O amanhecer deixou de ser uma tentação

O dia 19 de julho de 2009 foi extensivamente comemorado na Nicarágua por ocasião da passagem dos 30 anos da Revolução Popular Sandinista; feito de grande significação histórica para esse país e toda a esquerda latino-americana e mundial, cuja juventude exerceu imenso protagonismo.


“Hoy el amanecer dejó de ser una tentación
mañana algún día surgirá un nuevo sol
que habrá de iluminar toda la tierra
que nos legaron los mártires y héroes
con caudalosos ríos de leche y miel.”
Trecho do Hino da Unidade Sandinista, de Carlos Mejía Godoy.

O dia 19 de julho de 2009 foi extensivamente comemorado na Nicarágua por ocasião da passagem dos 30 anos da Revolução Popular Sandinista; feito de grande significação histórica para esse país e toda a esquerda latino-americana e mundial, cuja juventude exerceu imenso protagonismo.

Nas festividades, a Juventude Sandinista, conhecida também como Juventude 19 de Julho (JS-19 de Julio) – em referência à data da Revolução ocorrida no ano de 1979 -, tomou as ruas para rememorar a saga que se iniciou há muitas décadas e que hoje é continuada no novo governo do presidente Daniel Ortega, histórico líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).

A Juventude Sandinista é a organização juvenil da FSLN e tanto seus organismos como seus membros aceitam os princípios e o programa da Frente. Mesmo assim, é importante destacar que a formação dessa juventude antecede mesmo à própria fundação da FSLN. Ou seja, a JS é herdeira de uma longa trajetória de lutas de uma juventude que ousou resgatar o nome de Augusto Nicolás Calderón (César) Sandino, ou simplesmente Sandino, e tomá-lo como referência no prosseguimento da campanha pela libertação nacional, soerguendo a bandeira rubro-negra.

Força propulsora do governo de Daniel Ortega, que retomou o poder pela via eleitoral, a JS destaca-se fortemente em diversas atividades sociais, no movimento estudantil e na atuação internacionalista. Em um passado nem tanto longínquo, entretanto, sua intervenção política era bem diferente da atual, quando precisou pegar em armas para derrotar a ditadura.

Prelúdio de uma história de heroísmo em prol da libertação nacional

Constituída em 1961 por jovens como Carlos Fonseca Amador, Silvio Mayorga, Tomás Borge e outros revolucionários nicaraguenses, a Frente de Libertação Nacional se apropria, já em 1963, do nome da lendária figura de Sandino, alvo de uma torpe e prolongada campanha de desmoralização patrocinada pela classe dominante local. Passa então a se intitular Frente Sandinista.

O jovem General Sandino havia morrido 27 anos antes, em 21 de fevereiro de 1934, quando contava os seus 39 anos de idade, vítima de uma emboscada orquestrada por Anastasio Somoza García, então chefe da temida Guarda Nacional. Regressava de um jantar com o presidente Juan Bautista Sacasa na Casa Presidencial quando foi traído e executado friamente a mando do imperialismo ianque que tanto combateu com seu Exército Defensor da Soberania Nacional da Nicarágua, composto majoritariamente por jovens camponeses pobres que se entrevaram na luta de guerrilhas entre as Segóvias (montanhas) do país.

Com a morte de quem havia organizado a resistência contra a ingerência norte-americana e de tantos outros patriotas que tombaram vítimas do terror da Guarda Nacional local e dos marines, Somoza se tornaria, já em 1936, presidente da Nicarágua, contando com o apoio direto dos Estados Unidos. Iniciava-se mais uma ditadura que só terminaria com a tomada do poder pela FSLN em 1979.

A imagem difundida pelas classes dominantes sobre Sandino era a de um bandoleiro ou bandido comum que merecera ser exterminado. O salteador de ontem, é o pretenso terrorista de hoje para justificar o aniquilamento de muitos antiimperialistas pelos EUA. Mudam-se as acusações, permanece o método.

O protagonismo juvenil na formação da Frente de Libertação Nacional

Em março de 1959 é criada a Juventude Democrática Nicaraguense (JDN), por iniciativa dos futuros líderes da FSLN, sobretudo Carlos Fonseca e Silvio Mayorga. No final deste mesmo ano a entidade desaparece para dar lugar a Juventude Revolucionária Nicaraguense (JRN). A JRN não chegou a ser influente dentro do país, embora gozasse de prestígio nos centros de exílio nicaraguenses em Cuba, México e Costa Rica. A partir daí, estabelece contato com a Juventude Patriótica Nicaraguense (JPN), vinculada ao Partido Conservador, que abrigava entre suas fileiras o jovem Daniel Ortega e outros importantes futuros líderes da FSLN.

Em 1960 a JPN agita o país com uma série de mobilizações em distintas cidades. São protestos contra a ditadura e em oposição à crescente repressão patrocinada pelo somozismo, sobretudo após as manifestações estudantis de apoio ao novo governo cubano que acabara de despojar do poder o ditador Fulgencio Batista. No início de 1961 surge a organização embrionária do que viria a ser a Frente de Libertação Nacional (FLN), o Movimento Nova Nicarágua. Este agrupamento estabeleceu bases em algumas cidades do país, embora seu quartel general ficasse em Honduras, mas rapidamente se dissolve para dar lugar à FLN.

Carlos Fonseca mais tarde diria que “a Frente não nasceu de uma assembléia ou de um congresso, nem sequer lançou um manifesto anunciando sua criação. Tampouco apresentou um programa. Na constituição da Frente primeiro foi a ação e baseado em suas primeiras experiências foi se formulando e reformulando…. A Frente é um produto genuíno da história popular da Nicarágua”. De fato, a formação da Frente, fortemente impelida por uma necessidade histórica impostergável, não contou em seu início com um processo teórico ou organizativo mais contundente, pelo contrário, teve um forte viés voluntarista, o que contribuiria para alguns reveses no futuro. A FSLN foi gestada, no entanto, no calor do combate.

Pátria livre ou morrer

Inspirados na jovem revolução cubana que dava os seus primeiros passos e movidos pelo exemplo de Sandino, Fidel e Che, que apostaram na tática da guerrilha nas montanhas com o apoio do campesinato, a FSLN adota um rumo semelhante e investe na guerrilha rural apoiada pelos camponeses, visando uma insurreição geral para derrotar a ditadura somozista. No início predominava, portanto, a tática “foquista”.

Depois de alguns reveses políticos e derrotas militares a guerrilha não vingou. Foi como afirmou Tomás Borge, em uma entrevista concedida em 1979: “A guerrilha não prosperou. Em verdade, porque a guerrilha era muito atrasada. Não havia conhecimento do terreno, não haviam linhas logísticas de abastecimento, não existiam condições para que uma guerrilha pudesse avançar”.

Entre 1963 e 1967 a FSLN se posiciona com uma política voltada mais às alianças e próxima ao trabalho da esquerda tradicional. Nesse período, aproxima-se das massas populares e é fundada a Frente Estudantil Revolucionária (FER), entidade que atuou no marco legal do movimento estudantil (mesmo assim duramente reprimida). A FER foi uma espécie de braço estudantil da FSLN para organizar os estudantes e demais jovens urbanos das principais cidades, tanto das universidades como das escolas secundárias. Todavia, a tática de luta predominante ainda era o foquismo.

Com o passar dos anos a FSLN foi sendo cada vez mais identificada por todos os setores da sociedade como força de oposição à ditadura somozista. A juventude cada vez mais admirava os comportamentos heróicos da FSLN que lutava contra uma brutal diferença de forças comparada à Guarda Nacional, e se incorporava à luta revolucionária anti-ditatorial.

A FSLN vai ganhando cada vez mais adeptos, principalmente jovens que se incorporam nas fileiras guerrilheiras. A partir daí vai sendo constituídas diversas frentes de combate, até que em 1979 é firmado um acordo pela unidade que seria o grande desenlace para a tal clamada libertação nacional. Em junho é chamada a ofensiva geral com uma greve geral. Em 19 de julho a FSLN entra em Manágua pondo fim ditadura dos Somoza e dando início à Revolução Sandinista assumindo o país através da Junta de Governo de Reconstrução Nacional.

Estudo, defesa, produção

Ao comemorar os 30 anos da chegada ao poder, a Juventude Sandinista se destaca na atualidade em diversas frentes de ação, todas em defesa da Revolução. Essa mesma Revolução que sofreu um profundo golpe nas eleições de 1990, quando Violeta Chamorro venceu o candidato Daniel Ortega da FSLN, mas que soube se reposicionar e voltar ao poder após 16 anos, nas eleições de 2006.

Justamente esse mimetismo, uma enorme capacidade de adaptar sua ação política diante das diferentes situações, foi fundamental para sobrevivência do trabalho juvenil da FSLN e revela a boa compreensão da dialética política em jogo.

Mesmo com diferentes táticas para cada momento histórico (algumas inclusive equivocadas), a bandeira da JS que leva o lema “Estudo, defesa, produção” nunca foi arriada e tampouco deixou de tremular.

Essa mesma organização que não hesitou em recorrer às armas quando foi necessário e não abriu mão do melhor de suas vidas em defesa da pátria, hoje se empenha pelo êxito de variadas missões de solidariedade e trabalhos de incentivo ao voluntariado. São inúmeras brigadas juvenis que se revezam em trabalhos que vão desde a troca de lâmpadas mais econômicas em postes públicos até trabalhos como construção e reparação de casas e escolas que por quase duas décadas foram esquecidas pelos governos neoliberais ou são atingidas pelos furacões. Além disso, são lideradas campanhas pela erradicação do analfabetismo, pela elevação da cultura, incremento da produção agrícola, solidariedade internacional, entre tantas outras, que se somam ao objetivo central que é a defesa do chamado Poder Cidadão.

Por tudo isso, o exemplo desses jovens situados em um pequeno e bravo país da América Central, serve de referência para toda a juventude latino-americana de como se pode e deve se adaptar a tática para, a serviço da estratégica, alcançar os objetivos propostos.

E mais, a JS mostra que não há contradição entre práticas políticas como a militância partidária tradicional e ações no âmbito do chamado voluntariado social. Essa é uma constatação baseada em um longo processo de aprendizado aliado à prática revolucionária, além da exigência histórica de se incorporar um grande contingente de jovens, com várias aptidões, mas com um único ideal que é o de levar adiante o ideário de Sandino: Pátria e liberdade!

REFERÊNCIAS:

BORGE, Tomás. Carlos, el amanecer ya no es una tentación. Editorial Nueva Nicaragua.

HARNECKER, Marta. Pueblos en armas. Editorial Nueva Nicaragua.

NÚÑEZ, Orlando. La oligarquia em Nicarágua. Managua: CIPRES, 2006

ORTEGA, Daniel, et al. Nicarágua: Por uma cultura revolucionária. São Paulo: Hucitec, 1987.

SELSER, Gregorio. General de Hombres Libres. Buenos Aires: Educa, 1980.

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Essa coluna foi originalmente publicada na Revista Juventude.br Dez/2009 N° 8


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