“O Código Da Vinci”:O Evangelho Segundo Hollywood

Filme do americano Ron Howard, baseado na novela homônima de Dan Brown, acrescenta mais ficção aos mistérios da vida de Jesus Cristo, pós-crucificação.

Não é o que parece. Nem o que se espera. Numa rápida análise, "O Código Da Vinci", filme do norte-americano Ron Howard, baseado na novela homônima de Dan Brown, rende mais polêmica fora da tela, do que corresponde às expectativas dentro do cinema. Ancorada no estrondoso sucesso do livro, com mais de 49 milhões de exemplares vendidos, a adaptação para a tela era aguardada como o “filme do ano”. Principalmente devido ao barulho provocado pelos cristãos dos mais diversos matizes. Nenhum resultado adveio desse barulho, se não aguçar a curiosidade de milhões de pessoas pelo mundo afora. Todas interessadas em ver ratificadas suas impressões da narrativa literária na tela e, daqueles que não a leram, saber o porquê de tanta controvérsia.
              
Essa expectativa é quebrada logo nas primeiras cenas: trata-se, na verdade de um thriller hollywoodiano, para platéias adolescentes, justamente as que lotam cinemas em todo planeta. Howard abre o filme com o belo travelling vertical que dá tom a todo o filme. Tenta criar suspense, a partir da perseguição de Jacques Sounière (Jean-Pierre Marielle), o diretor do Museu do Louvre, pelo vilão Silas, executor de maquiavélico plano urdido pelo chefão da opus Dei, bispo Manuel Aringarosa (Alfred Molina). A câmera de Howard passeia pelo amplo salão do museu, ladeado pelas mais destacadas obras-primas que a arte já pôde conceber. Proliferam, a partir daí, uma profusão de frases explicativas para situar o público sobre o tema em discussão: a existência do Priorado de Sião, dos templários e da possível sobrevivência de Cristo após a crucificação.
             
"O Código Da Vinci", para quem já leu o livro, trata da busca do “Santo Graal”, de novas revelações sobre a “humanidade do Cristo” e da existência dos guardiões de segredos guardados pela Igreja Católica e a Opus Dei. Howard usa essas pontas para tocar seu filme pra frente. Centra-o na fórmula: alguém esconde algo, que alguém quer pegar. No meio há diversos assassinatos. Um tipo de trama batida e muitas vezes requentada. Através de sucessivos movimentos de câmera, a história vai sendo encadeada, na tentativa de criar o suspense necessário a seu desfecho. Desta maneira, a forma se sobrepõe ao conteúdo. O espectador não vai, ele mesmo, descobrindo nuances, fios da história; eles lhe são dados por meio de diálogos explicativos sobre cada detalhe, para que nada lhe escape. Tipo de opção que casa muito bem com o público adolescente: cortes rápidos, movimentos de câmera incessantes que provoquem vertigem, explicações de pontos obscuros, para que ele não se perca ou se entedie.
               
Tema explosivo vira filme para adolescentes
Esta opção de Howard, e de seu roteirista Akiva Goldsman, torna "O Código Da Vinci" falado demais, didático demais, com cenas que pecam pelo inverossímil. Na seqüência em que o professor Robert Langdon (Tom Hanks) e a criptógrafa Sophie Neveu (Audrey Tautou) encontram o historiador Sir Leigh Treabing (Sir Ian McKellen) e a polícia está no encalço deles, há todo tipo de conflito, e os três escapam, como nos velhos seriados da Republic, a partir de apenas uma frase: “Tenho pronto meu avião”. E acabam em Londres. Seqüências iguais a esta se renovam ao longo do filme. Howard e Goldsman repetem tanto esta fórmula (cortes e movimentos sucessivos de câmera, estilo MTV), que elas terminam por se transformar na ação em si, reforçadas pelo diálogo excessivamente explicativo. Este termina por predominar, pois a todo instante há uma explicação a ser dada, como se a dupla quisesse convencer  ao público sobre a veracidade do que lhe expõe.
                 
Uma novela como "O Código Da Vinci" possui já um tema por demais explosivo. O publico que acorre ao cinema, vai mais pelo que ele representa de “suposta novidade”, do que para assistir a um thriller. Espera revelações, decifração de um enigma, cada vez menos explícito, por mais que se tente desvendá-lo. A começar pela história do Cristo, que começa aos 30 anos, depois de uma vida de carpinteiro. Sua adesão à seita dos essênios, sua conversão e pregação em pleno Império Romano, que subjugava vastas regiões dos continentes então conhecidos, são aventados por um e outro historiador sem que sejam devidamente aprofundados. Nenhum escrito deixou, e Sua Vida terrena, enquanto “Ser Vivente”, continua sendo pouco elucidada. Nada há revelado sobre sua família (Maria e José), seus parentes e dos que o rodearam verdadeiramente. O que se conhece foi repetido por séculos, via tradição oral, até que os chamados profetas escrevessem sobre Sua Existência, trezentos anos depois de sua crucificação.
                
Teorias existem, como a de que “Cristo tenha sobrevivido à crucificação e convivido com Maria Madalena com quem teria tido filhos”, na suposição de Dan Brown. Nada, porém, provado científicamente – há apenas especulações engendradas que se prestam à ficção. Mas se verdadeiras como o quer Sir Treabing, no filme, toda a estrutura cristã viria abaixo. Restaria tão só o Cristo como líder de um dos maiores movimentos sociais da humanidade, que, pela decisão do Imperador Constantino, e de vários teólogos da cristandade, metamorfoseou-se em religião. E não só isto: teve toda uma construção, a partir da “Suma Teológica”, de São Tomás de Aquino, em que o Cristo é o segundo vértice da Santíssima Trindade – Pai, Filho, Espírito Santo. No entanto, a ficção de Dan Brown, centrada na suposta convivência de Cristo com Maria Madalena, pode ser creditada a uma vertiginosa criatividade que trombeteia apenas as “certezas do Vaticano”.
                
Verdade sobre Cristo é segredo guardado pelo Vaticano
                
Verdades existem na construção da divindade do Cristo, mantidas a sete chaves pelos guardiões verdadeiros da estruturação do Cristianismo. Só que ainda está longe para este arcabouço teológico ser revelado. Talvez os mais diversos segmentos cristãos ainda não estejam preparados para isto. Sir Treabing, num de seus instantes mais irônicos, se delicia com a possibilidade de isto se tornar público, tal uma avalanche despencando sobre a cabeça dos crédulos cristãos. É quando Langdon se mostra um personagem pequeno, ante a avassaladora carga de revelações que brotam do historiador inglês. Nesta altura, a platéia adolescente, os apreciadores da novela de Brown e os curiosos que acorrem ao cinema em busca de revelações bombásticas terão descoberto que as projeções avançadas também no filme se servem mais à ficção que à realidade. Mas são pura dinamite, pois colocam em dúvida a estrutura que o Vaticano e, depois, Calvino e Lutero puseram de pé, para atender às necessidades espirituais de parte da humanidade.                     
                
Com uma história dessas, transposta para os tempos atuais, dominados pelo fundamentalismo e o materialismo, há suspense e mistério suficiente para toda uma trilogia. "O Código Da Vinci", no entanto, não é sobre Cristo, é sobre “seus descendentes” e os “segredos” que seus guardiões tentam encontrar, desde as Cruzadas, para explicar sua “humanidade” e desvendar o mistério contido no “Santo Graal (cálice que teria coletado o sangue de Cristo durante a crucificação)”. No meio está a Igreja Católica, que teria, supostamente, a chave de toda a trajetória de Cristo, como filho de Deus e Seu enviado a Terra, para redimir os homens do pecado, e a esconde para não ver ruir toda uma estrutura teológica que faria homens e mulheres perderem a fé e caírem no ateísmo. Pecado, entenda, o original, provocado pela carne (Adão e Eva) e o fratricídio (Caim x Abel). Há nessa concepção, a repressão ao desejo, ao prazer e à relação entre gêneros opostos, e o arcabouço de dogmas e princípios que norteiam o comportamento e as relações entre os seres humanos desde os primórdios da organização da sociedade.
               
Nenhuma destas questões estão em pauta em "O Código Da Vinci", quando muito a materialidade de Cristo é revelada em diálogos incisivos, feitos para chocar. São expostos sem meias palavras, como se verdade fosse. O que é perfeitamente válido numa obra de ficção com tal assunto, por mais chocante que seja. Mesmo o final, motivo de tanta controvérsia, não segue uma linha que leve o espectador àquela revelação. Tampouco a personagem tem perfil que venha de pista em pista até chegar ao final apoteótico. Tudo é dito em instantes em que se espera que o filme termine com um outro sentido.
               
              
Melhor personagem do filme é o vilão Silas
             
Contribui para esta visão, os personagens que se movimentam ao longo da trama, sem ganhar contornos próprios, presos que estão à ação, aos cortes, aos movimentos de câmera, aos diálogos explícitos. Langdon, que deveria ser o condutor da história, termina por se demonstrar apático, com raros lampejos de algo que justifique sua fama de bom simbologista; Sophie, que reage com indignação a cada revelação sobre o Cristo, não passa disso. O público, dessa forma, não tem um personagem em que se apoiar; se identificar, torcer por ele. O único que se sobressai é o vilão Silas, numa caracterização brilhante do inglês Paul Bettany. É muito pouco para um filme que chega impulsionado pelo sucesso do livro no qual se baseia e nas polêmicas provocadas pela Igreja Católica e a Opus Dei, organização de direita, vinculada ao Vaticano.
             
No entanto, é esta mistura de ficção e realidade que se torna o principal atrativo de "O Código Da Vinci". Nada mais há. Como thiller é pífio. O mistério que envolve o “segredo” que Leigh pretende desvendar termina por fragilizar a própria trama, pois os vilões ficam para trás. Existe apenas a necessidade de levar a busca ao final, até mesmo para justificar os contratempos, ameaças e sustos sofridos pelos personagens. Sob a direção de um cineasta mais afeto à elaboração e à reflexão, seria um grande filme de mistério, não um thriller em que a forma, a estética, acaba por se sobrepor ao conteúdo. Os que o vêem combatendo mundo afora fariam melhor se o deixassem exibir sem polêmica, pois, ao contrário de “A Tentação de Cristo”, de Martin Scorcese, e “O Evangelho Segundo São Mateus”, de Píer Paolo Passolini, nenhuma ciência há na tese que levanta, embora existam pontos obscuros na história de Jesus Cristo, que  terminarão por ser revelados. E, então, a história do cristianismo será contada de outra forma. Até lá, é esperar.
“Código Da Vinci (Da Vinci Code)”. EUA, França, 2006”. Duração: 146 minutos. Diretor: Ron Howard. Elendo: Tom Hanks, Audrey Tautou, Jean Reno, Paul Bettany, Sir Ian McKellen.

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