologia da prosperidade”. A julgar pelos seus patrimônios, é mais fácil o rico entrar para o reino dos céus, que o camelo passar pela ponta da agulha.

Resta-nos esperar qual será a fatura que o povo brasileiro terá que pagar por mais esse acordo feito por Temer e torcer para que o novo Congresso não seja ainda mais conservador e corrupto como o atual. A espera de um milagre.

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