Novos ares no mundo sindical

O patronato foi enquadrado numa perspectiva de respeito aos direitos humanos dos trabalhadores. Todavia, nossas conquistas precisam de vigilância

Tenho preguiça e falta-me paciência para os bastidores e quetais do sindicalismo. Coisas e defeitos da formação cartesiana. Não é que não entenda o relevante papel do movimento sindical e sua importância histórica na luta reformista. Entendo.


 


Aproveito para prestar deferências a quem faz da luta sindical ética o centro de suas vidas, ressaltando que a luta de classes não acabou. Sou intolerante com a mentira que, de tanto ser dita, é tida como verdade: que a luta de classes acabou.


 


Acabou onde? O capital perdeu o seu DNA de sanguessuga? Ora, me compre um bode! Como pode haver igualdade entre quem explora até a última gota de sangue para acumular riquezas e quem vende força de trabalho?


 


Em tese, o patronato, no último meio século, foi enquadrado numa perspectiva de respeito aos direitos humanos dos trabalhadores. Todavia, nossas conquistas precisam de vigilância diante das tentativas de seu destroçamento pelo patronato e pelo peleguismo sindical, sob o argumento de que a globalização da economia impôs a flexibilização das leis trabalhistas (leia: precarização do trabalho).


 


A Corrente Sindical Classista (CSC) decidiu sair da CUT e definiu criar uma nova central sindical de caráter classista e democrática (7º. Encontro Nacional da CSC, Salvador, 28 a 30/9). A notícia reoxigena o movimento sindical, pois a CUT oficial ficou pelas longas estradas da vida.


 


 


Espero que na nova caixa de Pandora sindical o caráter democrático seja amplo o suficiente para caber as perspectivas feministas e anti-racistas numa boa! A vida das trabalhadoras no sindicalismo sempre foi difícil. E por quê? Sendo o movimento sindical de caráter e natureza reformistas, se pauta pela prática da “natureza de escorpião”. Isto é, suas dificuldades culturais, teóricas, ideológicas e políticas entravam o entendimento e a absorção plena da luta contra a opressão de gênero. Idem para as aspirações anti-racistas. Não vamos tapar o sol com a peneira.


 


A sobrevivência e a permanência das mulheres no sindicalismo têm exigências cruéis. Não vamos dourar a pílula. O congresso da CSC não avançou nas duas temáticas. Comprovo. Leiam, releiam, desleiam e tornem a ler os documentos “Resolução do 7º Encontro Nacional da CSC” e “Rumo a uma central classista e democrática”. Como os dois foram aprovados por unanimidade, compreendo que as sindicalistas os aprovaram sem restrições. Eu só não compreendo por que…


 


A perspectiva é que a nova central reserve 30% dos cargos de direção para as sindicalistas, com chance de aumento até 50%. Bem menos (!) do que as “cotas de gênero da CUT”: entre 30% a 70% para qualquer dos sexos nos órgãos de direção.


 


Era 1993. Fui a indicada da CSC para formular a proposta com a Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT (Vera Soares e Didice Godinho Delgado). Tive o privilégio de escrever, sob a supervisão do saudoso João Amazonas, o artigo “A democratização do poder nas direções sindicais: cotas”, que expressa a posição que sindicalistas comunistas da CSC deveriam apoiar no congresso da CUT (“A Classe Operária”, 16 a 22.9.1993). Vencemos.


 


Nem a CSC segue à risca as “cotas de gênero da CUT”. Em agosto de 2006, havia apenas 27% de mulheres em sua direção. É o que explica porque 14 anos depois a CSC tergiversa sobre o tema e sequer registrou apoio à luta pela legalização do aborto em seus documentos centrais. Se o fez em moção, saiu mal na foto. A explicação? Coisas do teto de vidro do sindicalismo. Susan Faludi, em “Backlash – O contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres” (1991) continua atual e tendo razão em suas análises sobre o retrocesso nas conquistas femininas e a força da lengalenga antifeminista.


 

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