O boicote de Bolsonaro e Guedes à equipe de Mandetta

O comportamento de Bolsonaro (pelo fim do confinamento) e de seu ministro da Economia (pelo boicote ao apoio emergencial) poderá resultar no agravamento progressivo da tragédia.

A demissão do secretário de vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, considerado um dos principais assessores de Mandetta, não efetivada em razão da recusa do ministro, é um sinal claro de que a atual condução do Ministério da Saúde, de estímulo à política de isolamento social, considerada por todos especialistas a principal arma contra a epidemia do coronavírus, encontra-se seriamente ameaçada por um presidente irresponsável e desastrado. Oliveira, em sua carta de despedida, afirmou ainda que “só Deus para entender o que querem fazer”, numa clara referência ao boicote que o Ministério vem sofrendo por parte de Bolsonaro e de seu núcleo mais próximo. 

Os sinais de desmonte da equipe de Mandetta é um presságio preocupante, afinal, Bolsonaro sinalizara, em inúmeras ocasiões, seu descontentamento por conta do isolamento social pregado pelo ministro em razão das condições ainda precárias do sistema de saúde, que precisa ser reestruturado, e do baixo número de testagens para aferir o índice de contágio da doença.

Isso acontece quando o país contabiliza 1.532 mortes e aponta, conforme dados estatísticos, para uma perigosa tendência de interiorização. Agora, não são apenas as metrópoles e cidades de porte médio e grande que estão preocupadas com a disseminação do vírus, mas também as pequenas, cuja estrutura para enfrentá-lo praticamente inexiste, o que colocará na ordem do dia desafios de natureza logística em razão da continentalidade de nosso território e das desigualdades de nossa sociedade. Nesses polos regionais, onde vive 15% da população que depende exclusivamente do SUS, já se verifica apagão de UTIs.

O SUS, atualmente, está organizado em 451 regiões de saúde, que têm cidades de referência para garantir capilaridade no atendimento da população. É nessas cidades-polo (geralmente com mais de 70.000 habitantes) que estão concentradas as unidades de terapia intensiva, que exigem um alto investimento em equipamentos e equipes de especializadas para atender a determinados grupos de municípios.

A Fundação Getúlio Vargas apurou através de um estudo que 14,9% da população que depende exclusivamente do SUS não contam com nenhum leito de UTI na região (e não apenas na cidade) em que residem. Essas áreas estão principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Segundo o mesmo estudo, em 72% das regiões de saúde, o número de leitos de UTI pelo SUS é inferior ao considerado adequado em um ano típico, sem a influência da Covid-19. Há um padrão similar com relação a ventiladores e respiradores nesses locais, equipamentos cruciais no atendimento dos pacientes infectados.

Diante dessas fragilidades estruturais e sociais, governadores e prefeitos buscam, dentro de seus limites, hoje cada vez mais estreitos em face da queda brutal de suas receitas, expandir as redes de atendimento e criar mais leitos principalmente nas cidades de referência, apesar da escassez global de insumos, associando a esse procedimento as medidas de isolamento social.

No entanto, na medida em que Bolsonaro e Guedes dificultam a liberação dos recursos emergenciais aos mais pobres, resistem às políticas de apoio aos Estados e municípios, como ficou evidente na recente votação do PLP 149/2019 na Câmara Federal, e não criam as condições favoráveis para que o crédito chegue ao setor produtivo, a pressão vai se tornando insuportável, seja nas redes de saúde locais, seja pelo afrouxamento do confinamento social.

Um exemplo dessa situação é Santa Catarina diante da flexibilização da quarentena. Um estudo desenvolvido por pesquisadores da UFSC emitiu um claro alerta: “De posse destes dados, somente podemos concluir que está acontecendo uma aceleração descontrolada da curva epidêmica, e que a flexibilização da quarentena, sem a possibilidade de identificação dos infectados pela falta de testes diagnósticos, levará de forma irremediável à subsequente infecção de milhares de pessoas, e à convergência quase imediata com as terríveis taxas de contágio e morte associadas que estão sendo observadas em outros países do mundo”. Os especialistas trabalharam com modelagem matemática e usaram os dados reais da infecção que está acontecendo no Estado, no Brasil e no mundo.

Os dados demonstram que, como provável consequência da retomada parcial das atividades no estado durante as últimas duas semanas, é possível observar, desde a quinta-feira, dia 1° de abril, um aumento muito significativo e imprevisto no número de casos positivos para coronavírus, que deverá continuar durante os próximos dias e semanas.

Diante de tantos elementos irrefutáveis em defesa da sustentação da política de isolamento social e de recuperação do sistema de saúde, o comportamento de Bolsonaro (pelo fim do confinamento) e de seu ministro da Economia (pelo boicote ao apoio emergencial) poderá resultar no agravamento progressivo da tragédia como também ensejar providências mais duras e decisivas por parte da sociedade e dos poderes constituídos na contenção dos que representam, no momento, a maior ameaça à vida e ao futuro dos brasileiros.

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