O desespero de Veronika Voss

O filme “O desespero de Veronika Ross”, de Reiner Werner e o comentário de Jean-Luc Godard sobre Nicholas Ray

Este é o penúltimo filme do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder, “O desespero de Veronika Voss”. Ele está em cartaz na plataforma Mubi. Eu devo ter comentado quando assisti ao filme nos anos 80 do século passado, e certamente não o elogiei muito. Mas nessa visão agora fiquei com a impressão de ter visto realmente um filme excelente. Feito por alguém que não segue os padrões hollywoodianos e deixou uma filmografia das mais importantes no cinema mundial. Ao mesmo tempo que fazia um cinema internacional, marcou profundamente a cultura cinematográfica alemã.

O filme de Fassbinder tem as características do melodrama e neste a figura principal é da personagem atriz Veronika Voss. O diretor conta a estória dela sem se arrepender. Mas conta mesmo a história do seu país, que depois de passar por um extenso período nazista estava vivendo um terrível período de reajuste, e a atriz Veronika Voss vivia o drama de uma personalidade que sofre o que pode acontecera a um alguém subordinado aos trames deixados pelo governo nazista. Fassbinder organizou uma equipe técnica excelente, mas não superfamosa e os intérpretes também não são grandes ‘estrelas’. Excelentes intérpretes, mas não ‘estrelas’, como seriam se o filme fosse subordinado a uma linha hollywoodiana.

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Eu vi “O desespero de Veronika Voss” no meu iPad de 10 polegadas de tela. E além dessa forma de assistir diferente dos anos 80, quando devo ter visto num cinema de rua do Recife ou na ‘cabine’ que era um cinema com uma tela de 65 polegadas, para 20 espectadores no máximo. Nos antigos cinemas, não havia a possibilidade de um bom som no sentido técnico, pois os cinemas sempre apresentaram precários sistemas de som. E agora no iPad o som é muito mais audível, e assim pude me encontrar com o som que foi criado por Rosel Zech, uma não famosa, que também participou do filme como atriz. Mas a trilha sonora é simples, mas bela, e o que é importante, muito própria para concretizar o clima melodramático que o diretor Fassbinder demonstra que queria colocar no seu filme.

Apesar do nome do filme ter uma personalização, em Veronika Voss a sua estrutura dramática não se preocupa com esse ângulo. O drama social existente a partir da vida da atriz do cinema e da indústria ligada e do jornalismo é que gira em torno. Fassbinder sustenta a linha dramática não para simplesmente contar uma estória dramatizada, mas para deixar com o espectador inteligente tudo o que uma obra cinematográfica densa pode dizer.

Penso ser importante também distinguir o trabalho foto-cinematográfico que foi conduzido por um técnico não famoso, mas merece a melhor distinção. E na ‘mise-en-scène’ um ponto a notar é o fato de que quase sempre a cena que é dita como fazendo parte do filme não é filmada. Pois quase sempre aparece uma outra parte e não a parte citada. Tem até mesmo uma cena em que Veronika Voss estaria fazendo parte da dinâmica do filme, mas Fassbinder filma sim os cineastas que estariam filmando. É uma interessante trama criada pelo diretor.

Olinda, 13. 10. 22

Godard comenta Nicholas Ray

Foto: Reprodução

O número de outubro da revista “Cahiers du Cinéma” dedica quase todas as suas páginas ao cineasta Jean-Luc Godard, numa na verdade excelente retrospectiva. Inclusive republica quatro críticas escritas por Jean-Luc no início da Cahiers nos anos 60, quando ele ainda era um simples crítico junto com François Truffaut e outros participantes da Nouvelle Vague.

Uma das colunas é de Godard comentando o filme “Amère victoire” do hollywoodiano Nicholas Ray. E com mais extraordinários elogios ao cineasta norte-americano do que o esperado pelos cinéfilos do mundo. Lembro que fiquei chocado com a posição dos franceses, mas nem por isso deixei de admirá-los.

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JLG começava a crítica dizendo que em filmes havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). “Mas há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray”. Ele continua a crônica, inclusive no final coloca uma nota explicando por que cada um dos cineastas citados são o que ele classifica.

Na verdade, Jean-Luc Godard antes de fazer um tipo de filme novo a partir de “Acossado”, ele fez uma crítica nova que buscava em cada filme encontrar o que era cinema e não ficar comentando especialmente a história contada.

E isso realmente me lembro que me influenciou na minha própria maneira de comentar os filmes.

Olinda, 08. 10. 22

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