O cinema do presente e do passado – 1

A qualidade de um filme vai além da técnica, reside na capacidade de nos conectar com realidades próximas e temas que nos interessam

Cena de "Crepúsculo dos Deuses – 1950" | Foto: reprodução/internet

Escrevo sobre cinema porque gosto de cinema. Considero que é ele a arte que tem condições de melhor refletir, retratar, documentar a sociedade dos nossos dias. Não só é a maior diversão, mas é também a forma de se comunicar com maior dinamismo; é a arte onde intrinsecamente encontramos mais movimento. Dinamismo e movimento, duas forças da sociedade moderna.

Conversando recentemente com o pintor Francisco Brennand, ele me dizia que gostaria de somente pintar obras monumentais, pois assim seria capaz de não esquecer delas. Na prática da pintura atual, onde a moda é quase o miniquadro, por contingências do mercado, um espectador dificilmente recorda de um quadro visto. Ele recorda de toda uma exposição, e raramente de um quadro isolado. Isso aconteceu com Brennand de volta de uma viagem ao Rio de Janeiro; não conseguia se recordar de quadros vistos. Entretanto, se recordava bem de alguns filmes. E ele também é de opinião que o cinema é a arte com toda a força em nossos dias.

O cinema exige uma enorme infraestrutura, de matéria, de indústria. Se não tivesse sido criada a fotografia, não teria sido possível aos Irmãos Lumière ou a Edison criarem o cinema. No seu nascimento, o cinema teve de passar por muitas dependências de material, de técnica. Realmente, um cineasta poderá imaginar um filme, tanto no seu arcabouço de argumento, quanto nos seus mínimos detalhes: ele visualiza o filme pronto. Mas somente ele. Para que os outros tenham uma ideia desse filme, é preciso que o cineasta transforme sua ideia em algo que poderá ser projetado numa tela. E para isso ele terá que contar, principalmente hoje, com uma enorme equipagem.

Se você assiste a um filme feito em 1930 e a outro feito hoje, nota sem o menor esforço a distância técnica que separa os dois. Sempre se alega que o cinema é uma arte muito nova, enquanto a pintura ou o teatro têm centenas de anos de existência. O cinema ainda não tem cem anos, quando escrevo esta crítica. Existem, mesmo, muitas pessoas pelo mundo que viram o nascimento do cinema e possivelmente ainda verão filmes hoje (em 1975). Mas justamente por ser a arte mais ligada ao mundo de hoje, no século XX esses menos de cem anos de cinema representam uma evolução de séculos. Cada década, para o cinema, representa comparativamente um século para as artes plásticas.

Por isso o cinema hoje tem mil vezes mais possibilidades de fazer o que se convencionou chamar de “grandes filmes”. Acho mesmo que a frase, que algumas vezes já ouvi, de que “já não se fazem filmes como antigamente”, é inteiramente errônea. Hoje é que se fazem filmes maravilhosos, como não se faziam antigamente.

Jornal do Commercio, Recife, 13.07.1975

(Continua na próxima semana)

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Função ou arremedo da crítica

Quem é ou foi profissional da crítica de cinema, sempre vive e viveu preocupado com a velha questão da importância que a crítica pode ter. Ou não ter. Sempre pensamos, acho, que se não chegamos nem aos leitores nem tampouco aos realizadores, então a nossa participação é nula. Desde o começo nos anos 1950, eu tinha essa preocupação comigo. E, mesmo que tenha mudado na forma de escrever, meu pensamento continua vigente para mim. Cinema não é divertissement, como durante muitos anos foi a divulgação principal da empresa que era a maior exibidora no país, a Luiz Severiano Ribeiro.

E assim as coisas acontecem. Ou se afirmam. E é interessante quando um cineasta do nosso estado – Pernambuco – , mas que é hoje a figura mais conhecida e atuante não só em nosso estado, mas em todo o Brasil, coloca a importância do nosso trabalho – da dupla Fernando Spencer e Celso Marconi –, que aconteceu do final dos anos 50 até mais ou menos os anos 80 do século passado. Eu e Spencer publicávamos e editávamos nos dois jornais que eram fundamentais na época para a divulgação e circulação e formação da cultura pernambucana. E tínhamos consciência disso. E sentíamos diretamente como o nosso trabalho tocava nas pessoas. E não só nos leitores, mas também nos realizadores. Naqueles de quem nós divulgávamos o trabalho deles.

Nós tivemos muitas voltas. Pessoalmente, tínhamos conversas pessoais com aqueles que eram notícia para nós. E, ao lado das conversas que não nos interessavam, muito porque seriam meros elogios, recebíamos “feedbacks” fundamentais através do que sabíamos quando falávamos com objetividade e correta fundamentação. Tenho consciência de que não éramos dois bobos vaidosos, mas dois profissionais que trabalhavam em setores bem próximos e não queríamos mais do que cumprir com o nosso trabalho profissional. Cada quadro que me era dado, após matérias sobre artes plásticas publicadas, me serviam não como bem material, mas como reconhecimento da importância do meu trabalho jornalístico. E assim tenho hoje dezenas de “troféus”, que são mais expressivos do que medalhas chegadas através de órgãos oficiais.

Olinda, 05. 07. 2021                                  

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