O cinema de Damien Manivel

O cinema de Damien Manivel e o gênero queer em “Staying vertical”

Cineasta Damien Manivel | Foto: Divulgação

Eu não conhecia e conheci agora esse jovem – pouco mais de 40 anos – cineasta francês Damien Manivel, que a plataforma Mubi está apresentando. Ela informa que ele é uma das maiores referências do mais atual cinema francês, com a exibição  de dois filmes. Um é “Takara – A noite em que nadei” e o outro “O parque”. São filmes considerados longas, mas o primeiro tem 1h18 e o segundo 1h12. Sem dúvida, o cineasta Manivel tem noção de que o assunto que ele está abordando não caberia em mais tempo e isso porque ficaria sobrando.

Certo que esses dois filmes são considerados e são realmente participantes do cinema de melhor qualidade que se faz no mundo civilizado atual, e a Mubi não está simplesmente fazendo propaganda de um produto apresentado. Talvez, porém, a grandeza do cinema tenha terminado com o filme de Bernardo Bertolucci com Marlon Brando e Maria Schneider “Último tango em Paris”. A grandeza do tango já não cabe mais na França.

“Takara, la nuit où j’ai nagé” talvez não seja um filme francês, mas japonês. Foi filmado no Japão com a participação na direção do japonês Kohei Igarashi. O ator principal é um garoto japonês e todos os demais intérpretes também são japoneses. O cenário é uma região japonesa onde a neve domina totalmente. E a estória é do garoto sozinho vivendo um dia de vida solto de qualquer adulto, pois seu pai o deixa e vai para o trabalho. É um filme de muita beleza plástica e uma certa força dramática. Não é o caso de se dizer que o garoto é um grande ator. Ele realmente foi bem orientado.

Filme “Takara, la nuit où j’ai nagé” | Foto: Divulgação

“Le parc” ainda é mais simples na sua estória. Uma jovem atriz – Naomie Vogt – Roby – encena o drama todo começando numa meia hora passeando com um jovem, e bem inocentemente os dois namoram. Na segunda parte, ela após o anoitecer fica no parque, e então acontece uma espécie de ‘noite de horrores’, como ela parece que já esperava. Talvez haja condições para se acusar a estória de racismo, pois um dos participantes é um ator negro numa situação de animal erótico.

Filme “Le Parc” | Foto: Divulgação

Esses dois filmes foram exibidos em vários festivais internacionais e assim se firmaram como um cinema de grande qualidade estética. Sem dúvida, ambos se mostram de excelente nível estético. Entretanto, principalmente em “O parque”, não há grandeza humana. Inclusive também não há força dramática, o que seria necessário. Na noite no parque quase não se vê o filme, e sim as cenas que são conduzidas pelo ruído pelo som.

Olinda, 08. 02. 22

A cultura e os grupos de comportamento

Filme “Staying vertical” | Foto: DIvulgação

Eu vou falar de cultura, mas a partir do filme “Staying vertical” (Na vertical) que a Mubi está exibindo. Um dos primeiros filmes do cineasta francês Alain Guiraudie lançados foi “Um estranho no lago”, que classificaram como cinema “queer”. E com este agora “Na vertical”, a Mubi procurou evitar essa classificação, para assim não limitar o filme a uma espécie de público. A partir dessa posição, o crítico ou o simples espectador que gosta de analisar o produto a que assiste, e mesmo que não aceite determinadas classificações, se envolve mais ou se envolve menos na dimensão estética cinematográfica.

Se filme “queer” é somente uma obra que apresenta alguns momentos com personagens gays, mesmo assim podemos ficar em dúvida. Existem personagens realmente gays nesse filme, ou apenas situações em que o personagem se coloca em atitudes homossexuais? A questão é que hoje quase temos uma absorção cultural das diferenças, embora de uma maneira ainda pouco expressivas. E assim, um filme pode incorporar aspectos que nos anos 50 do século passado seriam absolutamente não permitidos. Seja-se a favor ou não, “Na vertical” mostra esse novo caminho da cultura. E a cultura que está posta pela arte, não só cinematográfica.

Mas “Staying Vertical” nos coloca outros aspectos da produção cinematográfica, como por exemplo o fato de que não há mais um cinema independente na forma em que era comum durante grande parte da segunda metade do século XX. Hoje, ninguém é mais produtor independente, mas uma pequena parcela de uma enorme indústria cinematográfica mundial. Até mesmo quando é lançada uma simples produção francesa, tem o cuidado de colocar pelo menos o título na língua internacional, o inglês. Ninguém nem mesmo quer ser independente, e as próprias plataformas se preocupam em não demonstrar isso.

“Staying vertical” tem todas as características de um produto cinematográfico atual. Uma estória que realmente não é história, mas simplesmente detalhes de aspectos da vida de um grupo. Fotografia leve, com cenas sexuais também só agradáveis na sua visão. Esse filme tem uma cena bastante dura, mas a expressão como cinema é formada de maneira a poder ser aceita pelo espectador. Se fosse feito nos anos 60, no entanto, não passaria com tanta tranquilidade. Isso mostra que o cinema mundial já se tornou uma arte em profundidade. E por isso um filme que tem tal cena consegue ser apresentado como forma de cultura geral. Simples.

Os festivais internacionais de cinema são hoje instrumentos fundamentais para configurar essas obras, como nesse caso: o filme foi participante dos festivais de Cannes, de BFI Londres e de Mar del Plata em 2016. E de Rotterdam, em 2017.

Olinda, 14. 01. 22

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